sábado, 25 de agosto de 2007

Entrevista: Kleber Mendonça Filho

(Entrevista concedida no começo de 2005, para cadeira de Técnica de Entrevista e Reportagem, ministrada por Paulo Cunha. Dêem um longo desconto para a pontuação da entrevista: fiquei com preguiça de revisar; e um longo desconto para as minhas ingenuidades iniciais: aprendera a mentir, mas não tinha nem completado 20 anos).

A entrevista já estava marcada: teria de entrar ou entrar na última sala do primeiro andar da Fundação Joaquim Nabuco. Não havia mais escolha; minha timidez já havia atrasado todo o processo o quanto pode. Ou eu entrava ou eu entrava. Até que existia a opção do professor me reprovar por antecipação após o recesso, mas eu já havia decidido que uma entrevista não poderia ser tão dolorosa. Agora só faltava passar por uma velha porta com o emblema do ‘proibido fumar’, passar por um monte de desculpas e obstáculos inexistentes que eu mesmo criava. E criava. E criava. Talvez precisasse apenas de um cigarro. Talvez dois. De qualquer maneira havia esquecido meu isqueiro. Bati três ou quatro vezes no emblema, quase sem força, na esperança que ninguém me escutasse. Poderia ali mesmo arranjar mais uma desculpa. Entretanto, não demorou muito até a porta se abrir.

Já dentro do aposento, uma mistura de encanto e medo tomou conta dos meus olhos ao ver todos aqueles pôsteres, distribuídos de maneira irregular: de filmes que assistira inúmeras vezes aos que sequer conhecia pelo nome. Aquilo me pareceu grandioso e distante, em um segundo e familiar e seguro, no segundo seguinte. A sala era pequena e agradável: definitivamente um bom lugar para trabalhar. Kleber estava sentado numa mesa, ao canto, de olho em um computador. Ofereceu-me um lugar em voz baixa; pediu dois minutos. Sentei ao seu lado e percebi que ele estava navegando no ‘orkut’, enquanto conversava no ‘msn’. Subiu na cabeça aquela confortável impressão de que não estávamos tão distantes. E talvez não estivéssemos mesmo.

A entrevista já estava prestes a começar, quando o gravador resolveu dar um pequeno problema nonsense. Era tudo o que precisava: um elemento-surpresa àquela altura do meu drama. Tentei arrumar uma solução, troquei as pilhas, mudei a fita, mas parecia não ter jeito. O projeto-de-jornalista-aqui teria de copiar na mão ou levar a entrevista no sentimento. E justamente a primeira entrevista. Foi então que o gravador voltou ao normal. Inesperadamente, para falar a verdade. Talvez essa só tenha sido mais uma desculpa temporária. Kleber estava ao meu lado. Era meu primeiro entrevistado, ainda que a palavra ‘entrevista’ carregue um tom formal, que eu queria logo descartar. E bem o fiz durante as quase duas horas de conversa. Duas horas, além das hilárias conversas em off – destaque para os comentários sobre filmes pornôs pernambucanos.

Era meu primeiro entrevistado e estava na minha frente um rapaz, de 36 anos, e seu trabalho em três âmbitos do Cinema Pernambucano: fazendo seus próprios filmes, programando o Cinema da Fundação e escrevendo crítica sobre películas num dos maiores jornais do Estado (Jornal do Commercio). Este último o foco principal da cruzada. Kleber, formado em jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é um exemplo da velha história de quem queria fazer cinema e acabou se formando em jornalismo. É; realmente não estamos tão distantes.



RA - Como você desenvolveu a sua formação como crítico cinematográfico?

KMF - Eu tive um período muito importante na minha formação, período esse que está ligado aos quatro anos que morei na Inglaterra. Minha mãe foi fazer doutorado como historiadora e eu fui como filho dela. Morei lá dos 13 aos 18 anos. Foi um tempo importante lendo, indo a cineclubes em Londres, assistindo a TV britânica - a melhor do mundo na época e fonte inesgotável de cinema do mundo inteiro. Esse tempo também me cedeu o inglês, que é uma língua importante para abrir caminhos e descobrir coisas, conhecer gente. Lá eu tive acesso a um material muito bom e à muita informação. Mas, de fato, eu não tive uma formação, digamos formal ou acadêmica, não fiz um trabalho de mestrado ou algo assim. O que eu posso dizer é que eu sempre, desde criança, gostei muito de cinema, sempre me coloquei em muito contato com o cinema. Aqui em Recife, quando voltei da Inglaterra, não tinha exatamente (e não tem ainda) escola de cinema, mas o mais próximo de tal era a escola de comunicação. Então terminei por fazer jornalismo, pois me colocaria mais próximo do que eu queria. De fato, dentro da universidade eu sempre me puxava, me levava mais pro lado do cinema e além disso, comecei a produzir vídeos e pequenos filmes, utilizando equipamentos da universidade. Aliás é algo que eu recomendo pra todos os alunos: usem a universidade o máximo que vocês puderem. E uma vez formado em jornalismo (1992), eu não conseguia me ver exatamente como jornalista, porque mais uma vez eu só conseguia pensar em trabalhar em algo relacionado a cinema.

RA - Você falou de como foi a sua formação, mas você teria uma opinião de como deveria ser ‘a’ formação do crítico de cinema?

KMF - Para tentar entender os filmes, entender o mundo em geral (filmes são reflexos do mundo) é necessário ler muito e ver muita coisa, o que lhe fornece uma visão expandida do ser humano, da sociedade e de como a arte reflete esses dois elementos. Para entender o cinema como antena do mundo, é essencial ter uma idéia saudável do seu alcance, da sua historia e de suas possibilidades, ainda mais no nosso presente, pois vivemos uma época importante (e, ao mesmo tempo, confusa) na produção de imagens. Acho também que há um estranho fenômeno, uma vez que as imagens nunca foram tão facilmente disponíveis como hoje. Talvez por isso eu sinta lacunas na formação "cinéfila" de muita gente jovem, quando pensaria que atualmente uma formação de cinema como bagagem de vida seria mais fluente, mais fácil. Pode ser o excesso de tudo que explicaria isso, criando uma confusão e uma sobrecarga. Nos anos que passei na Inglaterra, a exposição que recebi me parecia mais organizada da que recebo hoje. Filmes nos cinemas, na TV e em vídeo. Hoje, tenho 13 canais de filmes em casa, recebo DVDs, fitas e CDs gravados de amigos com filmes baixados da net. O Recife tem 42 salas de cinema contra as 11 da época em que voltei a morar no Brasil, recebo e-mails com curtas ‘atachados’ de gente que quer me mostrar trabalhos e, às vezes, me pergunto se os olhos e os sentidos não vão ficar dormentes. No final, acho que os olhos podem ficar dormentes, mas creio que estamos sempre prontos para nos emocionar e sentir coisas boas a partir de uma seqüência de imagens.

RA - E dentro da Universidade, você via que a academia te capacitaria para ser um crítico de cinema ou um possível cineasta?

KMF - Não. Com certeza não capacitaria. Isso era algo por fora. A universidade é um ambiente muito fértil para você conhecer pessoas. Inevitavelmente você terá professores que vão deixar uma marca. É claro que a grande maioria dos professores não vai deixar marca alguma e você vai preferir esquecê-los, mas existem alguns e isso é fatal, alguns que vão deixar alguma coisa, colocar uma coisa boa na sua cabeça. Lá dentro, você conhece pessoas, faz amigos e meio que entra no clima de tentar fazer o que você quer fazer. Se você quiser fazer alguma coisa, porque se você não quiser fazer nada é possível passar quatro, oito, doze anos na universidade e não fazer nada também. Isso depende muito de cada um. Mas na minha experiência pessoal, eu conheci pessoas boas, eu conheci poucos professores muito bons – que para mim já foi o suficiente – e eu utilizei a máquina da universidade para fazer coisas. Então, para mim foi produtivo. Mas de fato, nada relacionado especificamente com a área de crítica de cinema. Claro que o pensamento cinematográfico existe dentro da Universidade, em especial na área de comunicação, onde muitas pessoas adoram ir ao cinema. Estão sempre exercitando opiniões, impressões e produzindo muita conversa boa. Também depende da turma, a minha especificamente era uma turma muito interessante. E depois que se passam os anos, você sempre lembra dos filmes que você viu durante a Universidade. Então, nesse sentido pode ser bom; eu não estou dizendo que é bom para todo mundo, mas se você conseguir fazer a coisa ficar boa e produtiva pode ser que funcione bem. Eu também acredito que a universidade pode ser absolutamente inútil para várias pessoas, em alguns momentos eu achei que ela seria ou que ela estaria sendo inútil para mim também, mas hoje eu tenho uma visão um pouco mais positiva do que aconteceu durante meus quatro anos de estadia por lá.

RA – Você já tocou de leve nesse assunto, mas de qualquer forma acho melhor aprofundar um pouco mais. Como você entrou propriamente no mercado de trabalho?

KMF - Eu fiz um curso com Alexandre Figueroa, em 1991, onde nos conhecemos e na época ele era o crítico de cinema do Jornal do Commercio. Eu acho que ele percebeu uma energia muito grande, uma paixão muito grande minha por cinema e então, pediu para que eu escrevesse uma coisa ou outra. E aos poucos eu fui escrevendo. Já como especial do JC, não sendo uma coisa oficial, nem sendo paga, as pessoas começaram a perceber um certo – não sei – um certo estilo, uma certa vontade de escrever sobre cinema. Foi aí que o próprio jornal me contratou, porque apareceu uma vaga na área de cultura e dentro do jornal é como eu já falei, eu fazia texto sobre cultura local, mas em termos gerais, eu puxava para cinema que é uma coisa natural. Existem muitos estagiários e pessoas que gostam de música ou de artes cênicas ou de cinema e que são colocados na parte de cultura em geral. Aí funciona de que quando aparece algo na sua área, você faz “não, eu vou lá e faço”. Você pode tecer um estilo ou uma marca para que as pessoas reconheçam que esse cara gosta dessa área específica, para que as pessoas passem a identificar você com aquele assunto, com aquela pauta. Depois passei três anos fora do jornal e em seguida, recebi o convite para ser precisamente crítico de cinema pois havia a vaga e o jornal sabia de minha disponibilidade. Já venho escrevendo sem parar há cerca de sete anos.

RA - E como funciona, mais ou menos, a sua rotina?

KMF - Eu estava pensando nisso nos últimos dias, porque eu estou fazendo uma matéria sobre o assunto. A rotina mudou um pouco ao longo dos últimos anos. Quando eu entrei no jornal, o recife tinha uns 10 ou 11 cinemas, hoje tem 42. Naquela época a gente tinha que brigar para que o filme fosse exibido antes da estréia – que é a chamada ‘cabine’. Hoje, as cabines, de uma certa maneira, estão bem profissionais. E eu acho que eu sou um pouco responsável por isso, porque assim da minha entrada no jornal, eu avisei a todas as distribuidoras por fax que o Jornal do Commercio não daria nenhuma matéria de filmes não exibidos para imprensa. E antes, Alexandre não tanto, ele realmente fazia baseado nos filmes que ele assistia, mas em termos gerais, a imprensa local dava capas de release tipo: recebe o material, ninguém viu o filme, capa de um caderno... uma propaganda gratuita. Quando eu entrei existiram esses atritos iniciais. Mas eu sei que hoje, se tiverem 7 filmes estreando na sexta, eu diria que seis tem cabine. Então ás vezes é meio complicado, pq tem cabine segunda 10:30 da manhã e a 1 da tarde; terça 11 da manhã e quarta ao meio-dia. E são cabines, às vezes, de filmes que não era nem para ter a cabine porque tipo... um filme tipo... esqueci um exemplo agora...

RA - Tipo Xuxa e o mistério de alguma coisa.

KMF - É. Tipo ‘Cinderela às avessas’ ou ‘Princesa por um dia 2’. Porque daí você fica numa situação de a menina ligar falando “vai ter cabine de princesa por um dia 2”. Eu não vou dizer que não é para ter cabine desse filme, porque esse filme não me interessa. A gente já brigou muito para ter cabine, só que a gente brigava para ter cabine de filmes importantes, digamos assim. E dá um branco toda vez que tenho de pensar em um nome. Antigamente, esse filme importante entrava batido, não tinha cabine e ninguém fazia nada, produzia nada. Eram esses filmes que nós estávamos precisando ver, mas hoje o sistema ficou tão profissional, que quase todos os filmes estão com cabine. O que eu acho bom, na verdade. Acho interessante porque, de repente, se eu não tenho tempo de ir, vai o estagiário. O estagiário vai lá, vê o filme e a coisa funciona de uma forma bem profissional. Enfim, a rotina básica é composta de uma dieta de 5 a 7 filmes por semana, a maioria deles em cinema, em cabines ou em sessões normais. Ás vezes um ou outro DVD e VHS que também mandam. Tem a questão de você também acompanhar o que está acontecendo na área de cinema. O trabalho não é só relacionado a crítica de cinema em si, embora meu trabalho ultimamente tenha sido muito mais nesse aspecto – mais para a crítica do que para a reportagem. Eu tenho feito algumas entrevistas e muita cobertura de festival – essa, uma área que eu investi muito, desde que eu entrei no jornal. Uma área que não era muito desenvolvida no Recife.

RA - É justamente aquilo que tu falasse sobre os filmes que chegavam sem a imprensa assistir – meio que uma propaganda gratuita. Nos festivais tinha-se só as impressões dos outros. Não havia a própria impressão do jornalista enviado.

KMF – É. E eu queria até saber se isso está sendo discutido na universidade, porque para mim, como alguém que trabalha na mídia, esse é o assunto mais interessante. Hoje a mídia se tornou um monstro fora de controle, onde todas opiniões são iguais, onde todas as informações são iguais. Cito o exemplo do festival de Berlim ano passado, que eu não fui aliás e justamente por não ter ido, entrei na internet para ver alguma coisa sobre o festival. Para ter uma idéia do que eu estava acontecendo. Li um texto de um enviado especial da Folha de São Paulo sobre a noite anterior do festival, em seguida li o texto da FP – uma agência de notícias internacional – e, por último, li um texto de um site americano. Todos os textos, tirando a ordem dos parágrafos, as palavras e o idioma, eram absolutamente idênticos. É como se você tivesse mandado uma sonda pra Berlim, instalado ela dentro do cinema e essa sonda, com um programa especial de escrever matéria jornalística, tenha escrito a mesma coisa que foi distribuído para todos. Eu acho muito interessante, porque, cada vez mais, a mídia celebra o não-pessoal. Está claro que o pessoal está sendo rechaçado, sendo expulso cada vez mais. Existe uma mídia onde tudo é uniformizado, onde as opiniões... aliás, onde nem opinião tem, na verdade. Eu estava falando com uma menina muito legal da Folha de São Paulo, que estava no Festival de Brasília e aí ela me explicou que a orientação do trabalho dela em Brasília é absolutamente nenhuma opinião. Apenas dizer o que aconteceu. Ou seja, como você vai para um festival onde são exibidos 3 ou 4 filmes por noite e não pode dar nenhuma idéia, nenhuma opinião pessoal de como aquele material funciona? Do que aquele material é e do que ele não é. Eu sei o que aconteceu na noite passada, porque tava na programação. O resto é dizer se tinham 1200 ou tinham 700 pessoas. Então, estou, cada vez mais, investindo num estilo bem pessoal e que a pessoa entenda que eu estava lá e que eu tenho uma opinião sobre aquilo que eu vi.

RA - Como é o processo de produção da crítica em si?

KMF – No início era um parto. Cada texto era uma coisa de mais ou menos cinco horas. Mas hoje não; hoje estou mais rápido e eu acho que é uma questão de prática. Acho também que tem ligação com a forma do filme conversar com você. Tem filmes que levam um tempo para acontecer dentro da sua cabeça, o que é muito perigoso porque o jornal preza pela velocidade. Um exemplo do ano passado: teve uma cabine de ’21 gramas’, 1 da tarde da quinta-feira. A matéria teria de sair na sexta e a edição fechava as 4:30, o filme tem cerca de duas horas e vinte. Eu vi o filme, aquele filme meio fragmentado, meio pesado e saí do cinema meio “não sei, acho que não gostei desse filme, mas não tenho certeza”. Eu escrevi uma crítica meio em cima do muro, que é a pior coisa que você pode fazer e quando era dez da noite eu “putz não gostei desse filme mesmo”. Eu entendi que não tinha gostado do filme. Então é uma coisa, às vezes, complicada. Mas têm outros como ‘O grito’, que é aquilo de sempre. É interessante ou não, é ruim ou é bom mas você já sabe o que é. Fica mais fácil de escrever.

Dentro desse trabalho, uma coisa muito importante é você tentar passar para as pessoas, o amor que você tem pelo filme ou pelos filmes. Ou tentar mostrar para as pessoas que esse filme é relevante para elas, que esse filme vai trazer alguma coisa importante para elas. Eu acho que o papel da critica é o de mostrar uma certa possibilidade de ver um filme e de você mostrar algo, que talvez você não se daria conta. Então, um trabalho bem interessante é o de você indicar filmes, que, muitas vezes, não seriam vistos e fazer um trabalho de quase seleção: apontar “dê uma olhada nisso aqui, que isso aqui é muito bom”.

RA - Coisa que o Cinema da Fundação faz.

KMF - A fundação faz isso e eu fico feliz de ter um trabalho também relacionado com programação, porque é muito fácil encher uma sala com Senhor dos Anéis – não julgando a qualidade ou não do filme – mas ele vem embalado numa estrutura gigantesca que você, de repente, vai ver um filme sem nem saber porque foi. Quando você vê já está lá diante da tela. Se você lê uma crítica que lhe convença, que faz você dizer “onde está passando esse filme interessante? Lula Cardoso Aires lá em Piedade? eu acho que vou ver esse filme” é isso que eu acho importante. Entender que aquele filme é importante, você nunca ouviu falar desse filme mas sabe ou desconfia, que ele vai ter uma coisa para te falar ou vai trazer alguma coisa para você. E no caso de Senhor dos Anéis, é preciso entender o porque daquilo ser tão bem sucedido. Porque é tão bem sucedido? Porque ele usa parábolas cristãs ou porque ele mexe com imagens que talvez sejam religiosas ou porque ele tem muito dinheiro? Tudo isso também é interessante de analisar. Nada você desperdiça. De fato, eu me pergunto o que eu tenho para acrescentar, escrevendo sobre o novo Harry Potter, por exemplo. O que eu tenho para acrescentar? Eu deveria estar escrevendo isso aqui? Essa crítica está saindo em 8.000 jornais, hoje, no mundo inteiro. Não vai fazer diferença nenhuma. As pessoas vão ver o filme do mesmo jeito. E, às vezes, eu não tenho nada pra falar sobre um determinado filme. Faz parte do trabalho. Talvez saia algo diferente, mas é provável que saiam 8.000 textos bem parecidos de pessoas diferentes no mundo inteiro, porque não tem muito o que falar desse filme. Bate um desânimo, mas, de qualquer maneira, faz parte do trabalho e eu vou tentar escrever da melhor forma possível.

RA – Você falou que queria fazer escola de cinema, ser cineasta e não crítico.

KMF - Ah não. Crítico dá dinheiro (irônico). Para o crítico ‘pagam alguma coisa’ e cinema ninguém recebe mensalmente por ser cineasta. Mas como eu adoro escrever e adoro cinema era natural ser crítico de cinema. Faz mais lógica do que trabalhar no Itaú e ser cineasta. Mas eu sempre pensei em fazer filme mesmo. E hoje eu estou particularmente feliz, estou passando por uma fase feliz, digamos assim, onde ao mesmo tempo estou sendo crítico e produzindo minhas coisas.

RA – Você trabalha em três âmbitos do cinema: fazendo filmes, programando filmes e escrevendo sobre eles. Como se dá a relação desses meios na tua experiência pessoal?

KMF - É totalmente cinema e eu gosto disso. Acho bem interessante. É uma coisa que, às vezes, se torna um pouco complicada, porque esses meios estão entranhados um com o outro. Alguém pode questionar “como é que ele escreve sobre um filme que está passando na fundação, que ele próprio programou?”. É uma pergunta bem difícil, mas pode-se dizer que não é um cinema comercial. Nós temos uma programação muito especial, são filmes especiais. De fato, os filmes que passam em 6 anos de exibição com 3 ou 4 exceções - o que é pouco em 500 ou 600 filmes - eram filmes que ou eu não gostava ou o que o Luís não gostava. E eu escrevi criticas negativas, o que resultou ser chamado pela diretora para perguntar o porque daquilo. Eu simplesmente disse que não tinha gostado do filme. As pessoas vêm aqui no cinema e concordam ou não com aquilo que eu escrevi. Eu tenho exemplos de pessoas que concordam e que de fato vieram porque leram no jornal. Talvez isso seja questionável.

RA - Deve ser ótima a sensação de alguém chegar para conversar com você, sobre o texto que você escreveu.

KMF - É muito bom, muito bom mesmo. As pessoas batem nessa porta ou me pegam na entrada do cinema. Dava pra fazer um filme, nesse cinema, porque tem tantos tipos engraçados, inusitados que costumam freqüenta-lo.

RA - E você como cineasta. Como é a sua relação com a crítica?

Agora eu estou com um filme, que passou por uma prova de fogo em Brasília e ganhou justamente o prêmio da critica. O que eu achei bizarro, mas eu estava consciente de que eu podia abrir o jornal no outro dia e lê alguém destruindo meu filme. Você como cineasta pode ler quatro tipos de criticas dividas em dois grupos: as positivas e as negativas. A crítica pode ser totalmente positiva e você achar a critica uma merda – esse cara é um idiota, não entendeu nada do meu filme e deus sabe porque ele gostou. Tem a outra critica positiva que é a do cara que entendeu tudo e escreveu uma critica maravilhosa pro filme e a mesma coisa pra critica negativa. Ou você pensa esse cara não tem nada na cabeça ou você lê e vê q ele está certo ou que tem um ponto de vista interessante. Um idiota que escreve mal sobre seu filme ou o inteligente e sensível que escreve mal sobre seu filme, podem lhe prejudicar, sua carreira, seu filme. Pode ser um problema para você. Imagine um rapaz, que produz um filme pequeno e o filme não tem verba de divulgação e depende mais das críticas e tal aí tem críticas bem negativas que basicamente dizem para as pessoas que ‘fiquem em casa e não assistam a esse filme’, que aliás é uma frase que eu nunca usei nem nunca vou usar. Eu fico constrangido quando alguém chega pra você e diz “ainda bem que eu li antes de ver o filme porque eu economizei R$ 14 reais” e eu “não, você tem que ver o filme, aquilo é só uma opinião minha, eu não sou guia de consumo, não sou consultor de onde você colocará seu dinheiro eu escrevi aquilo mas você tem que vê o filme...”

RA - Tomar a crítica como a verdade e não com uma opinião

KMF - Ao menos aqui em Recife não tem uma coisa que tem no Rio que é muito séria. No Rio de Janeiro tem um bonequinho (e isso é sério porque as pessoas não lêem a crítica que já é pequena), as pessoas olham para o bonequinho e se ele está batendo palmas ou sentado normalmente ou dormindo, elas decidem que filme vão assistir a partir disso.

RA - Como as estrelinhas

KMF – As estrelinhas já são do mal, mas o bonequinho é um sistema muito cruel, tem um gráfico muito bem feito, que chama muita atenção. Eu já vi gente no Rio olhando as 12 salas do mutiplex, decidindo pelo que o bonequinho apontava. Isso é terrível porque eu sei que o cinema fala para cada um, embora eu fique horrorizado com alguns comentários que os leitores deixam no JC online. Comentários sobre os filmes. Tipo ‘Dança Comigo’ que eu acho que foi a pior coisa que eu vi ano passado com Richard Gere e Jennifer Lopes. Tinham vários comentários do tipo “o filme é lindo”, “é maravilhoso”, “fui com a minha gata e foi massa” ou “Jennifer Lopez é uma g-a-t-a”

RA – (Risos)

KMF – (Risos) ‘Fiquem em casa e não assistam a esse filme’ – ainda assim, essa é uma frase que eu nunca usei, nem nunca vou usar.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

11

Estou vivendo as N possibilidades do nada.

domingo, 12 de agosto de 2007

10

Carol é assim: nas segundas, quartas e sextas ela inventa um novo orkut para deletá-los nas terças, quintas e sábados. E faz da criação ou destruição, atos convictos.

Mas não se enganem com tão pouco, pois Carol, na verdade, é como uma ressaca de domingo: olhos profundos diante de um dia indecifrável.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

sexta-feira, 6 de julho de 2007

08

Um turbilhão de lembranças na procura de uma última imagem e, enquanto isso, eu trancado no quarto, minha irmã no hospital, meu irmão na funerária, minha mãe ao telefone. Nunca escutei minhas sobrinhas chorarem tão baixo.


sábado, 30 de junho de 2007

07

As palavras antes das imagens e o silêncio antes das palavras.
Tudo misturado num embrulho clandestino.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

A Televisão não levada a sério

De todos os meios de comunicação de massa, a televisão é o que menos consigo levar realmente a sério, afinal sempre a associo com a banalidade ou com o entretenimento barato. Seja no momento de se produzir para o meio em si, seja no momento de se interligar a ele. Toda a constituição qualitativa do sistema soa rasteira, descomprometida e vulgar. São poucos os programas relevantes e poucas as pessoas realmente preocupadas com isso. Os dias se seguem, o foco não muda e o ibope permanece o mesmo. Uma sonolência até constrangedora. Tanto por quem produz, como por quem consome. O aparelho de TV pode ficar ligado horas e horas, mas certamente são poucas, as pessoas que prestam atenção no que acontece diante delas. O meio promove uma espécie de olhar desatencioso, dormente, cansado. Para não dizer pouco crítico, senão indiferente. Também são raras as pessoas que param exclusivamente para se dedicar ao ato de ver TV. Assistem enquanto comem, enquanto conversam, enquanto arrumam a casa, enquanto cortam a unha, qualquer coisa. A partir disso é que me pergunto se esses telespectadores chegam a perceber qualquer diferença entre os recursos estilísticos, usados por parte dos programas. Seja uma transmissão direta, uma entrevista em estúdio ou uma reportagem gravada. Também me pergunto se essa variedade de recursos possui, pragmática e inconscientemente, alguma conseqüência sobre esses mesmos telespectadores. Seja num programa de auditório, num telejornal ou num humorístico. Pensando assim, fica fácil questionar os critérios usados por qualquer estudo semiótico, onde causas e efeitos são interligados, dentro de uma lógica quase aleatória de tão particular. Cansei de todo esse discurso (pseudo)científico barato, genérico e redutor, que não leva em conta nem metade dos mil aspectos que cercam, em todas as instâncias, cada observador dos bilhões de observadores possíveis. Semiótica sequer me parece uma ciência (apesar de se afirmar enquanto tal), mas um ponto de vista – de cima para baixo. Definitivamente acho muito difícil afirmar que uma transmissão direta provoca essa ou aquela reação para quem assiste um telejornal. A maioria não está nem prestando atenção. Tudo soa automatizado.

A imagem em movimento, de fato, seduz invariavelmente os olhares – na sala, num bar, num ônibus. A televisão, entretanto, não consegue tratar a informação sem torná-la material reciclável. As idéias gerais ficam e os detalhes são sucedidos por novos detalhes em poucos segundos. O meio não consegue criar uma situação própria, afinal está presente numa realidade extremamente difusa. Não prende, apenas entretém, faz passar o tempo. O jornal impresso, por sua vez, se utiliza da leitura como um ato de isolamento, assim como o cinema que cria um clima propício para aquelas cem pessoas, numa sala escura. Esses meios possuem uma maneira de colocar o espectador, num universo paralelo, particular. A televisão não. E por mais que os aparelhos fiquem ligados o dia inteiro dentro de uma casa – e em muitas realmente ficam, o ar difuso continua o mesmo. Assistem enquanto comem, enquanto conversam, enquanto arrumam a casa, enquanto cortam a unha, qualquer coisa. Além disso, poucos se preocupam de fato com a temporalidade do que se passa; muitos sequer sabem quando um repórter está falando ao vivo ou não. Nem se interessam. Falo isso do mundo real, das pessoas reais e consequentemente da vasta maioria consumidora. Porque nós, que somos especificamente de comunicação, possuímos outro olhar – até viciado por um lado. De fato a televisão toma uma nova representatividade. Estamos sempre acostumados a analisar e analisar causas, conseqüências, efeitos, estruturas cognitivas, signos e signos e signos tudo relacionado com os meios de comunicação. Os semióticos, em especial. Mas às vezes esquecemos que, querendo ou não, essa é uma discussão muito restrita, muito acadêmica. Apenas nós damos importância a ela. A maioria nem nota. Sequer vivencia esse ou aquele efeito que um semiótico afirma sentirmos todos a partir de determinada causa. E eu sempre me pergunto se não há um pouco de esquizofrenia nisso tudo.

Não esqueçamos as idiossincrasias.

domingo, 24 de junho de 2007

Eventos - Cinema

01
PALESTRAS SOBRE DOCUMENTÁRIO (RECIFE - PE)
(Divulgação + edição)

Para refletir sobre a natureza e a extensão do campo documental, a Pós-Graduação em Estudos Cinematográficos da Universidade Católica de Pernambuco, em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco e o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE promovem palestras nos próximos dias 02 e 03 de julho com o professor Dr. Fernão Pessoa Ramos, do Departamento de Cinema da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e o francês Michel Marie, professor Dr. do Departamento de Cinema e Audiovisual da Universidade Sorbonne Nouvelle (Paris III).

O foco das palestras pode ser resumido dentro da questão: o que é documentário? A pergunta parece anacrônica no contexto do hibridismo de gêneros e linguagens que marca o audiovisual contemporâneo. Talvez, por isso, o tema esteja sendo tão requisitado dentro dos interesses de diversos pesquisadores, aumentando assim, desde os anos 90, em todo o mundo, o número de estudos e publicações nessa área. Mesmo no Brasil, onde até pouco tempo a única obra de referência era o clássico Cineastas e imagens do povo, de Jean-Claude Bernardet, perto de uma dezena de livros sobre documentário já foram publicados desde 2004.

Fernão Ramos fará palestra sobre o tema “O que é documentário? O caso do Direto brasileiro”, no dia 02 de julho (segunda-feira), a partir das 19h, no Cinema da Fundação (Fundaj - Rua Henrique Dias, 609, Derby). Um dos pensadores mais importantes do cinema no Brasil, tendo vários textos publicados a respeito do assunto, Ramos irá abordar como o documentário vem sendo estudado hoje e o impacto dos cinemas diretos no documentarismo brasileiro. Depois da palestra, o professor lança no Recife os dois volumes do livro organizado por ele, Teoria Contemporânea do Cinema (Senac, 2005), com textos de alguns dos mais importantes teóricos da área traduzidos pela primeira vez em português. O Volume II tem um capítulo dedicado exclusivamente ao documentário com artigos, entre outros, de Bill Nichols, Noël Carroll, Vivian Sobchack, e o próprio Fernão Ramos.

Michel Marie, um dos principais teóricos da história e da estética do cinema mundial, irá abordar as relações entre “Cinema Direto e Nouvelle Vague” – movimento cinematográfico ao qual se vincula como um dos maiores especialistas, no dia 03 de julho (terça-feira), a partir das 19h, na sala Aloísio Magalhães (Fundaj - Rua Henrique Dias, 609, Derby). Para Michel Marie, o cinema documentário de Jean Rouch, etnólogo francês que se tornou cineasta defendendo, entre outras coisas, a diluição das fronteiras entre ficção e realidade, acabou por influenciar de maneira decisiva a modernidade cinematográfica de autores como Jean-Luc Godard, Eric Rhomer, Jacques Rivette, Alain Resnais, e outros, cujos filmes visam certa aspiração documentais.

As palestras são gratuitas e abertas ao público, mas as vagas são limitadas. Para participar é preciso se inscrever pelos e-mails: daniel.medeiros@fundaj.gov.br ou claudiobezerra05@gmail.com

Mais Informações ou pelo telefone (e fax): (0xx81) 21268960

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02
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE CINEMA E AUDIOVISUAL + II ENCONTRO DE PRODUTORES E DISTRIBUIDORES (SALVADOR - BA)
(Divulgação + Edição)

Entre os dias 9 e 14 de julho, acontecerá o III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, no Teatro Castro Alves (Praça Dois de Julho, s/n - Campo Grande), com a presença de diretores e acadêmicos de diversos países.

Na oportunidade, serão realizadas mesas redondas e debates, com as participações já confirmadas de Massimo Canevacci (Univeristà La Sapieneza, Roma), Michel Marie (Sorbonne, Paris III), Daniel Diaz Torres (Escola Internacional de Cinema e TV de San Antonio de los Baños, Cuba), Afrânio Cattani (USP), Olgária Mattos (USP), Ivana Bentes (URFJ), Maria Teresa Ventura (URFJ), Mimmo Calopresti (cineasta), Fernando Trueba (cineasta) e Tariq Ali (escritor). Também serão projetados filmes inéditos na Bahia, entre eles “Juventude em Marcha” (Pedro Costa ), “Volevo solo vivere”, (Mimmo Calopresti), “Baixio das Bestas” (Cláudio Assis) “Joy soy la Juani” (Bigas Luna), “Santiago” (João Moreira Sales) e “A scanner darkly” (Richard Linklater).

As inscrições podem ser feitas aqui e custam R$ 20,00 inteira e R$ 10,00 meia. Para quem solicitar a meia, será necessário apresentar documentação que comprove a situação do requerente, como estudante. A TV Seminário vai transmitir em tempo real mesas redondas, debates, entrevistas e comentários com tradução simultânea através do site.


PROGRAMAÇÃO
:: 09 de Julho - Segunda-Feira ::
09h00 Abertura
09h30 Palestras - Mesa I - A Narrativa: de Griffth a Godard
13h00 Atividades no Foyer –
15h00 Palestras - Mesa II - Poética, Estética e Política do Filme
18h30 Atividades no Foyer - Sessão de autógrafos -“Por que se mete, porra?” Paulo César Peréio
20h30 Exibição de Filme - Curta "Paralelos" | Longa "La niña de tus ojos [+]"


:: 10 de Julho - Terça-Feira ::
09h30 Palestras - Mesa III - Cinema Político Contemporâneo
13h00 Atividades no Foyer
15h00 Palestras - Mesa IV - Políticas Públicas para o audiovisual na Bahia
18h30 Atividades no Foyer - Sessão de autógrafos - “Enciclopédia Latinoamericana” de Afrânio Catani
20h30 Exibição de Filme - Curta "Vida Maria" | Longa " “Volevo solo vivere [+]"


:: 11 de Julho - Quarta-Feira ::
09h30 Palestras - Mesa V - Perspectivas do cinema da Bahia
13h00 Atividades no Foyer
15h00 Palestras - Mesa VI - Convergência de Mídias digitais
18h30 Atividades no Foyer - Sessão de autógrafos - "Um Gosto de Eternidade" - Orlando Senna
20h30 Exibição de Filme - Curta “E aí, irmão?” | Longa “A scanner darkly [+]


:: 12 de Julho - Quinta-Feira ::
18h30 Atividades no Foyer
20h30 Exibição de Filme - Curta “Yansã” | Longa “Baixio das bestas [+]


:: 13 de Julho - Sexta-Feira ::
18h30 Atividades no Foyer
20h30 Exibição de Filme - Curta “O espeto" | Longa “Yo soy la Juani [+]

:: 14 de Julho - Sábado ::
15h00 Atividades no Foyer
17h00Exibição de Filme - “Juventude em marcha [+]
21h00 Exibição de Filme - Curta “A cidade e o poeta” | Longa “Noel – Poeta da vila [+]

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O II Encontro de Produtores e Distribuidores acontecerá nos dias 12 e 13 de julho, no Hotel da Bahia (Avenida Sete de Setembro, 1537 - Campo Grande - Salvador), durante o III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual. O evento vai reunir em torno de projetos cinematográficos mais de 50 empresas de 7 países: Argentina, Brasil, Espanha, França, Itália, México e Portugal. Os participantes apresentarão projetos de filmes, obras em fase de finalização ou já finalizadas a produtores e distribuidores, criando assim um ambiente de contato abrangente e diversificado em prol do surgimento de novos negócios audiovisuais.

Presenças confirmadas: Primer Plano Film Group, (Argentina); Alfa Filmes, (Argentina); Europa Filmes, (São Paulo); Pandora Filmes, (São Paulo); Dezenove Sons e Imagens, (São Paulo); Raiz Produções, (São Paulo); Lagoa Cultural e Esportiva (Rio de Janeiro); Filmes do Estação (Rio de Janeiro); Parabólica Brasil, (Pernambuco); Casa de Cinema, (Bahia); Truq, (Bahia); Doc Doma, (Bahia); Araça Azul, (Bahia); Aquelarre Servicios Cinematográficos, (Espanha); Zebra Producciones, (Espanha); In Vitro, (Espanha); Gaumont, (França); TF1 International, (França); Sintra Film, (Itália); Filmexport Group, (Itália); BIM, (Itália); Altavista Films, (México); Alphaville Cinema, (México); Alameda Films, (México).

O evento vai dispor de estrutura que abrange tradução simultânea, e espaços para que produtores e distribuidores convidados façam contatos, apresentem projetos e exponham seus filmes, trailers e portfólios em equipamentos de exibição em vídeo e em terminais conectados à internet. Uma equipe de apoio estará à disposição para assessorar o evento.


PROGRAMAÇÃO
:: 12 de julho - Quinta-feira ::
09h00 – Abertura - Walter Lima - III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual
Apoio à exportação de filmes - André Sturm - Programa Cinema do Brasil
09h30 – 1ª Rodada de apresentação de Distribuidores
10h45 – Coffee break
11h15 – 2ª Rodada de apresentação de Distribuidores
12h30 – Almoço
14h30 – 1ª Rodada de apresentação de Produtores
16h00 – Coffee break
16h30 – 2ª Rodada de apresentação de Produtores

:: 13 de julho - Sexta-feira ::
10h30 – Infra-estrutura de produção - Edina Fujii - Quanta
Distribuição e exibição digital - Cacá Carvalho - Rain Network
10h45 – Coffee break
11h00 – Rodadas de negócios
12h30 – Almoço
14h30 – Rodadas de negócios
16h00 – Coffee break
16h30 – Rodadas de negócios

Mais informações ou pelo telefone: (0xx71) 3283-7020

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03
SEMINÁRIO INTERNACIONAL EM ECONOMIA DA CULTURA (RECIFE – PE)
(Divulgação + edição)

A Diretoria de Cultura da Fundação Joaquim Nabuco realizará o Seminário Internacional em Economia da Cultura no período de 16 a 20 de julho de 2007, na sala Calouste Gulbenkian da Fundaj/Casa Forte (Av. 17 de Agosto, 2187 - Casa Forte - 52061-540 - Recife - PE). Numa parceria da Fundação Joaquim Nabuco com Unesco, Ministério da Cultura do Brasil, Instituto Itaú Cultural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural de Pernambuco.

Com quatro mesas compostas por parceiros nacionais e três conferências internacionais planejadas, o seminário discutirá alguns dos temas que envolvem a cultura como elemento estratégico e de desenvolvimento nas esferas governamental, privada e acadêmica no Brasil e no exterior. Este evento será a etapa inicial de uma série de ações da Fundação Joaquim Nabuco neste campo, sendo seguido posteriormente pelo Curso de Pós Graduação em Economia da Cultura, no mês de agosto deste ano, em parceria com a UFRGS.

As inscrições para o seminário podem ser feitas através do e-mail roseanacarrico@gmail.com e pelo telefone 81 30736753 (Ficha de inscrição aqui).

PROGRAMAÇÃO
:: Segunda-feira – 16/07 ::
19h30 - Abertura Oficial - Palestra: A CONVENÇÃO PARA A PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS DA UNESCO – DESAFIOS E PERSPECTIVAS – Jurema Machado – UNESCO


:: Terça-Feira – 17/07 ::
14h30 – Mesa I – O Poder Público e a Economia da Cultura: A Cultura como propulsora do desenvolvimento nas Políticas Públicas.

Palestras:
+ O consumo cultural das famílias brasileiras – Frederico Silva, IPEA

+ Sugestões para acelerar o cultivo e a difusão da economia da cultura - José Carlos Durand, Grupo Focus

+ Sete teses (equivocadas ou não) sobre o estado e a cultura brasileira – Carlos Alberto Dória, Boucinhas e Campos Auditoria.

Coordenadora da Mesa: Luciana Azevedo, Presidente da FUNDARPE

17h30 – Apresentação do Programa Rumos do Itaú Cultural

18h – Intervalo

19h – Conferência Internacional - O MODELO FRANCÊS DE FINANCIAMENTO DA CULTURA /Jean Galard, Filósofo, Ensaísta e ex-Diretor Cultural do Museu do Louvre.


:: Quarta-Feira – 18/07 ::
14h30 – Mesa II – A Empresa e a Economia da Cultura: A cultura como negócio, leis de incentivo, patrocínio público e privado, ações institucionais, marketing cultural.

Palestras:
+ O papel das instituições privadas no fomento, promoção e difusão das artes e da cultura no Brasil – Eduardo Saron, Itaú Cultural

+ O que eu ganho com isso? Marketing Cultural; mobilização e desenvolvimento sócio-econômico – Liliana Magalhães, Santander Cultural

18h – Intervalo

19h – Conferência Internacional - O CAPITAL DA CULTURA E SUA INCIDÊNCIA NA ECONOMIA E NO DESENVOLVIMENTO/ Otavio Getino, Coordenador Regional do Observatório Mercosul Audiovisual. Diretor de cinema e televisão. Investigador dos meios de e comunicação e cultura. Consultor de organismos internacionais (UNESCO, PNUD, PNUMA).


:: Quinta-Feira – 19/07 ::
14h30 – Mesa III – O Poder Estratégico da Cultura: a cultura em números.

Palestras:
+ A economia do carnaval no Rio de Janeiro- Luis Carlos Prestes Filho, SDE/RJ

+ A economia do audiovisual- Sergio Sá Leitão, BNDES

+ Sistema de informações e indicadores culturais – Cristina Lins, IBGE

+ A importância da produção de dados e da pesquisa para as políticas públicas de cultura – Isaura Botelho, Cebrap

Coordenadora: Heloisa Buarque de Hollanda, UFRJ

18h – Intervalo

19h – Conferência Internacional - POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DOS BENS E SERVIÇOS CULTURAIS/ Françoise Benhamou, Professora da Universidade de Sorbonne-Centro de Economia.


:: Sexta-Feira – 20/07 ::
14h30 – Mesa IV – A Pesquisa da Economia da Cultura.

Palestras:
+ Encantos e desafios da pesquisa da economia da cultura – uma abordagem caleidoscópica – Ana Carla Fonseca, Instituto Pensarte

+ Sobre os estudos e pesquisas em economia da cultura: a institucionalização do campo – Paulo Miguez, UFRB

+ O incentivo fiscal à cultura no Brasil: uma pesquisa na esfera estadual – Maria Amarante Pastor Baracho, Instituto Plano Cultural e FaPP/UEMG

+ A gestão cultural hoje: entre o público e o privado – Fernando Schuler- Secretaria de Defesa Social do RS

Coordenador da Mesa: Gustavo maia Gomes, UFPE

19h – CONVENÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA DA CULTURA


Mais Informações ou pelo telefone: (0xx81) 3073.6678

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Assis Nachtergaele

(Foto: Rodrigo Almeida - Isso não é um dedo [celular])

Tenho a impressão de ter sido o último dos recifenses, a assistir Baixio das Bestas (Brasil, 2007), de Cláudio Assis, afinal de contas, nas últimas semanas, não se fala de outro filme na cidade, senão esse. Não digo nem de maneira mais ampla, pois não chequei em números reais o público total da produção. Nem me interessa fazer esse tipo de checagem, por enquanto. Refiro-me apenas a algumas conversas na universidade, enquanto tomamos algumas cervejas ou durante o almoço (não que deixemos de tomar algumas cervejas durante o almoço também). Mas desde que estreou, tenho escutado todo o tipo de comentário, sessão após sessão – e só isso já é um fato muito interessante, a ser discutido enquanto produção local: de um lado, alguns que odeiam Cláudio Assis como pessoa e gostaram de seu filme, do outro, alguns que odeiam Cláudio Assis como pessoa e não gostaram de nada. Só há uma unanimidade nisso tudo e como não poderia deixar de ser, também compartilho dela. Basicamente minha opinião freqüenta um pouco cada uma das anteriores, mas não posso negar que depois de tanta discussão, apenas acho Baixio das Bestas um filme menor. Na verdade, imagino que um possível ‘making of’ seria uma produção mais interessante que o original em si – e talvez os risos fossem inevitáveis. O roteiro seria bem simples: acompanhar o impacto na equipe técnica de uma temporada de autodestruição, em Nazaré da Mata, regida por Cláudio Assis e retificada por seu fiel escudeiro, Mateus Nachtergaele, durante as gravações de um filme ‘cru e seminal’ (e que fique bem entre aspas essas palavras). O resultado seria tão carregado quanto a produção original – vide o estado do personagem de Caio Blat - ponto de ligação entre o filme que imagino na cabeça e a obra de fato. Alguém apostaria que essa idéia seria ainda mais carregada – eu apostaria que seria ainda mais carregada, afinal o filme não expõe a violência de maneira a criar uma angústia, cena por cena costurada por uma resolução psico-estético-textual – como acontece, por exemplo, em Funny Games, de Michael Haneke ou Irreversível, de Gaspar Noé, mas apenas busca o choque pelo choque com um leve bafo de cachaça. E apesar dos ditos contrários, sequer consegue atingir esse mero objetivo. Inclusive boa parte dos diálogos, compostos basicamente por palavrões, segue essa mesma linha de pensamento barato. Sobra, por fim, um retrato, quase sem talento, do cotidiano atípico de uma realidade do interior do estado. E pelo menos esse último detalhe – excetuando o valor posto sobre ele – está acima de qualquer julgamento. É uma maneira própria de o diretor trabalhar e tecer uma atmosfera necessária. Por isso escrevo sobre os dois filmes: o imaginado e o de fato. Talvez Nicole Kidman e Björk façam o mesmo ao relatarem a experiência com Lars Von Trier. Os paulistas se chocam e adoram. Nós pernambucanos, no máximo, fingimos nos chocar. E somos ótimos nisso, não duvide.

Pra ser bem sincero, poucos saberiam diferenciar dentro da criação do universo tratado em Baixio das Bestas, o que é estritamente ligado às questões da Zona da Mata pernambucana, o que faz parte do ego rançoso do diretor e o que são ironias aleatórias e veladas. Na verdade, se trata de uma seqüência de ranços que se entrelaçam, a fim de constituírem toda sujeira projetada na tela. Os demônios particulares se tornam maiores que a esfera que deviam estar inseridos. Por sinal, já é a terceira vez que vejo Mateus Nachtergaele interpretar a si mesmo: a primeira, foi justamente no Garagem (e para quem é de fora do Recife, talvez seja necessário explicar, resumidamente, que o Garagem é o único bar que fica aberto na cidade depois das três, quatro da manhã: ou seja, todo tipo de gente, voltando de todo tipo de lugar, termina sua busca naqueles ares). Poderia simplesmente mentir e dizer que Garagem era um curta desconhecido e cult de meados da década de 90, mas dessa vez resolvi não brincar. Mas quem se arriscaria a dizer que eu estava mentindo? Apenas quem estava bebendo cerveja naquela noite e presenciou tudo. Ninguém mais. Enfim, voltando ao ponto, a performance de Mateus na frente do bar, se filmada, renderia como teste de elenco do ator, tanto para sua interpretação de si mesmo em A Concepção, de José Eduardo Belmonte como agora no filme em questão. Pois é: tirou a roupa, mostrou o pinto, sentou no colinho, jogou garrafa nas pessoas, agrediu uma mulher. Tudo. Só faltou dar uma tapinha na bunda de alguém. Se eu soubesse que todo aquele desempenho fazia parte da construção do personagem, teria entendido melhor. A questão é que ninguém o chamou de Everardo (pseudônimo usado pelo ator no filme pernambucano). Gritavam repetidamente: Mateus pára, pára, pára. Não parou. O impacto de Baixio das Bestas é uma farsa. Acho que enquanto concretização de projeto, pela megalomania no qual se estruturou a obra (custou R$ 1,5 milhão), é um grande ato porque, dada a situação de financiamento que vivemos, qualquer concretização dessa grandeza merece meia dúzia de palmas, no mínimo. Mas enquanto cinema, cinema, cinema, cinema, cinema acho que as pessoas começam a se contentar com muito pouco. 1,5 milhão de reais vale mais do que isso. E nem falo pelo dinheiro em si.

Baixio das Bestas é como ver Cláudio Assis nu (ou com a calcinha de Dira Paes) e bêbado (e ainda estou agradecendo o fato do diretor não ter chegado a esse ponto do mal gosto). Se bem que sua aparição já no final da película, quando a jovem Auxiliadora está trabalhando no posto de gasolina, me causou a sensação de que sua cria era uma metáfora de si mesmo. Do clima carregado que permanece em qualquer ambiente diante de sua presença. Acho que Cláudio Assis é um pouco de tudo aquilo. Um pouco da orgia, do estupro, da violência, arrogância, sujeira e até mesmo do cinema. Um pouco de tudo e até mesmo do cinema. Assim como o Mateus Nachtergaele também. E talvez isso soe como um elogio dependendo de quem interprete. A maneira rançosa ao qual se estrutura todas as relações é, a meu ver, fundamentalmente ligada a imagem rançosa que o diretor constrói de si mesmo – para além de qualquer região que escolha como cenário de seus filmes. E não me culpem por esse olhar, afinal, ele tem lá seus fundamentos. Boa parte dessa cidade sabe que sim. Não vamos ser hipócritas justamente agora. E pensando dessa maneira, Baixio das Bestas não é simplesmente gratuito, mas reflexivo. Meio zona da mata, meio diretor perturbado. É extremamente autoral, para falar a verdade, ainda que eu não saiba bem quanta responsabilidade caberia a Cláudio Assis nesse conceito de ‘autoral’. Pouco me importa, por enquanto. Muitas histórias são contadas, rodam a cena e termina sendo melhor não acreditar em nada. E pela primeira vez, não desfiz o vínculo da obra diante de seu criador. Poderia desfazer por um momento e analisar separadamente a fotografia impecável de Walter Carvalho, algumas atuações realmente consistentes, como a simplicidade e o silêncio da Mariah Texeira, e até seqüências inteiras muito bem realizadas: tecnicamente o filme se mantém quase inabalável. Quase. Mas não consegui me desfazer do vínculo e voltar a enlaçá-lo ao final. Preferi ficar no laço original, dado pelo diretor em seu próprio mamilo. Argh. E se tratando dele, nada poderia ser mais previsível.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Cannes

(Foto: Rodrigo Almeida - Finha no topo da pedra)

Entre outros mil aspectos, um dos ensaios da primeira parte da coletânea, que estou escrevendo para o projeto de conclusão de curso, abordaria a possibilidade de uma crítica – e talvez produção textual se encaixe melhor – que não pretenda persuadir ninguém a assistir a um filme e nem eleger estrelas enquanto critério comparativo. Uma crítica preocupada em construir um diálogo profundo – seja com a obra ao qual se refere, seja com o leitor que a procura, seja com o próprio discurso que propõe – crítica que promove um debate e brinca, não que revela curiosidades e meros detalhes em sinopses publicitárias (ou anti-publicitárias). Pensei na possibilidade do escritor – e não sei se deveria usar jornalista nesse caso – assumir um estilo particular ao escrever, seja através de crônicas ou jogo de palavras, pouco importa, mas sempre fugindo dos desvios repressivos, sem se enrolar em inibições literárias ou temores gramaticais. É preciso ser um pouco como Dean Moriarty, de On the Road: um pouco ousado que seja. É preciso se desvencilhar dos caminhos preconcebidos e da falsa liberdade de imprensa: e a ânsia quase desesperada por velocidade na informação, só torna o resultado menos profundo, não outra coisa. É preciso encontrar um anti-formato que nos compreenda e que nos posicione enquanto tal. E apesar de estar me formando no início do próximo ano, ainda não entendo o motivo pelo qual o jornalismo se tornou tão seco e rígido; tão preso a uma linha de pensamento rasteira e estruturas menores – não entendo as notícias objetivas, as manchetes ordinárias, nem as opiniões uniformes. Não entendo. E sinceramente, o tempo de colocar a culpa na lógica do capitalismo já passou. Vamos eleger um novo bode expiatório qualquer dia desses. Há décadas estamos presos ao mesmo. Talvez seja mais interessante comentar, que escritores eram também jornalistas e enquanto jornalistas mostravam o porquê de escritores. Engraçado que atualmente essas profissões parecem bem distantes. Quase opostas. Exceto quando surgem as impensáveis oficinas de criação literária. Nesse caso, a aproximação se torna inevitável: pelo mal de todos.

Mas não é sobre nada disso que pretendia falar. Quando estabeleci essa premissa teórica de liberdade da escrita, algo que me acompanha há bastante tempo, passei a ter um olhar desconfiado em relação a todo o tipo de crítica, fundamentada em estruturas jornalísticas – que particularmente já não me agradavam muito, mas que nem por isso deixava de ler palavra por palavra. É sempre importante ter o domínio sobre as estruturas antes de criticá-las; importante o bastante para poder desconstruí-las, remontá-las e tocar fogo em tudo sem ter de pagar a conta ao final. A Universidade me ajudou muito nesse sentido. Por outro lado, encontrava na internet ou em publicações especiais, matérias dignas de nota, construções livres e autorais que dialogavam diretamente com minhas propostas semi-acadêmicas – e por um momento, penso que deveria chamá-las de qualquer coisa, menos de crítica. Trata-se de espaços, onde a leitura se concretiza enquanto encontro do discurso do leitor com o discurso do autor, produzindo durante esse contato significados mil¹ – e onde todos os rostos estão bem revelados. Alguns desses inclusive, vinculados diretamente a grandes empresas de comunicação. Outros, disfarçados na informalidade. O que me faz pensar que quem assina o texto ainda é, estritamente responsável por ele, independentemente do sítio onde exponha suas idéias. Já passou o tempo de se esconder atrás das linhas editorais ou do anonimato vazio. É preciso assumir o rosto e levar a tapa quando necessário. É importante se desprender de textos idênticos e escritos por qualquer um, a fim de privilegiar os que possuem um caráter e são elaborados pontualmente por alguém. Há também certo reposicionamento do leitor nesse processo. E o mais interessante ainda é encontrar o seu próprio espaço; responder por seu discurso; ser responsável por cada uma das escolhas – do design aos patrocinadores; e estar presente em todos os resultados. Atualmente, a produção textual mais autêntica ainda parte dessa premissa. É mais complicado e menos glamouroso é bem verdade, mas quem se importa com glamour num calor desses?

E agora, talvez consiga finalmente tocar no assunto que pretendia desde o início e de certa maneira, tornar dúbio tudo escrito até então. Basicamente lembrei de um detalhe essa semana: sempre nos últimos anos, durante o Festival de Cannes, acompanhava as matérias de Kleber Mendonça Filho pelo Jornal do Commercio. E agora, por praticidade mesmo, pelo Cinemascópio. E dessa vez, mesmo com toda minha chatice particular, provavelmente vou ler vários de seus textos, até porque ele escreve bem e tem extrema propriedade sobre o que fala. A questão não é essa. Se tivéssemos falando de Schneider poderia até ser, mas não estamos. Particularmente o que Kleber escreve, não preenche os espaços que me interessam – por mais que assuma e deixe clara a sua postura – o que, por outro lado, me interessa. E às vezes, acredito que seus textos possuem bastante influência, enquanto crítico, de programador e produtor de cinema, e por isso trate de tantos aspectos que, no meu entendimento, são irrelevantes. Isso ficou bem marcado na sua entrevista com o Heitor Dhália (de ‘Nina’ e ‘O Cheiro do Ralo’), onde praticamente não falaram do filme em si; nem desenvolveram nenhum debate estético ou narrativo; nada. A conversa girou em torno de influência do cinema pernambucano – e essa foi uma pergunta péssima, futuros projetos e custos de produções até chegar à bilheteria surreal do Homem Aranha. Fiquei particularmente decepcionado, meio como se tivesse comprado aquela revista que lhe oferecem, mas você nega sem pensar duas vezes: desculpa, mas não me interessa. É como se não tivesse negado e por um dia inteiro tivesse de carregá-la para cima e para baixo. Nesses momentos, não há peso pior.

De qualquer forma, a cobertura de Cannes é uma exceção. Fico ansioso em ler suas impressões sobre alguns filmes, como My blueberry Nights, do Wong Kar-wai ou No Country for Old Men, dos Irmãos Cohen. Fico ansioso mesmo. Milhares de outros jornais também estão fazendo a cobertura, mas acompanho pelo Cinemascópio simplesmente por poder prever, ao já conhecer o estilo do crítico, quais e quais impressões me causam alguma reação. E também erro, obviamente, mas não fico preso na total aleatoriedade de crer cegamente no que ele tem a dizer. Ele impõe o discurso dele; eu imponho o meu: tudo se acerta. Nunca iríamos concordar sobre um filme de Alejandro González Iñárritu, por exemplo. O que espero de uma crítica, nesse caso – e é nesse caso, que isso fique bem claro, é um punhado de impressões e algumas poucas curiosidades. E justamente eu, que levantei um pilar da minha coletânea de ensaios para criticar esse tipo de produção textual. Engraçado. Cheguei a conclusão que tenho de ser mais firme no que vou propor e menos rigoroso no que vou criticar. E não por estar fugindo. Não mesmo. Apenas porque existe espaço para todo tipo de escrito sobre cinema e o quão mais diferentes forem os estilos e intenções, mais profícuo se torna o espaço de possibilidades. Cada leitor que escolha o texto de sua preferência para debater, afinal somente ele mesmo é responsável por isso. E espero não ouvir reclamações.


Referência:

1 – Essa idéia parte um pouco postulações propostas por Stuart Hall in STAM, Robert. Introdução à Teoria do Cinema – Cap. 30 ‘A Ascensão dos Estudos Culturais’ – Campinas, SP: Papirus, 2003.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Bonitinha, mas ordinária!


Para quem costuma ir sozinho ao cinema, a ausência de uma opinião alheia na saída do filme, não provoca, necessariamente, o esvaziamento de um possível debate teórico, mas um diálogo interior entre seus próprios demônios. Um diálogo silencioso e brando. E não é preciso muito até que se encontre alguma forma banal de exteriorização: uma conversa de bar; uma crítica num jornal; um poema num blog. De antemão é uma experiência extremamente interessante, pois é possível identificar nas linhas de construção do discurso, elementos da sua própria personalidade. Passamos a analisar não apenas o filme em si, mas a maneira como nos portamos diante dele, como tais e tais elementos estéticos reverberam em sensações – e muito do que sentimos diante de uma obra de arte, diz respeito a quem nós somos e ao momento em que vivemos. É importante saber identificar isso. Entretanto, todos esses devaneios particulares, que juntos vem a formar a opinião pessoal, são frutos de uma única fonte, de uma única origem – ainda que se provoquem, contradigam-se, sigam em caminhos opostos. Todos eles se formam num mesmo ponto, num mesmo corpo; são crias de um único ‘olhar’. Dessa maneira, para fugir um pouco dos próprios demônios, é preciso estabelecer um verdadeiro debate fecundo, com vozes diversas, formações estruturadas na alteridade, olhares pessoais que expandam a percepção do espectador – as idéias se multiplicam, os detalhes se revelam. E ao final da sessão de Carta de Uma Desconhecida (EUA, 1948), de Max Ophuls, tive plena certeza sobre isso. Particularmente havia detestado o filme: apesar da beleza estética e de algumas construções formais, não passava de um melodrama ordinário, excessivamente piegas, excessivamente clássico, excessivamente didático. Nem o apelo Wertheriano me convenceria. Ao final do rápido debate que se seguiu à projeção, onde foram expostos diferentes pontos de vista sobre o filme, já havia transformado um pouco a minha opinião. Mas foram necessários dois dias para que outra conotação tomasse minha cabeça. E se os devaneios demoram a se tornar uma opinião firme – mas nunca imutável – a crítica também precisa de um tempo próprio, para se estabelecer enquanto tal. Um tempo para pensar e repensar sobre tudo. Inclusive sobre ela mesma.

A primeira impressão pode não permanecer intacta, mas também não desaparece sem deixar resquícios. Por mais que o filme tivesse uma inegável qualidade técnica, bem marcada tanto na bela fotografia em preto e branco, como na movimentação sutil da câmera, não conseguia me desvincular do excesso de classicismo em todos os elementos – inclusive nos dois aqui já pontuados. Além disso, a narrativa em si não me convenceu, havia melodrama demais, romantismo demais, Hollywood demais. O didatismo narrativo presente através de certas recorrências chegava a me irritar. E apesar de ter consciência de que Carta de uma Desconhecida é vinculado estritamente ao olhar, ao desejo e ao amor platônico de Lisa, não dei maior importância ao fato. Um erro que mudaria toda minha visão após o debate. Quando essa questão foi levantada, refleti que esse era o ponto mais importante do filme, pois o tangenciava do início ao fim – e definia a maneira como a obra fora concebida. E a partir do momento que posicionei, dentro de minha opinião, esse elemento enquanto questão central, pude perceber como todas minhas críticas negativas perdiam espaço, para um coerência crescente. Aquela obra era boba, romântica, clássica, idiota e bela porque eram reflexos da própria personagem boba, romântica, idiota e bela. O filme não é uma história de amor qualquer, é a história pontual do amor de Lisa para com um pianista promissor, Stefan, que sequer sabe de sua existência. Amor focado, ilimitado, mas não recíproco. O músico não possui amor algum. Apenas dispersões para todos os lados. Se o filme fosse visto a partir de sua visão, provavelmente seria mais ousado e a mulher talvez nem tivesse espaço. Talvez fosse melhor. Ou talvez não, afinal a grande sacada é direcionar a estética do filme a partir da visão de um personagem. E pouco importa o personagem. Do momento que terminou a projeção ao momento em que escrevo esse texto, a mesma obra transitou por pólos opostos dentro do meu juízo de valor - quase como se fossem duas obras diferentes. Isso me lembra uma outra história, ocorrida quando fui assistir Kill Bill – Volume I, de Quentin Tarantino com o meu melhor amigo. Ao final do filme, saímos extasiados, tínhamos adorado. Fomos comer. Conversamos durante pouco mais de uma hora e ainda que tenhamos, os dois, gostado bastante do filme, passamos a expor diferentes razões para justificar isso. E à medida que expunha minhas razões, ele passava a gostar menos do filme e quando ele expunha as dele, o mesmo acontecia comigo. Chegamos a conclusão que tínhamos presenciado películas diferentes e ponto. Resolvemos parar de discutir e continuar a gostar do filme. Cada um a sua maneira.

sábado, 12 de maio de 2007

Merda!

(Foto: Rodrigo Almeida - Rodrigo diante do espelho [celular])

O cinema já nos deu de tudo. De galáxias exóticas a corredores desinteressantes, todo tipo de universo já foi construído. Alguns até repetidamente sem cansaço. Outros, raros, carregados de unicidade. Mas de qualquer maneira, a criação e o desenvolvimento de uma diegese particular por parte de um cineasta (e de qualquer artista), é um processo interessante, especialmente quando consegue estabelecer o contrato de credibilidade: agora siga a linha desse pensamento e volte apenas quando a obra terminar. Talvez alguns indaguem – e com certa razão – que qualquer filme é, necessariamente, a criação de um universo particular. Mas não acredito que a minha frase anterior esteja carregada de uma redundância qualquer. Enquanto pressuposto faz sentido, mas na realização propriamente dita, quão mais elementos entrem na lógica, por mais nonsense que ela pareça, do universo proposto, mais complexamente vai funcionar a formação diegética. E mais propenso ao contrato vai estar o espectador. Não é fácil convidar um total estranho a se entregar a uma realidade esquisita, sem que em poucos minutos ele esteja questionando a fonte do fantástico e estrague tudo. E justamente a partir dessa perspectiva, que resolvi escrever sobre O Cheiro do Ralo (Brasil, 2007), de Heitor Dhália. O diretor propôs o contrato e eu o assinei sem delongas. É impressionante como todos os elementos, da música aos objetos, dos diálogos aos personagens, da edição ao figurino convergem numa mesma direção, de tal maneira que o universo sugerido se torna extremamente firme, com uma estética extremamente concisa, própria, coerente; ainda que tudo seja esdrúxulo, esdrúxulo ao limite. Fica uma sensação de sincronia criativa e bizarra extremamente confortável.

Particularmente tenho interesse nos universos, que tomam a realidade cotidiana para si e iniciam um processo de deformação sutil, até alcançar um estágio surrealista ou esquizofrênico. Ou os dois simultaneamente se alguém conseguir chegar a um conceito que bem os diferencie. É como numa foto tremida, pois, apesar de ainda existirem referências ao que foi fotografado, não há dúvida que esse referencial se tornou outra coisa, por conta das deformações presentes. Peixe Grande, de Tim Burton é um bom exemplo disso – funciona até mesmo como metáfora dessa questão. Particularmente gosto quando um cineasta propõe, desenvolve e assume um universo em um filme. Um universo seu; criado por si; envolto nas mais diferentes inspirações suas – ainda que adaptação de uma obra outra. Não há aquele temor de segurar um discurso quebrado sobre verdade. Acredito que é justamente nessa deformação que reside o valor artístico de uma obra; que é nessa diferença entre o que se torna objeto e o que era sujeito, nessa maneira de brincar com o olhar de quem vê e de quem faz, que o aparato técnico passa pelo filtro humano. E esse tipo de coisa, me lembra a primeira sensação que eu tive ao ter contato com quadrinhos, ainda guri. Dessas histórias, as que eu mais me interessava (porque obviamente nem todos seguem essa lógica) estavam estritamente ligadas a uma realidade que nos pertence cotidianamente, ao mesmo tempo em que, constrói um segmento fantástico que desvincula totalmente de qualquer dia-a-dia. Um ponto que se aproxima e se afasta, até se tornar sem distância. Essa ambivalência me fascina. Não à toa Peter Parker era um dos meus amigos imaginários mais freqüentes. E se em Nina, já havia uma passagem clara de um estágio de normalidade habitual a insanidade extrema, O Cheiro do Ralo, consegue consolidar esse percurso ainda com menos deslizes. Na verdade, o primeiro longa-metragem do diretor é extremamente importante no segundo. Soa como uma evolução natural, como um desenvolvimento natural. E ter visto que vários nomes se repetiam na equipe das duas produções, certamente me deixou muito feliz. De um filme ao outro, há um aprendizado imenso que pode ser percorrido por quem assiste e que necessariamente foi percorrido por quem fez. Bom para todos ao final.

terça-feira, 8 de maio de 2007

05

Quando a sua saudade se tornar bocejo, estaremos conversados.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

04

Não precisa aceitar se não quiser.

Mesmo entre a névoa das nossas fantasias mais infundadas, nenhum de nossos amigos imaginários soube brincar com o amor e o ódio, tão intensamente como a gente fez. Nenhum de meus personagens, nenhuma das estrelas extintas, nenhum dos cachorros do Recife antigo. Somos um espírito quase em comum adormecido em duas crianças indecisas. Por ora danadas, senão enxeridas. Somos as pequenas brincadeiras diante do espelho, todos os traços que diferenciam nossos corpos. Somos as partículas subatômicas flutuando por entre as fendas do tempo. E não se preocupe, não iremos desmaiar.

Mesmo entre os delírios dos nossos sonhos mais profundos, nenhum de nossos amigos imaginários soube desenhar tantas noites sem fim como a gente fez. As madrugadas não se tornaram borradas, os dias não perderam a graça. E quantos vinhos já bebemos em uma hora? E quantos cigarros deixamos de acender? Somos o gancho do telefonema sem assunto, o brinde antes de deitarmos na sarjeta. Estamos compartilhando de nossas utopias, destruindo seus fantasmas e dançando sob o estigma da mesma crise. Somos um rastro de cometa flutuando por entre universos paralelos. E não se preocupe, não iremos nos perder.

Mesmo entre os lapsos de tempo mais radicais, nenhum de nossos amigos imaginários soube acreditar tanto em nossa amizade como a gente fez. Nenhum desses deuses hindus, nenhuma das suas alucinações pessoais, nenhum dos nossos duendes de jardim. Somos os bêbados guardando as lágrimas bem azuis em um potinho, os mendigos felizes por verem um sapo mergulhando em um pudim e a ternura que temos em mente poucos minutos antes de dormir. E resta-me, ouvir sua expressão mais ínfima, tentar enxergar para além de seu olhar verde-rubro e dar-lhe um sorriso de presente. E não se preocupe, eu não vou desistir.

Desculpa. =~~

Rodrigo.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

03

Sou ícaro, o seu sonho e o seu fim.
As raposas e os lobos.
Sou também o laço que os une.

sábado, 28 de abril de 2007

02

Uma vez e não faz tanto tempo, me falaram que eu levava a vida meio que na brincadeira. Que eu estava sempre sorrindo, fazendo dos meus piores dramas, as melhores piadas. Que eu caía na noite, levando rente ao meu corpo todo um ar de leveza, de diversão. Uma tranqüilidade impassível. É como se a minha vida fosse um filme ou uma facção de milhares de filmes interligados e sobrepostos. E ainda assim, é como se fosse outra coisa completamente diferente. Não sei julgar se isso é bom ou ruim. É algo que me faz bem em certas horas, é algo até bastante natural por mais que não consiga delinear uma explicação prática, para com as pessoas em minha volta. Muitas não entendem de fato. Mas não tenho culpa se chego à universidade, olho para cima e fico admirando um pássaro qualquer, enquanto todos os outros estão preocupados porque perderam a chamada do professor X. Mas não se enganem, eu também me preocupo. Não o tempo todo, mas eu me preocupo. Só não corro aos mil ventos gritando isso, nem coloco em nicks de msn, menos ainda publico num fotolog com uma lágrima fake escorrendo do meu rosto. Não gosto desse drama pequeno. Provavelmente são poucas pessoas que conseguem enxergar todos os meus lados, todas as minhas possibilidades. Pelo bem ou pelo mal delas. E cada caminho díspar desse, se esboça tão perfeitamente quanto os outros. Não costumo escolher entre um deles, entre o caminho número 0 e o caminho número 1, entre o sim e o não. Termino correndo por entre todos. Naturalmente.

...

Uma vez e já fazem alguns anos, me falaram que um dia eu me cansaria dos detalhes, que meus olhos se tornariam dormentes. Falaram que meu corpo seria apossado de uma frieza nata. Os pássaros já não seriam notados e as piadas se tornariam raras. Falaram que a brincadeira chegaria ao fim e que a noite logo perderia sua graça. É como se alguém entrasse na sala de projeção e acendesse as luzes no meio do filme. Ás vezes, eu penso quando isso vai acontecer, penso que eu deveria estar preparado para, mas não estou de fato. E se a lâmpada já está ligada, sem dúvida estou tampando meus olhos com as mãos, a espera da próxima seqüência de imagens. Ou posso estar dormindo, as projetando vinte-e-quatro-quadros-por-segundo em meus sonhos. O tempo passa, as pessoas mudam. E não há frase nesse texto que seja mais redundante. Não há mesmo. O tempo passa e o mundo nos sobrecarrega de menos tempo a todo o momento. São os amigos que quase não se vêem ou os namoros que não se sustentam pela distância. E é incrível a dualidade de certas coisas. Eu estava lendo uma carta antiga que tinha solta por aqui, que eu devo ter mandado pra um amigo há uns três anos atrás e vi o quanto ainda somos os mesmos por trás dessa maquiagem pesada. E o quanto estamos diferentes mesmo sem máscara alguma. Parece contraditório, mas aos meus olhos de criança fazem um estranho e belo sentido. É como dizem algumas línguas por aí: o lado direito do meu cérebro não está no lugar certo.

01

...e tudo começa com alguns minutos de atraso.

domingo, 4 de fevereiro de 2007

Cordão de Isolamento

Deviam mandar o bairro de 'boa viagem' e a mania de carnaval baiano num expresso sem escalas e sem possibilidade de volta diretinho pra Salvador. Desde que, ainda pequeno, vi pela primeira vez essa separação por cordão de isolamento entre os que pagaram pelo abadá e os que estão bebendo cana na 'pipoca', me dei conta como havia ali uma minuciosa maquete da segregação social. Passaram os anos e naturalmente fiz um paralelo entre os cordões de isolamento e os muros altos que separam os prédios da insegurança das ruas (bu!), e, de fato, fiquei meio triste com o rumo que estávamos dando ao convívio e interação entre os homens e entre eles e suas cidades, ao eleger os condomínios cada vez mais autosuficientes como padrão de qualidade de vida.

No caso dos carnavais-made-in-bahia-micareta-dos-infernos tudo é mais frágil e passível de atentados, de forma que qualquer pessoa minimamente consciente iria imaginar que, bastasse uma provocação boba, o cordão de isolamento seria partido a base de violência, cacete, crianças e boyzinhos chorando. Aconteceu e só me faz pensar como ter dinheiro não ter nada a ver com inteligência. Desculpem os machucados e tal, mas por princípio foi necessário que tivesse uma mini tragédia para ver se afastam esse modelo recifolia de vez daqui, é ridícula essa posição da elite de fazer carnaval vip na frente do povão. Ontem, por muito pouco, não invadiram até os prédios, o que particularmente é algo que eu gostaria muito de ver antes de morrer. A separação com divisão de bens nunca foi justa.

Depois que voltei do rio, entendi completamente o ódio social que paira sobre certas cidades e naturalmente associei com o bairro de 'boa viagem' onde a desigualdade é gritante, favela junto ao shopping, pedintes na janela de carros importados. Não é preciso muito estímulo para explodir. Sem cordão de isolamento, todo mundo 'parece' igual, ok, podem chamar de simulacro da alienação, mas paciência, é carnaval, por quatro dias podemos esquecer a luta de classes, ninguém sabe quem é rico, quem é pobre e cu de bêbado não tem dono. O carnaval de Olinda me parece genial nesse sentido. Até já vi algumas brigas lá, mas nada generalizado. Enquanto em Boa Viagem as cartas são todas marcadas, quando estão todos misturados, não se sabem quem é quem. As classes esquecem até que tinham se separado.

Quando eu era pequeno, meu pai me levou para um camarote no Recifolia. Obviamente foi uma das piores experiências da minha vida. Além de ter visto brigas e brigas e brigas, assaltos e assaltos e assaltos, vi um cara morrer na minha frente (na pipoca). Na ocasião, o cordão de isolamento também se desfez, a cantora de axé se abaixou, foi uma gritaria louca. Soube que nesse mesmo dia morreram outras pessoas por lá. Enfim, só quem aposta nessa fórmula é Cadoca e quem aposta em Cadoca, meus sinceros e honestos pêsames. Vou para o carnaval de Olinda desde pequeno e esse ano não vai ser diferente. Pra boa viagem, só vou se for para o aeroporto ou para praia se tiver liso. De outra maneira, podem ter certeza que foi sequestro.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Returns

Tenho pensado bastante no tempo, no tempo que não passa, nos dias que não mudam, na paisagem que se repete pelas mesmas janelas. O mesmo formato, a mesma chuva e os poucos dias que me restam longe de casa. Tenho pensado bastante no tempo, no tempo de histórias repetidas, nas ideias desconhecidas, no clima suave que toda reconciliação parece pedir. Bons amigos, brincadeiras sadias e não lembro de outra vez ter deitado minha cabeça num travesseiro cercado de tanta felicidade. Tenho pensado no quão tudo isso é incrível e sinto-me docemente constrangido de ter de escrever. O som harmonioso da água que não pára de correr, o céu estranhamente iluminado durante a noite, os espelhos na penumbra me desenhando como um bom desbravador. Eu não me canso dos afrosambas, do café pela manhã, do tarô e dos cogumelos que não nos deixam dormir. Também me canso, pois quando os dias se repetem, logo minha atração pelos estados de permanência e mudança são postas em xeque, a transcendência pouco importa, o tédio se impõe, de modo que, tal qual os vaga-lumes que pousam e partem de nossos corpos, preciso saltar ao longe para dar sentido a tudo que não vejo dentro da névoa.

Tenho pensado bastante no tempo, no sentindo que damos aos poucos milésimos e na ausência que afundamos os dias. De fato, repousar demais dentro de uma casa, na impossibilidade de correr, me estremece como um ataque claustrofóbico. Preciso dos olhos humanos, dos buracos nas calçadas, preciso perambular por aí. Pouco me importam as unhas, os sorrisos, a sagacidade, nem sempre os homens são capazes de me dar o que quero, mas preciso deles ainda assim. Sei muito bem que a humanidade me cansa, mas sua negação me aprisiona. Sinto-me perturbado, inundado de uma solidão sem tamanho, com vontade de escutar uma voz qualquer pela primeira vez. O excesso de calmaria me entedia, mas não instantaneamente: são precisos dias e dias e dias suficientes já passaram. Preciso ir embora. Os chás, a temperatura, os cobertores, os queijos, o queijo com mel e todas as comidas estavam ótimas, as músicas e danças organicamente sincronizadas. Nunca estive num ambiente de uma paz tão completa, no entanto, agora é hora do homem sair da mata, meditar no meio da Avenida Paulista e inalar a fumaça de cada um dos carros. Tenho pensado bastante no tempo, no tempo e nas pessoas e é incrível como consigo sentir saudade de tudo.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Papo-cabeça

- Nadadisso!

- Tudodisso!

- Nada disso!

- Tudodisso!

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

∫∂∫∂∫

Já levei cusparada, cervejada e muito tapa na cara.
...
...
Ao menos, roubei beijos de um monte de bocas.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Sobre os Velhos

Desde que cheguei no Rio, uma das coisas que mais me chamou a atenção foi a quantidade de velhinhos, velhinhos mesmo, andando de um lado para o outro sem qualquer tipo de acompanhante, afirmando dia-a-dia, noite-a-noite, passo-a-passo a sua autonomia. Pelo que tenho notado, a maioria deles são cariocas da gema, moram nos mesmos bairros da infância e parecem acordar dispostos a descobrir uma nova atividade a ser fazer: jogar futebol em Copabana, almoçar em algum restaurante, visitar algum amigo, tomar banho de mar, surfar, buscar os netos no colégio ao anoitecer, caminhar na Lagoa, cair na farra sem pudor. Se tem uma coisa que o Rio de Janeiro tem me ensinado é lidar com meu medo de envelhecer, estou diminuindo a melancolia que depositei nesse processo, a aposentadoria pode, de fato, ser o melhor momento para usufruir do tempo livre. Há uma maturidade diante das 24 horas que só depois dos cinquenta iremos descobrir. A cidade, por sua vez, parece dar sua contrapartida desde que se deu conta do poder aquisitivo desta parcela da população, de modo que é super comum encontrar todo tipo de serviço especializado para a terceira idade: dos bares aos bailes, da yoga ao turismo, do curso de teatro à porra a quatro. Até o sotaque deles é diferente: tem um swing malandro a modo antiga e não abarca o vocabulário baladas-nights-parceiro-cumpadi. Tenho pensado todos os dias nos velhos safados que encontram seus amigos de 40 anos no mesmo boteco que se conheceram.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Regras

Hoje descobri que os integrantes do Comando Vermelho falam "é nois", os do Terceiro Comando "a gente" e que se alguém quebra essa regra básica - regra estúpida - pode terminar em pedaços num lixeiro público de Copacabana. Descobri também que dentro do óbvio envolvimento da polícia no tráfico, não um envolvimento micro, mas num sentido macro, rola uma rede de troca de favores, onde os traficantes pagam mensalidades para que seus morros não sejam visados em ações, ações midiáticas, inclusive, e que seus clientes não levem baculejo após efetuarem suas compras. O mais importante, entretanto, é se dar conta que os policiais não recebem um salário alto o suficiente pra morarem nos prédios do asfalto, na maioria dos casos, terminada a jornada de trabalho, quando tiram o uniforme, guardam os fuzis, desamarram os sapatos, voltam ao aspecto civil de ser, é para o velho morro que precisam voltar.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Compensação 2

Se no primeiro e-mail que mandei para vocês procurei me focar no impacto que a presença dos militares de Realengo me causaram, na agressividade emanada por toda aquela estrutura arcaica, realmente o escrevi sem ter contato algum com a fama que a polícia urbana tem por aqui. Estou com a impressão que simplesmente todos os cariocas têm medo da polícia e, por incrível que pareça, nesse quesito, não importa a cor, a religião, a orientação sexual ou a classe social. Sequer importa a culpa que cada um carrega. De vez em quando escuto falar de alguém que pirou por conta da pressão constante e, de fato, não é muito difícil desenvolver uma síndrome do pânico por aqui. Ariadne até me deu a recomendação de só fumar maconha no morro ou em casa, falou que 'a coisa aqui não é brincadeira', dei pouca importância, admito, também nem estou fumando muito, mas depois que vi várias pessoas comentando no mesmo tom, abaixando a cabeça ao passar de qualquer viatura, entendi a dimensão da coisa. No início, fiquei meio assustado com esse clima velho oeste, mas agora é muito sério, estou de saco cheio desse medo instituído.

Pra vocês terem uma ideia, dia desses, fumando no carro de um dos playboys de Botafogo, passamos numa área militar na Urca e, do nada, um dos caras dentro do carro praticamente começou a chorar. Seu nome é Felipe, ele era instrutor do Detran e nas horas vagas fazia doideiras no trânsito, pega e afins, como metade dos motoristas daqui. Pelo que entendi, ele bateu com o carro duas vezes e em ambas, a conta deu perda total. Ele está passando seus últimos dias na cidade, a família vai mandá-lo para Boston na próxima semana para trabalhar como peão numa obra. Conversamos bastante: ele sempre meio choroso, cabisbaixo, ansioso e eu tocado, por um lado, e afim de escutar boas histórias pelo outro. Desde o último acidente, tenho sérias dúvidas se alguém morreu, ele tem trabalhado insistentemente para mudar seu ritmo de vida e sua personalidade, deixar de ser a figura mais louca da turma, quase um desespero por se tornar careta e conseguir levar uma vida correta. Ele é um cara bom, simpatizei, queria mesmo que se arrumasse nos Estados Unidos, porque se tudo der errado e ele voltar pra cá, o Rio de Janeiro vai devorar ele vivo.

Quanto ao medo no uso de drogas, terminei colocando o assunto com a playboyzada, fazendo uma espécie de comparativo, e a primeira coisa que me chamou a atenção foi o fato deles desconhecerem a lei do usuário ou, se conheciam, tomavam-na como lenda urbana. O segundo momento foi o choque: eles ficaram boquiabertos quando contei que em Recife, os usuários costumam pegar 50 gramas de uma só vez, que geralmente compram o que vão consumir no mês, que fumam na rua em vários pontos da cidade, que andam com maconha no bolso. Por aqui, alegaram que independentemente da quantidade, um baseado que seja, precisam enfiar na cueca. Calma: tudo bem que o que eles fumam é merda de boi com amônia, mas ao menos arrumaram um jeito de não fumarem pentelho, pois o bagulho vem dentro de um saquinho plástico, daí podem até enfiar no cu de acordo com o grau da mania de perseguição. O fato da polícia tocar terror criou um pânico intensivo em todos os usuários, um número bastante alto diga-se de passagem, e internalizou uma condição de criminoso numa grande parcela da população.

Outro ponto importante é como o uso de drogas está muito distante do consumo sadio, fazendo jus ao retrato de problema de saúde pública que tantas ongs insistem em dar. Não sei se é pela ausência de maconha solta, mas acredito que a junção de 1. opções diversas de drogas + 2. poder aquisitivo bem maior que o nosso resultou numa incógnita trágica-réquiem-para-um-sonho-trainspotting. Fui numa rua que fica na subida do morro, num barzinho que de tarde é mó legal, sinuca, playtime, mas que à noite perde toda sua graça . Quando me dei conta, a rua estava tomada por um bando de viciadões, gente rica, pobre, estudante, executivo, todos com olhos esbugalhados, rondando de um lado para o outro como zumbis, fumando maconha, crack, cheirando cocaína, loló, clorofôrmio, injetando, a porra a quatro. Entre eles, notei uns vendedores e bateu uma raiva do caralho dada a decadência dos clientes. George Romero choraria de prazer se fosse um filme e alguns recifenses não durariam dois dias se entrassem no oba-oba. Desde então, dei um tempo na maconha: tenho a sensação que aqui qualquer besteirinha bonitinha pode virar uma coisa perigosa.

domingo, 10 de dezembro de 2006

Compensação 1

Pode soar muito maniqueísta, mas preciso correr o risco, porque tenho acreditado cada vez mais que no Rio tudo funciona sob uma política de compensação: para cada coisa bonita que vejo, sinto que há uma uma horrível para descobrir. Posso passar muito tempo olhando o Pão de Açúcar, horas sentado no Arpoador, honestamente me emocionar com a beleza dessa cidade e com a valorização dos espaços culturais, mas já não me sinto o turista que goza seus espaços, talha sua redoma estrangeira e ignora todo resto. São 6 horas da manhã e, me desculpem, estou delirando de sono. Vamos lá, no último e-mail que enviei - e esse começo é muito 'e como vimos na última aula' - me centrei apenas na primeira noite por aqui, agora já passaram alguns dias, quase uma semana, e muita coisa aconteceu. Resultado: como nos filmes e livros que tanto gostamos, saltarei no tempo ao bel prazer da hierarquia de minha sonolenta memória.

Pra começar, voltei ao Santa Marta. Depois de todas as visitinhas aos museus, belezas naturais e cinemas tradicionais, marquei de tomar umas cervejas com a minha amiga Ariadne para fugir um pouco do circuito mais-do-mesmo, afinal vou passar um mês por aqui, preciso entrar no ritmo do lugar. Como era esperado, ela queria fumar, eu também, fomos na boca, compramos umas dolinhas e ficamos na pracinha super bonitinha que tinha comentado no e-mail anterior. Então, a boca nada mais é que um mercadinho de drogas, pra chegar lá nem precisa perguntar a ninguém, é só seguir o caminho dos homens-boyzinhos-surfistas-formiguinhas que vai da entrada do morro até a entrada da boca. Lá em cima, você entra na fila, espera a sua vez, diz o que quer, paga e vai embora. É simples, mas não recomendo para os noiados com armas porque fuzil ali é bóia, na linha de frente tem até uma metralhadora que só tinha visto no filme do Rambo.

Mais do que algo pontual como a boca, as milícias ou um assalto aqui e outro ali, o que me incomoda no Rio de Janeiro é como a cidade está excessivamente armada por todos os lados, tenho pensado no impacto de quando acabar a 'paz-armada-guerra-fria' que rege por aqui. Espero estar bem longe. Sim, estávamos na pracinha tomando uma cerveja quando surgiu o rapaz-informante que tinha comentado e fiquei noiando como nos morros há um temor para com as pessoas de fora, possíveis olheiros, os chamados X9 ou 171, nunca lembro qual é qual. Minutos depois, apareceram os comandantes do morro, uns seis ou sete caras, todos sem camisa, alguns com tatuagens por todo corpo, todos com no mínimo dois fuzis e vários revolveres. Sei que era para lembrar de algum filme de máfia, mas terminei lembrando dos toscos de Steven Seagal, apesar de particularmente achar os descamisados super charmosos. Definitivamente não é só por drogas que as bacanas da zona sul vão pagar boquete por ali.

No mais, apesar de ter se criado uma tensão, havia por todos os lados uma compensação: crianças brincando de bola na rua, uns velhinhos jogando gamão, outros tocando samba, uma galera fumando, aquela maresia boa de se ver. Nem acho que seja o modo mais correto, mas querendo ou não, esse pessoal do morro criou uma espécie de contrasociedade, o tal estado paralelo que a mídia tanto alarma, que sobrevive do vício dos clientes ricos, que arranja seus próprios modelos sociais e que se tornou um esquema tão poderoso (ou mais) que qualquer instituição carioca estabilizada. Enxergo esse movimento como uma resposta à desigualdade da cidade, porque se em Recife a gravidade do desigual é imensa, especialmente em bairros como Boa Viagem, no Rio me parece ser oito vezes mais. Não que tenha muita gente fudida fudida, mas é que tem uns ricos muito ricos e toda uma estrutura que os servem, os protegem, os retificam e os adulam. A riqueza em excesso é, para mim, tão agressiva quanto a pobreza em excesso.

Não nos demoramos muito e logo descemos o morro, mas antes rolou o momento figurante-de-cidade-de-deus, quando os traficantes vieram sentar perto da gente, pois tive certeza que a polícia ia subir o morro e só ia dar eu na mira deles. A questão é que terror por terror, por aqui não faz diferença se você está na mira dos supostos mocinhos ou dos supostos ladrões, o bicho pega, como eles costumam dizer por aqui. Ariadne me disse que o chefão que não pode ser nomeado era tímido, que provavelmente ele tinha descido só para vê-la, não trocaram uma palavra, só olhares, uma vibe meio poética e fiquei encantado com o misticismo que criamos diante de tudo que nos é distante. O cara mais temido da região estava ali do meu lado e, olha só, ele era tímido. Desde então, passei dias pensando em como se poderia resolver o problema dessa cidade, como humanizar a marginália sem censurar suas características marcantes, mas mesmo me centrando completamente, não cheguei a conclusão alguma. De fato, minha vontade não passava de uma pretensão barata.

(Continua...)

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Avenida Brasil - Niterói - Morro da Santa Marta

Minha primeira noite no Rio mereceria o espaço de uma semana no diário, no entanto, como preciso correr para as próximas aventuras, serei o mais breve possível dentro da prolixidade que me seduz, ciente de que não conseguirei transmitir, pseudopoético que seja, um décimo do desbunde pelo qual passei. No início tudo ia ser morgado e triste, a programação número 1 consistia em ir para o aniversário de um zé alguém que não conheço numa boate pomposa em Ipanema, Leblon, algo Manoel Carlos companhia ilimitada. Meu nome estava na portaria, a entrada ia ser free, adoro um agrado, mas fiquei me sentindo o playboy-mor quando soube mais ou menos do naipe do lugar e mais ainda quando vi no outro dia na capa do jornalzinho de 50 centavos daqui, que a filha da Glória Pires - o nome me escapou agora - tinha armado um barraco por lá na semana passada. Sempre acreditei que o plus dessas boates era oferecer um pegapacapá entre subcelebridades. Saímos de casa, eu, Carol e Leca. Carol e Leca são garotas zona sul e aqui rola a maior divisão: zona sul, zona sul; zona norte, zona norte; zona oeste, zona oeste. Uma segregação falada, defendida com orgulho e que tem mais a ver com comportamento, acessórios e cabelos tingindos do que necessariamente com ocupação espacial.

A segregação por região comporta uma enorme gama de valores, estereótipos e naturalmente reverbera na predileção por drogas em cada uma das trupes, ou seja, a galerinha que toma ecstasy e drogas sintéticas são zona sul, filhos do asfalto, não perdem uma rave, carregam o sotaque dos mais irritantes e é só tocar no assunto 'baseado', 'lombra' e derivados que começam o maior discurso anti-maconheiros. No mais, constituem a elite afrescalhada que encaixa ou inventa um novo preconceito onde tiver espaço. Da mesma maneira, a galera que só fuma, vive denegrindo a imagem burguesa dos que tomam drogas artificiais, citam alguma matéria do Fantástico sobre tráfico na classe média alta, eventualmente soltam até aquele velho papo da natureza, que fumar maconha é do bem e tal - que bora combinar não faz o menor sentido, porque a maconha daqui é prensada, cheia de amônia e eles sequer sabem o que é uma belota. Quem só cheira não sei o que fala, nem sei que zona ocupa, mas quem usa todo tipo de droga, costuma ficar tão travado que termina por não falar coisa alguma. Obviamente todos os grupos anteriores evitam este último. O apartheid dos usuários não tem nexo algum, é um mela cueca hipócrita dos brabos, porque falando sério, o cara tomar dois ecstasys numa noite e chamar o outro de maconheiro drogado-filho-da-puta-escroto-du-caralho é coisa de gente muito da estúpida. Coisa de carioca zé mané.

Enfim, decidimos passar na casa de uma amiga em comum chamada Ariadne, em Botafogo, antes de irmos pra tal boate em Ipanema. O nome da boate também me escapa e agora pouco importa. Saímos de Realengo e pegamos a famosa Avenida Brasil: pista enorme acometida pelo medo geral dos motoristas que corta boa parte da periferia do Rio de Janeiro. Pode parecer exagero, mas a paranóia carioca se aproxima um pouco da paranóia recifense, essa coisa de ficar olhando para os lados, sempre a espreita que alguém esteja a espreita, tomando providências para a morte não chegar - uma sensação que lembra o protagonista daquele filme, que eu sei que é ruim, mas que simpatizo, chamado Premonição. De fato, a caxangá parece brincadeira perto da Avenida brasil e seus 100 km/h como velocidade mínima. Não existem sinais - é via expressa - e ainda que existissem, aqui no Rio, ninguém liga muito pra sinal não, a maioria dos motoristas ainda não aprendeu o que significa a palavra pedestre e vive no mundo do daltonismo. Atravessar a rua é uma aventura diária. No caminho, no quilômetro sei lá quanto da avenida Brasil, vimos uma moto caída no canto e dois corpos desmaiados (mortos?) distantes um do outro. Ninguém se atrevia a parar pra ajudar pelo medo de serem assaltados. Uma das meninas zona sul sugeriu que poderia ser só fingimento para roubarem o carro. Era impossível. Fiquei com medinho dela.

No final das contas, as pessoas, além do medo óbvio, não param porque ninguém pára, há um sentimento internalizado a partir de uma coletividade, ou melhor, uma negação da coletividade pela falta de atitude generalizada. Pior é que todos andam tão depressa, tão centrados em sair dali o mais rápido possível, que se um parar, provavelmente o que iria acontecer era um acidente. Pouco antes da moto, passamos por um engavetamento de dois caminhões e uns sete/oito carros. Coisa assustadora, cosmopolita demais, me fez sentir um pouquinho caipira que pegou o pau de arara para o sul do país. Seja como for, fiquei incomodado com a indiferença, como aquela moto parecia desimportante até que obtive uma segunda resposta: Carol e Leca alegaram que acidentes de todo tipo ali eram normais, que quando acontecia algo do tipo só as ambulâncias poderiam intervir "e de todo modo eles já deviam estar mortos, pra que se arriscar?". Terminado o veredicto, cantaram juntas a próxima música do CD: me senti a pessoa mais solitária do mundo imaginando os dois corpos sendo atropelados dezenas e dezenas de vezes. Já no final da Avenida, lá pelo quilômetro não sei quanto vezes dois, ao invés de pegar a faixa da direita, Carol ficou na da esquerda e, por não conseguir fazer a transição, terminou tendo de seguir pelo caminho errado, indo em direção a ponte Rio-Niterói.

Fiquei meio boquiaberto com a falta de habilidade automobilística e ainda mais com a famosa construção que liga as cidades vizinhas, nunca tinha me sentindo tão pequeno diante da monstruosidade de uma construção tão ambígua: sentia um peso da história que não interferia na modernidade do aglomerado de concreto e ossos. Fomos até Niterói e voltamos, não cheguei a conhecer a outra cidade, realmente só fomos porque a ponte não tem retorno, quem entra nela tem de seguir até o fim e ainda pagar um pedágio. Fiquei deslumbrado: achei a ponte genial, monstruosa mesmo, o Rio visto dela é lindo. Já perto de Niterói surgem uns estaleiros, umas plataformas, uns navios enormes que em conjunto me lembraram aquelas cenas de filmes de ficção científica quando o diretor quer mostrar todos os efeitos especiais de uma só vez. Achei feio, mas ainda assim conseguiu me deslumbrar ao seu modo, nada perto do Rio de Janeiro: se olhássemos além, víamos os morros na penumbra e iluminados, e ainda mais além, o Cristo sozinho. Entendi melhor a imponência, tanto que senti vontade de filmar a vista da ponte e se não me engano, a lua estava cheia. Ou quase. Ainda bem que eu não tinha uma câmera: esse seria o meu maior clichê, sem dúvida. Tomamos uma cerveja em Niterói, Leca aproveitou para pegar roupa na casa de uma avó e voltamos em seguida. Mais 13km de ponte. Quando finalmente estávamos indo pra Botagofo pelo caminho certo, passamos por uma blitz (é assim, que se escreve?) e esqueci de comentar: minha amiga da direção, além de não saber dirigir muito bem, simplesmente estava sem carteira de motorista. Ok, bateu o medo extremo.

Quando estávamos na frente da viatura, o carro morreu, o farol estava apagado, seguramos o cu, conseguimos passar, de fato se aprende rapidinho a ter muito medo da polícia por aqui. Finalmente chegamos em Botafogo 1 hora e meia depois de ter saído de Realengo. Vontade de escrever um 'UFA' do tamanho do mundo. Carol me deixou na casa de Ariadne, uma amiga olindense, e foi na outra casa dela, em Botafogo mesmo, pra trocar de roupa. Filha de tenente, capitão, coronel, comandante, sei lá, ela nunca poderia sair da casa dos pais com a roupa decotada da 'night', daí sempre saía com uma roupa comportada e depois fazia a transformação da xuxa no caminho. Esse mundo é muito estranho e sendo assim, ela voltaria em alguns minutos. Fiquei lá no apartamento de bobeira. Fumamos um, dois, a maconha daqui tem gosto de merda, resolvemos tomar uma cerveja. Carol ligaria para o celular de Ariadne quando chegasse, daí eu voltaria e seguiria com ela. Tomamos uma. Duas. Três. Quatro. Nada de Carol. Estavámos num boteco de frente pro morro da Santa Marta e até então, foi a visão mais bonita que tive do Rio de Janeiro. Pois é, superou a ponte: o morro lhe suga, todas aquelas luzes emparelhadas com as luzes dos prédios, a verticalidade num modus operandi peculiar, tudo. É difícil de explicar, mas me senti diretamente conectado. Deve ser coisa de nordestino zé mané.

Ariadne ficou insistindo para que eu abandonasse a ideia da boate e fosse com ela subir o morro: era dia do evento maior da região, o Baile Funk. Ela notou que ganhou força no convencimento depois de contar tin tin por tin tin uma dezena de histórias na linha 'minhas-aventuras-sem-noção', um papinho barra pesada da garota de classe média que começa a conviver nos morros do Rio de Janeiro. Só sei que no meio dessas histórias, ela disse que teve um caso recentemente (o mais recente) com um rapaz do Santa Marta. Depois de uns dias, foi presa e descobriu que o tal cara era o chefão-mor do lugar. Ele faz o tipo que não pode ser nomeado que nem Voldemort de Harry Potter. Soube por Ariadne que muita gente envolvida no tráfico nunca desce pro asfalto, alguns só foram na praia quando criança e que isso, serve de motivação para que o Baile seja um evento referência pra todo mundo da cidade. Pareceu-me de uma melancolia enorme, mas pensando no harém que esse chefão e seus comparsas devem ter, a melancolia passou rápido rápido. Nada de Carol. Resolvi tentar ligar pra ela de um orelhão, usando um cartão de Recife, daí não tocou nem duas vezes, ela atendeu puta dizendo que já estava em Ipanema, que tinha ido na casa e esperado um tempão, que tinha ligado e Ariadne não tinha atendido. Por fim, mandou eu pegar um táxi ou estar na casa de Ariadne às 5 horas. Resolvo estar na casa de Ariadne no horário marcado, decido ceder aos convites, saquei que a própria não tinha atendido os telefonemas de propósito e me senti renovado por me deixar levar pelo sentimento forte que tinha batido de cara com o Santa Marta. Logicamente tomei uma lapadinha de cana antes.

Vou ter que resumir porque tenho que sair. O morro é lindo e sei que isso parece papo de antropólogo que vem da Europa estudar os índios. Perdoem-me se for o caso. Logo na subida é cheio de táxis, eles sobem até uma certa altura e trazem a high society carioca que gosta de funk-orige. Depois deste ponto, todos, jogadores de futebol ou não, sobem a pé. Não existem policiais, a segurança é feita pela galera do próprio morro, mas pelo que vi, nem precisava de segurança, foi tudo muito light nesse sentido. Sei que algumas pessoas gelariam ao ver um fuzil, não há esse costume por aí, mas, assim, aqui no rio se você não vê fuzil no morro, vai ver na rua, porque nas viaturas, os policiais andam com as suas armas para fora das janelas. Os seguranças do morro usam umas motos super bonitinhas, meio lambreta, que combinam muito bem com os capacetes meio Hell Angels. Achei bem charmoso. Chegando lá em cima, há uma espécie de praça na frente do galpão do evento, o uso de drogas é completamente liberado, fumei todos, tomei todas, cheirei um pouquinho de loló. Isso tudo com os amigos playboys de Botafogo de Ariadne. Ela conhece gente de todo canto, de toda classe, é do time que usa tudo e não é de zona alguma e o baile funk é muito isso. O espaço é enorme, a galera não pára, a música é safada, vibe funk proibido, tem uma vibração de espírito muito forte. Fiquei meio emocionado de estar ali em alguns momentos. Não é a toa que o morro virou a vedete do audiovisual carioca.

Só sei que, em dado momento, comecei a noiar quando estava dando uma volta dentro do baile, um galpão sem divisória alguma, com Ariadne, pois ela estava super tensa, daí segurou na minha mão e tive certeza que o chefão podia vir aloprar com a minha cara. Ok, sou de áries e o mundo gira em torno do meu umbigo. Obviamente não aconteceu nadica de nada ou não estaria escrevendo aqui. Ele é meio invisível nesses eventos, procura não se expor muito, depois soube que ela só queria saber se o cabra estava vivo e me desculpa, mas essa história de que ela não sabia que ele era O cara é muito princesa da periferia. Totalmente acho que ela sabia. Ainda descobri que por pouco não fui apresentado diretamente a ele, pois um dos caras com quem estávamos, era uma espécie de informante preliminar, fica sacando quem é novo no baile e se chega, tem vários desses, daí ele repassou que eu não era nada de Ariadne, só um amigo de Recife, e de repente tudo melhorou e virei convidado vip. Parece que a avó do que não pode ser nomeado era pernambucana e um dos sonhos dele era visitar Porto de Galinhas. Pois é, muito doido. Só sei que foi bom porque minha nóia passou bonito e me joguei no batidão, comecei a achar que todo mundo estava mais simpático e é isso que o álcool faz com as pessoas. Só fiquei triste quando percebi que os playboys que estavam no morro e moravam em Botafogo não gostavam do morro, algum deles, o que repassa drogas no asfalto, chegou a comentar na descida que era bom aproveitarmos porque o morro ia acabar, a polícia um dia ia invadir e colocar fogo em tudo. Falava com um ar sonhador.

No final das contas, por forças maiores e mesmo eu lembrando da hora marcada, não consegui chegar antes das 6 e meia onde tinha marcado com Carol. A culpa foi de Ariadne, ela mandou eu descer sozinho, não tive coragem, mas isso não vale a pena ser dito porque saí com a certeza de que tinha vivenciado a melhor vibe do Rio de Janeiro. Alguém poderia alegar que passei boa parte da noite com um monte de gente que nunca vi na vida, mas por favor né, eu vim sozinho pro Rio, esse é o tipo de coisa que tem que acontecer e sempre que foi preciso, soube muito bem obrigado me virar na lábia. Liguei pra Carol, que estava na Avenida Brasil, voltando pra Realengo p-u-t-a-d-a-v-i-d-a. Tava muito puta e com toda razão. Decidimos que eu iria pegar o metrô pra Central do Brasil e o trem pra Realengo. Foi o que fiz. Passei numa padaria, comprei uns pães quentes delícia e, antes de ir embora, tenho que dizer que terminar a noite, às 8 da manhã, chegando na Central do Brasil inundada de murmúrios, pra pegar um trem, me deixou relaxado, numa tranquilidade sem igual. Voltei num vagão com poucas pessoas, olhando o cristo e os morros, pensando na vidinha nossa de cada dia e guardando cada segundo no meu baú de memórias. Eventualmente me acometia a noia que quando chegasse em Realengo, alô alô Realengo, Carol ia me por pra fora de casa bonito. Imaginei até minha malas na calçada e todo drama novelesco. Vai saber, melhor cogitar o pior, afinal Carol é garota-zonasul e deve assistir muita novela.

domingo, 3 de dezembro de 2006

Realengo e a Vila Militar

Estou em Realengo. Realengo fica depois da Vila Militar e um pouco antes de Bangu. Foi onde Gil e Caetano estiveram presos no final da década de 60 antes de saírem do país. A Vila Militar é um bairro do tamanho da Boa Vista, uma avenida principal e várias ramificações, onde se amontoam quartéis de todas as instâncias e casarões enormes que servem de residência aos funcionários do exército. Realengo é a extensão disso. Todas as construções datam do século XIX e são uma herança pesada da época em que o Rio era a capital do país. É algo muito, muito gigantesco (e sinceramente, muito bonito), mas pelo que percebi já há algum tempo, o exército não está conseguindo manter o próprio patrimônio que possui, dado o alto custo de preservação que tais construções demandam. Eu não entendo na prática qual a necessidade dessa falsa ostentação, qual a necessidade de se manter vivo todo esse esquema patético. É uma imponência-fake misturada a um orgulho desmedido. Uma decadência tão exposta e uma tentativa tão frustrada de escondê-la. No final das contas, fico martelando na cuca que é tudo dinheiro público e não me venham falar em caso de segurança nacional, por favor. Sem exageros, não é muito difícil se sentir num sombrio 1964 por aqui. Parece muito distante, mas é meio assustador mesmo: vamos na padaria e só vemos fardas e mais fardas, é milico andando armado até os dentes para tudo que é lado. Um bafo de ditadura pode facilmente ser sentido. Parece que uma guerra há de estourar a qualquer momento quando você sabe que não. E sinceramente, eles não estariam preparados. Ainda assim, sentem a necessidade doentia de 'parecer' que 'estariam'. Fiquei esperando a hora de soar o sinal da simulação de ataque aéreo. A maior parábola da vila militar me foi contada por um comandante: na sala da sua casa tinha uma goteira insistente que ele não conseguia vencer, tinha trocado a telha, pintado com tinta especial, mas em poucos meses, a infiltração voltava. Revelou que fazia anos que estava nessa luta e agora tentava se convencer de que era uma batalha perdida. É essa a situação, os milicos não estão ganhando nem das goteiras. Alô, alô Realengo, aquele abraço.

Foi da Vila Militar que roubaram os fuzis que causou todo aquele rebuliço no Rio há uns meses. Foi na Vila Militar que anteontem, por pouco, não roubaram todo o dinheiro destinado ao pagamento dos funcionários (referente ao mês de dezembro + décimo terceiro). Qualquer um que passa por aqui sente algum receio, alguma opressão (e não me falem sobre o uso de arrobas e questão de gênero, por favor). São muitas armas espalhadas em muitas mãos e sempre fico com a pulga atrás da orelha de que as mão são despreparadas e efusivas. Seja como for, qualquer um que passe alguns dias por aqui nota toda vulnerabilidade estrutural que esse sistema possui e o quão hipócrita ele é, especialmente porque se tratando também de um espaço familiar, os filhos dos soldados, tenentes e capitães funcionam um pouco como ruído do estilo de vida que seus pais parecem empreender. O exército está pagando mais do que pode pra esconder que a sua verdadeira batalha é possuir legitimidade de subsistência. Os prédios na Vila Militar estão quase todos muito velhos, acabados, não passam por uma reforma faz tempo. Vários e vários e vários batalhões foram reduzidos, transferidos ou extinguidos. O número de pessoas está diminuindo rapidamente, mas o número de construções continua o mesmo. A cada dia, fica mais difícil eles preservarem a grandiosidade de outrora e naturalmente tornaram-se neuróticos. Pra intensificar a histeria, o entorno da Vila Militar foi tomado nos últimos anos por algumas favelas, chamadas de 'problema' por aqui. Resultado: entupiram vários pontos com Blitz exageradas, correram de lados para lados, temem que os prédios sejam invadidos. Tudo isso não porque a tensão está no ar, mas sim, porque sabem que se isso acontecer, não estarão preparados pra nada. Estão prontos pra guerra invisível que eles próprios criaram e que não podem ganhar. E o medo que eles causam não é nada, perto do medo que eles sentem. E a hipocrisia fica por conta da filha que fala que não vai ao morro, porque não se sente bem cercada por aquelas armas, enquanto o seu pai tira um revolver do bolso e dá dois tiros para cima no dia do seu aniversário. Eu gosto de fumar um cigarro andando pela Vila Militar.