terça-feira, 22 de outubro de 2013

A vida real nas ruas



O Cinema e a Estetização da História: Um Debate Epistemológico

(Artigo publicado originalmente no e-book Cinema e Memória)

O passado será considerado como sempre reconstituído e organizado sobre a base de uma coerência imaginária. 
Beatriz Sarlo

O emaranhado de conexões que se configura entre os sujeitos e o cinema, passando pelas esferas da estética, do afeto, da cultura, da economia, da sociabilidade e da história, não fortaleceu suas raízes sem razão, afinal, nunca se produziu, reproduziu, distribuiu e consumiu tantas imagens como nos últimos cem anos. A própria ontologia do olhar diante da efígie do universo em que o olho se encontra foi constantemente redimensionada, criando um sistema de visibilidade singular, cuja marca está presente no detalhado registro / fabulação audiovisual dos fatos e da história por parte dos meios de comunicação de massa. Para Walter Benjamin, o curso de transformações tecnológicas ocorridas ao longo de grandes períodos, “juntamente com o modo de existência das comunidades humanas, modifica também seu modo de sentir e de perceber. A forma orgânica que a sensibilidade humana assume – o meio no qual ela se realiza – não depende apenas da natureza, mas também da história” (1990, p. 214). Os mesmos acontecimentos e processos foram retratados de diferentes modos, seguindo intenções e metodologias até contrárias, inseridos em distintas estratégias narrativas e contextos; mitos, monumentos e lendas foram erguidos, invertidos e destruídos; os discursos alternaram dos fielmente adaptados até os livremente distorcidos.

Praticamente toda história da humanidade foi projetada na tela: os campos de concentração se encravaram na memória, as guerras das últimas três décadas foram acompanhadas dia a dia, seja com balas zunindo ao lado das lentes, seja na abstração de pontos luminosos riscando o céu. Cidades polonesas, russas e aldeias no Pacífico completamente destruídas. Um museu de Hiroshima com cabeleiras de suas vítimas. A garota nua correndo com o corpo recém-queimado de napalm. As câmeras, gravadores e seus guias confinaram os acontecimentos no regime da estética, retrataram costumes, captaram o desabrochar microscópico da natureza, o desespero das tragédias, geraram fotogramas para uma crise, cristalizando no limítrofe da incerteza, espíritos / subversões de diversas épocas, instantes e lugares, multiplicando a gama, modificando perspectivas, afirmando a técnica e diminuindo a credibilidade dos manuscritos históricos. O cinema foi capaz de carregar pontualidade, ilusão e transcendência; capaz de aguçar e cegar por meio de uma única imagem, misturando épocas e observações, recorrendo ou caindo no anacronismo, fundindo história de outros séculos com memória afetiva, assumindo um caráter arqueológico e fazendo as idiossincráticas relações imagéticas entre presente e passado atuarem sobre os indivíduos contemporâneos essencialmente em dois níveis. Ao mesmo tempo em que intensificam o sentimento de nostalgia, melancolia e pertencimento, para além das antigas formas de representação e reforçando alegorias do presente; também carregam o papel de mediadoras e ordenadoras do imaginário cultural que gerencia boa parte das referências dos séculos restantes. O cinema desenvolveu ao longo das décadas a especialidade de encurtar distâncias.

Nesse sentido, vivemos uma gradual substituição dos fatos pelas imagens dos fatos, o cinema passou a referendar não apenas distintos estatutos de sensibilidade ou “uma crise da interpretação, mas uma mudança vertiginosa das instituições que podem emitir interpretações autorizadas” (SARLO, 2005, p. 59), de modo que os eventos são lembrados pelos filmes, personagens históricos se confundem com os atores que os interpretaram, os mapas se passam pelo território real (SALIBA In NAPOLITANO et al, 2007). Naturalmente, se tomarmos a história como um campo de conquista da representação e da narração ao longo dos séculos, sempre numa perspectiva de um presente deslocado que olha um passado em movimento, é importante focarmos em quem contou, quando se contou, sobre quem se contou e a forma como se contou, reforçando a maneira pelo qual o cinema contemporâneo traduz de maneira concomitante, diferentes epistemologias provenientes da Teoria da História, desde os primeiros arcabouços, passando pelos cientificistas até as proposições pós-modernas. O próprio Heródoto, ainda na Antiguidade Clássica, costumava relatar todas as versões reconhecidas de uma mesma história, criando um painel multifacetado capaz de estimular a própria interpretação dos ouvintes / leitores. A partir de metáforas e outros tropos, o cinema adensou esse processo e foi capaz de estabelecer uma espécie de comentário sobre a história da historiografia, uma ponderação sobre a relação entre presente, passado, verdade, realidade, vestígios, subjetividade, mídia e mensagem, numa espécie de confrontação metahistórica fortemente influenciada pelo regime da estética.

Os variados pontos de partida de uma cinematografia que emula e funde campos opostos da historiografia produziram distintos arranjos de passado, esboçando um território imagético tecido por graus de deformação no procedimento de mimese (WHITE, 1995), seja pelos floreios estéticos, pela facha ideológica, seja pela substituição de lacunas por especulações ou pela recepção dos espectadores. O cinema, radicalizando os passos da literatura, da escultura e da pintura, enfim, na afirmação da memória como espaço de problematização política, jogando com o que lembramos e com o que podemos / deixamos esquecer (WHITE, 1995), se posicionou na interseção entre crença e conhecimento: à medida que aumenta seu peso “na construção do público, aumenta também sua influência sobre as construções do passado” (SARLO, 2007, p. 92). A sétima arte se tornou um dos meios essenciais para se discutir as relações e influências mútuas entre história e estética, interferindo definitivamente no imaginário de um público massificado com referências cada vez mais obtusas, presos a uma velocidade que dificulta a assimilação de conteúdos, estruturas, trocas e mudanças. Aliás, há um apontamento “difuso e arraigado em nossa psique – os filmes históricos, mesmos quando sabemos que são representações fantasiosas ou ideológicas, afetam a maneira como vemos o passado” (ROSENSTONE, 2010, p. 18). Desenha-se, assim, uma paisagem política que pende entre a alienação, a compreensão e a transmutação de sentidos, espaço em que as “operações com a história entraram no mercado simbólico do capitalismo tardio” (SARLO, 2007, p. 11).

Portanto, a imbricada penetração da estetização da história no consumo cinematográfico contemporâneo – minimizando o debate sobre quais representações seriam “mais corretas” e enfatizando a variedade de construções narrativas –, gera um ponto de investigação que respeita a liberdade artística e inventiva dos cineastas para então traçar um mapeamento de diretrizes do passado imaginário a partir de uma gama de ficções audiovisuais. Essa problemática mantém uma conexão entre o campo da estética e o desenvolvimento metodológico proposto no campo historiográfico pela Escola dos Annales e pela Nova História. Diversos autores passaram a descartar a existência de um ângulo correto ou perspectiva verdadeira nas leituras históricas, estimulando leituras criativas do passado (WHITE, 1995), que dependiam de um escopo de percepções e intenções, da decisão pelos modos narrativos de encadear e adaptar as fagulhas e vestígios dentro da estrutura da linguagem. O próprio historiador Marc Bloch defende que os profissionais que trabalham com a arte do tempo “precisam evitar tirar de nossa ciência sua parte de poesia” (2011, p. 19). Tanto a arte como a história – sempre imbricando uma na outra – se livraram do fardo de traçarem em suas poéticas uma pretensa cópia literal da realidade, de forma que estamos mais acostumados a ler livros ou assistir filmes que retratam uma mesma época ou personagem com princípios e ambições antagônicos, produzindo uma série de camadas sobrepostas e contraditórias. O passado se fortalece não como uma massa imutável, mas como um caderno de rascunho passível de intervenções transversais.

Epistemologias esquadrinhadas

Desse modo, dentro de uma espécie de 'leitura cinematográfica da história e uma leitura histórica do cinema' (FERRO, 1992), nasce a consciência de que os filmes podem ser considerados como testemunhos que perduram: não apenas carregam 'O' tempo histórico, seja da época em que foram produzidos, do acontecimento sobre o qual se debruçam ou mesmo do transcorrer e reviravoltas de sentido, como possuem 'os' tempos afetivos ligados aos espectadores em diferentes contextos, encobrindo as obras de uma ambiguidade permanente. Esse jogo cruzado de temporalidades é traduzido audiovisualmente por meio da condução da estrutura narrativa e pode ser observado a partir de três grandes tomos epistemológicos dos processos de estetização da história – não absolutos e não totalizantes, passíveis de entrecruzamentos e combinações num único filme. São eles: 1. Monumentalização e Desmistificação; 2. As Alegorias do Presente e 3. Ucronias e Anacronismos. O reordenamento conceitual, estético e ideológico do passado, suas variantes e implicações no imaginário contemporâneo, seguem a dificultosa condição da arte do contar, princípio básico da criação artística na literatura, se envolvendo na astúcia, observada por Guimarães Rosa, que certas coisas passadas têm de se remexerem dos lugares: “são tantas horas de pessoas, tantas coisas em tantos tempos, tudo miúdo recruzado” (2006, p. 184).

Quando Walter Benjamin escreve sobre a diferença entre o que de fato aconteceu e a maneira como contamos, conceito chamado de rememoração, registra a subjetividade que une o passado ao contemporâneo através de nossa existência como sujeitos:

nunca podemos recuperar totalmente o que foi esquecido. E talvez seja bom assim. O choque do resgate do passado seria tão destrutivo que, no exato momento, forçosamente deixaríamos de compreender nossa saudade. Mas é por isso que a compreendemos, e tanto melhor, quanto mais profundo jaz em nós o esquecido (1984, p. 104/105).

O autor defende incisivamente essa natureza própria da faculdade mental que é a memória, capaz de largar ou remontar pedaços de passado pelo caminho, deturpando presenças e colhendo mentiras. Decerto, a narração depende da distância que estabelecemos com a experiência, de modo que o passado assume formas diferentes, seja pela inexistência de vestígios suficientes que estimula uma literatura das lacunas, seja pelo transcorrer dos anos que ampliam o abismo criativo entre o acontecimento e o presente, obrigando um malabarismo de acentos e vírgulas; seja pela distorção premeditada, que adapta curvas narrativas aos ouvidos de um e de outro, personalizando sentidos para cada caso, no intuito de tirar vantagens ou enfatizar derrotas. Benjamin começa seu famoso artigo sobre o narrador, dizendo que "por mais familiar que seja seu nome, o narrador não está de fato presente entre nós, em sua atualidade viva. Ele é algo de distante e que se distancia ainda mais" (1994, p. 234). Por isso não podemos confiar em filmes como India Song (França, 1975), de Marguerite Duras, não por algum tipo específico de deslealdade, mas pela ânsia em romper com os pactos narrativos tradicionais que nos confortam, uma necessidade em afirmar que não se pode narrar como antes, cavando e cruzando discursos que desalinham a relação entre imagem e palavra. O filme é inteiramente narrado por vozes em off, vozes em fluxos de consciência que atravessam distintos patamares da linguagem e do tempo, manchando os enquadramentos com seus espectros semicerrados. Portanto, a mesma voz que remonta experiências passadas diante de uma dança no salão, pode ser da embaixatriz há alguns anos na França ou na Índia; talvez seja resultado de uma observação, num deslocamento sutil para outro cômodo da mansão, de um homem fora de quadro, mas certamente de olhar arguto e desejos lascivos; ou quem sabe, ser um diálogo ácido entre subalternos escondidos, deste ou de outro tempo, que não deixam passar detalhes sórdidos da protagonista deslumbrada. A produção acompanha o ritmo das Monções, sempre enganando a direção dos navegantes por meio de mudanças violentas e repentinas.

É inegável que os processos de produção de consciência - 'fabricantes da história' e criadores de um mundo extinto (ROSENSTONE, 2010) – antes nas mãos de filósofos e pensadores, hoje têm sido perpetuados e maculados através dos discursos cinematográficos. Universos foram recriados por cineastas que apostaram na interpretação do passado a partir de suas impressões e dinâmicas afetivas, estéticas e políticas bastante particulares. O uso da ficção para estabelecer essa relação entre estética e história se dá porque, assim como acredita Paul Feyerabend, “necessitamos de um mundo imaginário para descobrir os traços do mundo real que supomos habitar (e que, talvez, em realidade não passe de outro mundo imaginário)” (1977, P. 42/43). Logo, o passado recriado no cinema carrega uma parábola da realidade para além do ambiente cinematográfico ou como nos diz Jacques Rancière:

O real precisa ser ficcionalizado para ser pensado […] A noção de 'narrativa' nos aprisiona nas oposições de real e do artifício em que se perdem igualmente positivistas e desconstrucionistas. Não se trata de dizer que tudo é ficção. Trata-se de constatar que a ficção da era estética definiu modelos de conexão entre apresentação dos fatos e formas de inteligibilidade que tornam indefinida a fronteira entre razão dos fatos e razão da ficção, e que esses modos de conexão foram retomados pelos historiadores e analistas da realidade social. Escrever a história e escrever histórias pertencem a um mesmo regime de verdade (RANCIÈRE, 2005, p. 58).

Monumentalização e Desmistificação



O processo de monumentalização do passado é marcado por uma visão direcionada pela sobrevivência de grandezas, pela existência do olímpico, natureza indistinguível da ficção mítica (NIETZSCHE, 2003). É um exemplo da história dos acontecimentos, por meio de filmes, geralmente blockbusters como 300 (EUA, 2006), de Zack Snyder ou 10000 a.C, de Roland Emmerich (EUA, 2008), que radicalizam a estetização da História Positivista em seu sentido mais espetacular por meio de um aparato de efeitos ultra-realistas. Tudo é hiperbólico, o desenho da realidade é composto por exageradas camadas de técnica, reforçando grandes feitos, o momento da inscrição dos nomes das personagens na história: abandona-se a sobriedade científica para se instituir um universo supra-real, onde a violência, por exemplo, não se limita aos tiros ou ao sofrimento, mas desemboca num mundo cuja morte só é assegurada pela destruição completa dos corpos (SARLO, 2007) e pelo close-up nos restos humanos. A leitura da história se desfia como uma aventura composta de superações sucessivas de desafios e obstáculos, baseada em explicações superficiais e conduzida num ritmo frenético e de baixa complexidade cognitiva: os protagonistas são nomes conhecidos ou anônimos embrutecidos de heroísmo inscritos em eventos memoráveis no que se convencionou ser a história da humanidade. As produções seguem uma lógica funcional da causa e consequência, numa estrutura mastigada, onde se atribui extrema importância aos “atos, palavras e atitudes de alguns personagens, agrupados em uma cena de duração relativamente curta, em que se concentram, como na tragédia clássica, todas as forças da crise do momento” (BLOCH, 2011, p. 70).

No entanto, inúmeros filmes, seguindo preceitos da Microhistória e dos Estudos Culturais, desmistificam a histórias dos grandes feitos, dos líderes imponentes e célebres, muitas vezes menosprezando suas figuras ou transferindo o recorte para desconhecidos, para a vida cotidiana minimalista, para lugares esquecidos, se dedicando às singelas histórias que acontecem enquanto a grande história se desenrola paralelamente. Um exemplo básico é a trilogia do russo Aleksander Sokurov sobre os grandes chefes de Estado do século XX: O Sol (2005) retrata a intimidade do imperador Hirohito esboçando-o como um bobo lunático, engraçado e temeroso em momentos de risco; em Moloch, (1999) Hitler saltita em brincadeiras lascivas com sua mulher e revela medos infantis; já em Taurus (2001), Lênin vive seus últimos dias sob ajuda de terceiros, fraco, caquético, diferente do empenho com que o associamos pela Revolução de 1917. Sokurov conduz os espectadores a reconsiderarem a confiança que depositaram nas imagens, a confusão entre a dimensão do líder e da nação, alertando para a influência de um século estetizado sobre a nossa memória e cultura. O diretor também procura destituir os grandes líderes dos grandes atos, desmistificando suas imagens por meio de ações absolutamente banais. Sua leitura pessoal do passado desperta para a potência do audiovisual em desconfiar desse armazenamento de visões clichês do passado, estimulando os espectadores a invadirem a história monumental com suas versões alternativas e espaços de subjetividade. 

Talvez a mais famosa história nesse sentido seja a de Anja Rosmus, mulher alemã que inspirou o filme A Cidade Sem Passado (Alemanha, 1990), de Michael Verhoeven, que ainda durante a escola começou a pesquisar sobre a sua cidade natal, que oficialmente foi palco de um campo nazista de trabalhos forçados, firmando-se ao longo das décadas como um dos poucos símbolos de resistência ao nazismo dentro da própria Alemanha. No entanto, a garota não conseguiu investigar o bastante para escrever a redação Minha cidade durante o Terceiro Reich, recebeu conselhos da mãe alertando para só falar coisas positivas, produzindo um material raso, afinal sua entrada não havia sido permitida nos arquivos municipais e aparentemente os líderes mais velhos – executivos, políticos, padres e professores – não conseguiam lembrar o período citado. Havia uma espécie de amnésia coletiva e provocada. Já na universidade, cursando História, essa mesma mulher decidiu voltar ao assunto e durante suas pesquisas preliminares, descobriu um jornal local da época da Segunda Guerra Mundial, cujo editorial defendia todos os preceitos de Adolf Hitler. Inesperadamente, ela se deu conta que o texto havia sido escrito por um de seus professores eméritos e, assim, foi novamente aos arquivos, encontrando uma série de barreiras: “primeiro, dizem que os arquivos estão emprestados; depois, que estão velhos e esfarelados demais para serem usados; mais tarde, que o material diz respeito a pessoas que ainda estão vivas, cuja privacidade não pode ser violada” (ROSENSTONE, 2010, p. 34). 

Ao perceber que seu trabalho estava sendo obstruído, Anja Rosmus processou a cidade e ganhou o direito de entrar nos espaços, descobrindo em seguida que os documentos haviam desaparecido. Ela, contudo, não desistiu e aos poucos foi colhendo vestígios que confirmavam suas suspeitas: empreendedores judeus foram denunciados por alguns dos líderes empresariais e eclesiásticos de sua cidade natal, alguns foram mortos, outros viveram em campos de trabalhos forçados e inúmeros foram submetidos a experiências médicas. Toda produção jornalística pós-guerra que colocava o município como um símbolo de resistência havia sido resultado de uma ação coletiva dos moradores para reescrever a história, transformando os algozes ainda vivos numa espécie de heróis fantasmas (ação coletiva semelhante a que possibilita a narrativa de A Vila (EUA, 2004), de M. Night Shayamalan). Vários chegavam a relatar seus grandes feitos pelos judeus durante o conflito, quando, na verdade, tinham arremessado tijolos nas casas de quem tentava ajudá-los.

Alegorias do Presente

Como nos diz Walter Benjamin, “a história é um objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de 'agoras'” (1994, p. 229/230), e assim sendo, o cinema desenvolveu intricadas relações de presentificação do passado, conduzidas de maneiras completamente diferentes: constata-se que “recorremos a imagens de um passado que são, cada vez mais, imagens daquilo que é mais recente” (SARLO, 2005, p. 96) ou que se apóiam na recapitulação de contextos históricos para refletirem disfarçadamente sobre dilemas da própria atualidade (XAVIER, 2004). Nesse sentido, é indispensável saber em que presente se narra, em que presente se rememora e qual o passado que se recupera (SARLO, 2007), destacando o papel da narrativa nessas intermediações e considerando que o tempo / contexto da enunciação se assenta enquanto base da estrutura do discurso e da estética. É possível tanto olhar para as décadas anteriores enquanto se reflete abertamente sobre o fim do século XX, como fincar observações que não são nem da época retratada nem do contexto do retratista, mas cujo fluxo repousa no encontro disjuntivo de ambas temporalidades. 

Também nesse campo se encontram as mudanças de olhares sobre um mesmo fato a partir do alinhamento de alguns filmes, traçando uma ontologia da discordância, que não apenas reforça a crise da interpretação, como revela a articulação valorativa em permanente mudança a partir do presente que se desloca. A história possui um caráter renovável e contemporâneo, como tão bem percebem autores como Hayden White e Robert Rosenstone. Complementando essa busca teórica, vale lembrar das produções que ganharam novos significados no decorrer dos anos, levando em conta que os espectadores podem ler “de maneiras diferentes ou mesmo inversas, em dois momentos de sua história” (FERRO, 1992, 18). Identificam-se, projetam-se e rejeitam a seguir, consideram progressista, pacifista, depois limitado, paranóico. Talvez a chave seja descartar o pressuposto de que "cada época apresenta-se como totalmente nova”, investindo no preceito que ainda assim cada época “inventa um passado também novo" (CLAIR, 2008, p. 39), quebrando o nexo causal da história, por nexos conduzidos por diferentes orientações, estabelecendo conexões afetivas entre épocas distintas, fundando o “presente como um agora no qual se infiltraram estilhaços do messiânico” (BENJAMIN, 1992 p. 232). 

Essa discussão pode ser observada através de uma breve análise da recepção do filme A Grande Ilusão (França, 1937), de Jean Renoir cuja intenção inicial era se firmar como uma obra pacifista ao criar uma certa cordialidade entre franceses e alemães durante a Primeira Guerra Mundial, quando um grupo da primeira nação terminava prisioneiro no território da segunda. Diante da iminente tensão na Europa, o cineasta pretendia criticar as guerras através do conflito humano aproximado, mas depois do início do conflito em 1939 e especialmente depois da ocupação nazista na França, da resistência e da colaboração, a mesma produção passou a ser observada como colaboracionista pelos franceses e perigosa pelos alemães. Em particular por causa de uma cena em que os oficiais alemão e francês, ambos de origem nobre, conversam em pé de igualdade, mesmo um sendo prisioneiro do outro, gerando uma inevitável sensação de comentário adaptado sobre a realidade do momento. Após a Segunda Guerra Mundial, o filme de Renoir, que chegou a ser considerado perdido após um bombardeio, voltou a ser considerado pacifista por ambos os lados, mas assumindo desde então uma ambiguidade histórica desconcertante. 

Esse tomo também abarca uma discussão sobre nostalgia, recordações e testemunhos, focando especificamente na mistura de contextos históricos com contextos afetivos particulares, uma visão do passado onde a grande história é vista por pontos minimalistas, revalorizando a dimensão do 'eu' baseada na própria experiência dos cineastas e confundindo estruturas de consciência externas e internas. Trata-se do cinema que toma uma vida como referência, considerando que o passado “se refere, em concorrência, a memória e a história, porque nem sempre a história consegue acreditar na memória, e a memória desconfia de uma reconstituição que não coloque em seu centro os direitos da lembrança” (SARLO, 2007, p. 9). A discussão parte da trajetória que atravessa a temporalidade onde a lembrança se ergue até o ponto ao qual se refere, considerando que não há testemunho sem experiência, como tampouco há experiência sem narração, afinal “a narração inscreve a experiência numa temporalidade que não é a de seu acontecer, mas a de sua lembrança” (SARLO, 2007, p. 24/25). Além disso, é necessário resgatar a ideia de imaginário nostálgico, seja pelos vestígios inventados, pelo uso do passado como projeto utópico, criando muitas vezes máscaras no tempo, uma espécie de pós-memória, onde os detalhes e devaneios são resgatados das ruínas, podendo se transmutar em formas oníricas da representação mnemônica. Trata-se de um olhar cuja recriação perpassa não só “por nossas convicções apaixonadas, mas também pela experiência histórica que as formou” (HOBSBAWN, 1995, p. 15). 

Em seus filmes A Imortal (França, 1963) e O Homem que Mente (França, 1968), Alain Robbe Grillet alfineta uma percepção histórica convencional, criando situações em que a mesquita X é a mais antiga da cidade, contudo foi destruída e reconstruída depois da guerra; filma esculturas que são do período helênico, mas foram produzidas há trinta anos; perpassa um cemitério dos servos de Constantino, mas cujas tumbas estão vazias, ninguém está enterrado sob aquela terra. O cineasta não cansa de sobrepor tempos coletivos e tempos individuais: “não olhei o relógio. Se tivesse olhado, descobriria que tinha menos de quatro horas para conhecê-la e talvez isso tivesse me desesperado. Como não olhei, escoei pelo presente”. Sua intenção é – especialmente no segundo filme, que conta a volta de um soldado, ora traidor, ora herói, para a sua aldeia – usar da palavra para inventar passados sobrepostos e reversíveis. O filme toma como ponto de partida os paradigmas de Proust e Bergson, colocando a memória como uma massa dinâmica, passível a transmutações a cada vez que nos apoderamos dela. Boris Varissa (Jean-Louis Trintignant) sobreviveu à experiência da guerra sob rostos emprestados, fincando que ao manejarmos sem controle reminiscências através do véu da ficção, estimulamos o desaparecimento das propriedades de ambas as dimensões, de modo que o movimento de voltar sempre, de lembrar sempre é também um movimento de deslocar sempre, como quem troca de lugar um tesouro dentro de um labirinto: moedas caem e novas moedas entram até que o tesouro se transforma.

Ucronias e Anacronismos

Nesse último tomo, estão as reivindicações da dimensão subjetiva da arte de contar a história, dos diferentes compromissos a serem estabelecidos com a memória, ou seja, o espaço do cinema afirmar sua radical liberdade criativa diante da cobrança de fidedignidade ou verossimilhança, confrontando a confiança depositada nas imagens projetadas. A Ucronia se refere à transgressão absoluta sobre o que aconteceu, uma espécie de história alternativa, com outras consequências, a radicalização do caráter ficcional dentro do universo histórico. Para o crítico francês Paul Valéry, quando a história se apodera de nós e nos sentimos seduzidos a reviver uma aventura do passado, o interesse muitas vezes é sustentado “pelo sentimento de que as coisas poderiam ter sido completamente diferentes, poderiam ter acontecido de outra forma” (VALÉRY, p. 114). Assim, são englobados aqui todos os filmes que constituem suas narrações a partir da lógica do 'e se...', distorcendo o armazenamento canônico de informações ou usando de imagens de arquivo no intuito de metamorfosear sentidos e arquitetar um novo ambiente de narração. 

O caso de Bastardos Inglórios (EUA, 2009), dirigido por Quentin Tarantino é bastante emblemático, pois não se trata de um filme sobre a Segunda Guerra Mundial, mas um inventário do repertório cinematográfico de Tarantino; uma mistura do seu apelo cinéfilo pessoal com o imaginário audiovisual do conflito, forjado película a película, durante os últimos cinquenta anos. Mais uma vez o cineasta aponta para o próprio cinema, faz um filme de mediação tomando um evento histórico como pano de fundo para inundar a tela com suas referências. Traça, portanto, uma releitura do blaxploitation italiano Quel Maledetto treno blindato (1978), de Enzo Castellari, homenageia com a sua cena inicial Era uma vez no Oeste (1968), de Sérgio Leone, e numa sequência parodia O Poderoso Chefão (1972) com um Brad Pitt emulando descaradamente o Don Corleone de Marlon Brando. Tarantino é um detalhista convicto: recria cartazes de filmes da época, copia cabelos, refaz o vestido vermelho de Verônica Voss, revela suas paixões por meio da trilha sonora, pega de empréstimo expressões sutilmente sarcásticas. A narrativa acompanha dois planos para assassinar Hitler, o primeiro organizado por uma mulher judia dona de um cinema em Paris, outro planejado por um grupo de soldados judeus americanos, conhecidos como Bastardos Inglórios, movidos pela vingança. Famosos por quase não fazerem reféns, por terem ordens de matar cem nazistas para cada um, o grupo gera um temor nos oponentes por deixarem os raros sobreviventes marcados com uma suástica na testa. Aliás, o diretor norte-americano costura clichês e subversões de inúmeros gêneros, literalmente montando um filme de guerra por meio de recortes deslocados, vindos de épicos, de faroestes, da comédia, do melodrama e até mesmo do terror. O norte-americano propõe uma transgressão absoluta diante do compromisso com o campo histórico, o filme reforça uma imagem autônoma numa espécie de realidade paralela, um universo que trata de uma época sugerindo uma poética da possibilidade. Bastardos Inglórios não é um filme sobre a Segunda Guerra Mundial, mas uma colcha de retalhos audiovisuais do tempo que nos separa do próprio evento. 

Esse tomo também envolve a questão do anacronismo, tanto como uma monumentalização desreferencializada, como num uso crítico, intempestivo e autoconsciente, tal como nas produções irmãs Singularidades de uma Rapariga Loira (Portugal, 2009) e O Estranho Caso de Angélica (Portugal, 2010), do diretor Manoel de Oliveira. O universo diegético criado pelo português amplia seu charme por meio da confusão temporal na qual se embala, pois não sabemos propriamente 'quando se passa', existem algumas referências recentes em Angélica – a crise econômica, a poluição – mas é como se o encadeamento de elementos "esquecidos" nos planos, os quadros, a mesa, os tapetes, as poltronas, estruturassem um antiquário reunindo e confluindo épocas distantes. Essa dimensão se intensifica graças aos diálogos saídos dos nossos avós, da moral flutuante, do próprio desejo do protagonista - amante das 'coisas antigas' – em retratar homens que aram suas terras com inchadas, não máquinas, resgatando um cotidiano negado até pelos que o ainda compartilham. As fotos reveladas, da Angélica do título morta e da morte de uma prática, repousam juntas no mesmo varal. Se formos adentrar um pouco pelos bastidores, saberemos que o argumento foi escrito ainda no final da década de 1940 e o filme parece agregar essa passagem de mais de sessenta anos em seus enquadramentos estáticos, calmos, de quem tem a curiosidade instigante do observar pelo observar. 

Em Rapariga Loira, por sua vez, uma das cenas se passa não por acaso num antiquário: plano aberto da porta de entrada, penumbra que torneia a profundidade de campo e detalhes da multiplicidade de objetos postulados sob a astúcia do diálogo de tempos através deles. Seguindo o mesmo caminho, o primeiro encontro com direito a apresentação do futuro casal de protagonistas acontece numa sala de estar suntuosa em que cada canto parece saído de um ano diferente da Era Moderna - incluindo os próprios rituais, as condutas, a leitura do poema, os figurinos, a mulher tocando harpa, a cortina da época de Goethe, os sapatos engraxados, o leque oriental da rapariga loira. O anacronismo afetivo e delicado de Oliveira nos concede a chance de nos desapegarmos e formalizarmos o não pertencimento exclusivo a uma única geração, a um bojo de referências restritas, nos revestindo de uma fluidez ao ponto de desenvolvermos (ou cortarmos) fios umbilicais com autores e épocas que não as contíguas ou infantis, libertando alegremente nossos desejos no vasto campo das idiossincrasias da história da humanidade. Assim são os filmes que funcionam como um antiquário, quebrando as fronteiras das temporalidade dos objetos e personagens, constituindo uma narrativa onde se “acumulam em desordem objetos profanos e sagrados, selvagens e civilizados, antigos e modernos, que resumem, cada um, um mundo” (RANCIÈRE, 2005, p. 56) e que unidos geram uma provocação política. Não se pode perder a oportunidade de também problematizar a ausência completa de referências históricas por parte das plateias massificadas, que consomem imagens ficcionais como verdade absoluta, restabelecendo cegamente uma cobrança de realismo dentro do ficcional, expondo uma alienação crescente ao ponto de se perguntarem, por exemplo, se Hitler havia morrido dentro de um cinema em chamas como nos mostrou Tarantino em Bastardos Inglórios ou se o ambiente de Maria Antonieta fora fidedignamente representado no filme homônomo da Sofia Coppola.

Nós, estudantes da década de 60, aprendemos como descobrir fatos e, depois, usá-los para criar narrativas acerca do passado, narrativas cujas verdades subjacentes não questionávamos. Jamais aprendemos algo acerca do que podia se introduzir sorrateiramente naquelas narrativas porque estávamos escrevendo uma forma literária que tinha suas próprias exigências. Jamais aprendemos que o tipo de história que estávamos fazendo era apenas uma maneira de abordar a verdade do passado. Sabíamos que o que havíamos aprendido a escrever era a história real. Sem dúvida, teríamos ficado chocados se alguém tivesse dito que as verdades sobre o passado podiam ser expressas na tela, no cinema ou na televisão (ROSENSTONE, 2010, p. 20)

Considerações Finais


O presente artigo, parte de uma pesquisa que ainda se encontra num estágio inicial, acopla-se a toda discussão no campo historiográfico no sentido de resgatar o que os historiadores escreveram sobre seus próprios ofícios e assimilando o que comentadores escreveram sobre os ofícios destes mesmos historiadores para, então, articular seus aportes teóricos e metodologias com as narrativas cinematográficas contemporâneas. Claro que dentro desse processo, destaca-se a Escola dos Annales, seus mentores Marc Bloch e Lucien Febvre, a partir da segunda década do século passado, a segunda geração com Fernand Braudel e as décadas que resultaram na Nova História, reunindo nomes como Jacques Le Goff, Marc Ferro, Roger Chartier, Michel de Certeau e Pierre Nora. Mais recentemente, como representante de uma perspectiva pós-moderna, temos Hayden White e Robert Rosenstone. A pesquisa se preocupa em considerar a importância dos historiadores terem tomado “consciência de que toda história é sempre construída a partir de fórmulas que direcionam a produção das narrativas” (MAINENTE; GAGLIARDO, 2010, online) e que o fazer histórico está intimamente ligado às regras peculiares do regime estético. 

Além de questionar os preceitos da lógica causal ou rigidamente científica, os autores dessas correntes, especialmente no último estágio, iniciaram a defesa do caráter inventivo e ficcional contido nas narrativas históricas, influência de contextos de onde partiam a enunciação, a partir das recorrentes discordâncias de leituras de eventos por parte dos historiadores ao longo de décadas. Aprofundaram-se, assim, as disputas historiográficas no nível da interpretação, reunindo dinâmicas exclusivas do fazer artístico, comparando a história ao romance, o que deu respaldo aos profissionais passarem a considerar a influência crescente da estética em suas próprias práticas e reforçarem em suas obras uma espécie de autoconsciência lingüística, o que a Beatriz Sarlo chamou de ‘guinada subjetiva da história’ (2007). Portanto, essa experiência epistemológica identifica os componentes estruturais, os modelos de narração e as motivações de filmes que recriam um passado cuja coerência é imaginária, mas que, ainda assim, carregam comentários precisos sobre a realidade e a relação entre presente e passado a partir dos processos de estetização dos fatos e trajetórias, pois os filmes sempre escondem em sua natureza poética uma perspectiva histórica.

Referências Bibliográficas

BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas Volume I. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1994.
_________________ Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa oficial do estado de São Paulo, 2007.
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jor Zahar, 2011.
CAPELATO, Maria Helena et al. (orgs.). História e cinema: dimensões históricas do audiovisual. São Paulo: Alameda, 2007.
FEYERABEND, Paul. Contra o Método. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977.  
 FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
 NIETZSCHE, Friedrich. Segunda consideração extemporânea ou intempestiva. Da utilidade e desvantagem da história para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Ed. 34, 2005.
 ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
 ROSENSTONE, Robert. Visions of past: the challenge of film to our idea of history. Cambridge: Harvard College, 1995.
____________________ História nos filmes / Filmes na história. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
SARLO, Beatriz. Tempo Presente. Notas sobre a mudança de uma cultura. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2005.
 ______________ Tempo Passado. Cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.
VALÈRY, Paul. Impressões sobre a história. IN Variedades. São Paulo: Iluminuras, 2007.
WHITE, Hayden. Trópicos dos discursos. Ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo, EDUSP, 1994.
______________ Meta-história. A imaginacão histórica do século XIX. São Paulo, EDUSP, 1995.
XAVIER, Ismail. Alegorias da História IN RAMOS, Fernão (Org.). Teoria contemporânea do cinema. Pós-estruturalismo e filosofia analítica. São Paulo: Editora Senac, 2004.

três versos curtos sobre recife

o rio é podre,
a praia tem tubarão,
os postes dão choque.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Suspeita

Confesso que nas últimas semanas tenho carregado em silêncio uma triste suspeita: acreditariam, os cineastas, que seus filmes ~provocadores~ sobre a cidade em que vivem são mais importantes que as (inspiradoras) demandas reais desta mesma cidade? Ainda não estou convencido, mas a suspeita logo ganhou corpo através de uma cena, a última de A Mulher das Dunas: depois de fugir de sua algoz, libertar-se da fechadura e atravessar um deserto, o homem encontra um mar revolto e infinito, com ondas resistentes e coletivas, um mar que parece mais a metáfora de um sonho; mas, então, o homem decide voltar para o seu cativeiro, decide passar o resto de seus dias brincando com o seu balde d'água, no qual pode controlar as ondinhas com as suas próprias mãos. Certo de que o cinema é mais importante que a vida, o homem termina conformado em sua condição.