Deviam mandar o bairro de 'boa viagem' e a mania de carnaval baiano num expresso sem escalas e sem possibilidade de volta diretinho pra Salvador. Desde que, ainda pequeno, vi pela primeira vez essa separação por cordão de isolamento entre os que pagaram pelo abadá e os que estão bebendo cana na 'pipoca', me dei conta como havia ali uma minuciosa maquete da segregação social. Passaram os anos e naturalmente fiz um paralelo entre os cordões de isolamento e os muros altos que separam os prédios da insegurança das ruas (bu!), e, de fato, fiquei meio triste com o rumo que estávamos dando ao convívio e interação entre os homens e entre eles e suas cidades, ao eleger os condomínios cada vez mais autosuficientes como padrão de qualidade de vida.
No caso dos carnavais-made-in-bahia-micareta-dos-infernos tudo é mais frágil e passível de atentados, de forma que qualquer pessoa minimamente consciente iria imaginar que, bastasse uma provocação boba, o cordão de isolamento seria partido a base de violência, cacete, crianças e boyzinhos chorando. Aconteceu e só me faz pensar como ter dinheiro não ter nada a ver com inteligência. Desculpem os machucados e tal, mas por princípio foi necessário que tivesse uma mini tragédia para ver se afastam esse modelo recifolia de vez daqui, é ridícula essa posição da elite de fazer carnaval vip na frente do povão. Ontem, por muito pouco, não invadiram até os prédios, o que particularmente é algo que eu gostaria muito de ver antes de morrer. A separação com divisão de bens nunca foi justa.
Depois que voltei do rio, entendi completamente o ódio social que paira sobre certas cidades e naturalmente associei com o bairro de 'boa viagem' onde a desigualdade é gritante, favela junto ao shopping, pedintes na janela de carros importados. Não é preciso muito estímulo para explodir. Sem cordão de isolamento, todo mundo 'parece' igual, ok, podem chamar de simulacro da alienação, mas paciência, é carnaval, por quatro dias podemos esquecer a luta de classes, ninguém sabe quem é rico, quem é pobre e cu de bêbado não tem dono. O carnaval de Olinda me parece genial nesse sentido. Até já vi algumas brigas lá, mas nada generalizado. Enquanto em Boa Viagem as cartas são todas marcadas, quando estão todos misturados, não se sabem quem é quem. As classes esquecem até que tinham se separado.
Quando eu era pequeno, meu pai me levou para um camarote no Recifolia. Obviamente foi uma das piores experiências da minha vida. Além de ter visto brigas e brigas e brigas, assaltos e assaltos e assaltos, vi um cara morrer na minha frente (na pipoca). Na ocasião, o cordão de isolamento também se desfez, a cantora de axé se abaixou, foi uma gritaria louca. Soube que nesse mesmo dia morreram outras pessoas por lá. Enfim, só quem aposta nessa fórmula é Cadoca e quem aposta em Cadoca, meus sinceros e honestos pêsames. Vou para o carnaval de Olinda desde pequeno e esse ano não vai ser diferente. Pra boa viagem, só vou se for para o aeroporto ou para praia se tiver liso. De outra maneira, podem ter certeza que foi sequestro.
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