terça-feira, 22 de maio de 2007

Cannes

(Foto: Rodrigo Almeida - Finha no topo da pedra)

Entre outros mil aspectos, um dos ensaios da primeira parte da coletânea, que estou escrevendo para o projeto de conclusão de curso, abordaria a possibilidade de uma crítica – e talvez produção textual se encaixe melhor – que não pretenda persuadir ninguém a assistir a um filme e nem eleger estrelas enquanto critério comparativo. Uma crítica preocupada em construir um diálogo profundo – seja com a obra ao qual se refere, seja com o leitor que a procura, seja com o próprio discurso que propõe – crítica que promove um debate e brinca, não que revela curiosidades e meros detalhes em sinopses publicitárias (ou anti-publicitárias). Pensei na possibilidade do escritor – e não sei se deveria usar jornalista nesse caso – assumir um estilo particular ao escrever, seja através de crônicas ou jogo de palavras, pouco importa, mas sempre fugindo dos desvios repressivos, sem se enrolar em inibições literárias ou temores gramaticais. É preciso ser um pouco como Dean Moriarty, de On the Road: um pouco ousado que seja. É preciso se desvencilhar dos caminhos preconcebidos e da falsa liberdade de imprensa: e a ânsia quase desesperada por velocidade na informação, só torna o resultado menos profundo, não outra coisa. É preciso encontrar um anti-formato que nos compreenda e que nos posicione enquanto tal. E apesar de estar me formando no início do próximo ano, ainda não entendo o motivo pelo qual o jornalismo se tornou tão seco e rígido; tão preso a uma linha de pensamento rasteira e estruturas menores – não entendo as notícias objetivas, as manchetes ordinárias, nem as opiniões uniformes. Não entendo. E sinceramente, o tempo de colocar a culpa na lógica do capitalismo já passou. Vamos eleger um novo bode expiatório qualquer dia desses. Há décadas estamos presos ao mesmo. Talvez seja mais interessante comentar, que escritores eram também jornalistas e enquanto jornalistas mostravam o porquê de escritores. Engraçado que atualmente essas profissões parecem bem distantes. Quase opostas. Exceto quando surgem as impensáveis oficinas de criação literária. Nesse caso, a aproximação se torna inevitável: pelo mal de todos.

Mas não é sobre nada disso que pretendia falar. Quando estabeleci essa premissa teórica de liberdade da escrita, algo que me acompanha há bastante tempo, passei a ter um olhar desconfiado em relação a todo o tipo de crítica, fundamentada em estruturas jornalísticas – que particularmente já não me agradavam muito, mas que nem por isso deixava de ler palavra por palavra. É sempre importante ter o domínio sobre as estruturas antes de criticá-las; importante o bastante para poder desconstruí-las, remontá-las e tocar fogo em tudo sem ter de pagar a conta ao final. A Universidade me ajudou muito nesse sentido. Por outro lado, encontrava na internet ou em publicações especiais, matérias dignas de nota, construções livres e autorais que dialogavam diretamente com minhas propostas semi-acadêmicas – e por um momento, penso que deveria chamá-las de qualquer coisa, menos de crítica. Trata-se de espaços, onde a leitura se concretiza enquanto encontro do discurso do leitor com o discurso do autor, produzindo durante esse contato significados mil¹ – e onde todos os rostos estão bem revelados. Alguns desses inclusive, vinculados diretamente a grandes empresas de comunicação. Outros, disfarçados na informalidade. O que me faz pensar que quem assina o texto ainda é, estritamente responsável por ele, independentemente do sítio onde exponha suas idéias. Já passou o tempo de se esconder atrás das linhas editorais ou do anonimato vazio. É preciso assumir o rosto e levar a tapa quando necessário. É importante se desprender de textos idênticos e escritos por qualquer um, a fim de privilegiar os que possuem um caráter e são elaborados pontualmente por alguém. Há também certo reposicionamento do leitor nesse processo. E o mais interessante ainda é encontrar o seu próprio espaço; responder por seu discurso; ser responsável por cada uma das escolhas – do design aos patrocinadores; e estar presente em todos os resultados. Atualmente, a produção textual mais autêntica ainda parte dessa premissa. É mais complicado e menos glamouroso é bem verdade, mas quem se importa com glamour num calor desses?

E agora, talvez consiga finalmente tocar no assunto que pretendia desde o início e de certa maneira, tornar dúbio tudo escrito até então. Basicamente lembrei de um detalhe essa semana: sempre nos últimos anos, durante o Festival de Cannes, acompanhava as matérias de Kleber Mendonça Filho pelo Jornal do Commercio. E agora, por praticidade mesmo, pelo Cinemascópio. E dessa vez, mesmo com toda minha chatice particular, provavelmente vou ler vários de seus textos, até porque ele escreve bem e tem extrema propriedade sobre o que fala. A questão não é essa. Se tivéssemos falando de Schneider poderia até ser, mas não estamos. Particularmente o que Kleber escreve, não preenche os espaços que me interessam – por mais que assuma e deixe clara a sua postura – o que, por outro lado, me interessa. E às vezes, acredito que seus textos possuem bastante influência, enquanto crítico, de programador e produtor de cinema, e por isso trate de tantos aspectos que, no meu entendimento, são irrelevantes. Isso ficou bem marcado na sua entrevista com o Heitor Dhália (de ‘Nina’ e ‘O Cheiro do Ralo’), onde praticamente não falaram do filme em si; nem desenvolveram nenhum debate estético ou narrativo; nada. A conversa girou em torno de influência do cinema pernambucano – e essa foi uma pergunta péssima, futuros projetos e custos de produções até chegar à bilheteria surreal do Homem Aranha. Fiquei particularmente decepcionado, meio como se tivesse comprado aquela revista que lhe oferecem, mas você nega sem pensar duas vezes: desculpa, mas não me interessa. É como se não tivesse negado e por um dia inteiro tivesse de carregá-la para cima e para baixo. Nesses momentos, não há peso pior.

De qualquer forma, a cobertura de Cannes é uma exceção. Fico ansioso em ler suas impressões sobre alguns filmes, como My blueberry Nights, do Wong Kar-wai ou No Country for Old Men, dos Irmãos Cohen. Fico ansioso mesmo. Milhares de outros jornais também estão fazendo a cobertura, mas acompanho pelo Cinemascópio simplesmente por poder prever, ao já conhecer o estilo do crítico, quais e quais impressões me causam alguma reação. E também erro, obviamente, mas não fico preso na total aleatoriedade de crer cegamente no que ele tem a dizer. Ele impõe o discurso dele; eu imponho o meu: tudo se acerta. Nunca iríamos concordar sobre um filme de Alejandro González Iñárritu, por exemplo. O que espero de uma crítica, nesse caso – e é nesse caso, que isso fique bem claro, é um punhado de impressões e algumas poucas curiosidades. E justamente eu, que levantei um pilar da minha coletânea de ensaios para criticar esse tipo de produção textual. Engraçado. Cheguei a conclusão que tenho de ser mais firme no que vou propor e menos rigoroso no que vou criticar. E não por estar fugindo. Não mesmo. Apenas porque existe espaço para todo tipo de escrito sobre cinema e o quão mais diferentes forem os estilos e intenções, mais profícuo se torna o espaço de possibilidades. Cada leitor que escolha o texto de sua preferência para debater, afinal somente ele mesmo é responsável por isso. E espero não ouvir reclamações.


Referência:

1 – Essa idéia parte um pouco postulações propostas por Stuart Hall in STAM, Robert. Introdução à Teoria do Cinema – Cap. 30 ‘A Ascensão dos Estudos Culturais’ – Campinas, SP: Papirus, 2003.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Bonitinha, mas ordinária!


Para quem costuma ir sozinho ao cinema, a ausência de uma opinião alheia na saída do filme, não provoca, necessariamente, o esvaziamento de um possível debate teórico, mas um diálogo interior entre seus próprios demônios. Um diálogo silencioso e brando. E não é preciso muito até que se encontre alguma forma banal de exteriorização: uma conversa de bar; uma crítica num jornal; um poema num blog. De antemão é uma experiência extremamente interessante, pois é possível identificar nas linhas de construção do discurso, elementos da sua própria personalidade. Passamos a analisar não apenas o filme em si, mas a maneira como nos portamos diante dele, como tais e tais elementos estéticos reverberam em sensações – e muito do que sentimos diante de uma obra de arte, diz respeito a quem nós somos e ao momento em que vivemos. É importante saber identificar isso. Entretanto, todos esses devaneios particulares, que juntos vem a formar a opinião pessoal, são frutos de uma única fonte, de uma única origem – ainda que se provoquem, contradigam-se, sigam em caminhos opostos. Todos eles se formam num mesmo ponto, num mesmo corpo; são crias de um único ‘olhar’. Dessa maneira, para fugir um pouco dos próprios demônios, é preciso estabelecer um verdadeiro debate fecundo, com vozes diversas, formações estruturadas na alteridade, olhares pessoais que expandam a percepção do espectador – as idéias se multiplicam, os detalhes se revelam. E ao final da sessão de Carta de Uma Desconhecida (EUA, 1948), de Max Ophuls, tive plena certeza sobre isso. Particularmente havia detestado o filme: apesar da beleza estética e de algumas construções formais, não passava de um melodrama ordinário, excessivamente piegas, excessivamente clássico, excessivamente didático. Nem o apelo Wertheriano me convenceria. Ao final do rápido debate que se seguiu à projeção, onde foram expostos diferentes pontos de vista sobre o filme, já havia transformado um pouco a minha opinião. Mas foram necessários dois dias para que outra conotação tomasse minha cabeça. E se os devaneios demoram a se tornar uma opinião firme – mas nunca imutável – a crítica também precisa de um tempo próprio, para se estabelecer enquanto tal. Um tempo para pensar e repensar sobre tudo. Inclusive sobre ela mesma.

A primeira impressão pode não permanecer intacta, mas também não desaparece sem deixar resquícios. Por mais que o filme tivesse uma inegável qualidade técnica, bem marcada tanto na bela fotografia em preto e branco, como na movimentação sutil da câmera, não conseguia me desvincular do excesso de classicismo em todos os elementos – inclusive nos dois aqui já pontuados. Além disso, a narrativa em si não me convenceu, havia melodrama demais, romantismo demais, Hollywood demais. O didatismo narrativo presente através de certas recorrências chegava a me irritar. E apesar de ter consciência de que Carta de uma Desconhecida é vinculado estritamente ao olhar, ao desejo e ao amor platônico de Lisa, não dei maior importância ao fato. Um erro que mudaria toda minha visão após o debate. Quando essa questão foi levantada, refleti que esse era o ponto mais importante do filme, pois o tangenciava do início ao fim – e definia a maneira como a obra fora concebida. E a partir do momento que posicionei, dentro de minha opinião, esse elemento enquanto questão central, pude perceber como todas minhas críticas negativas perdiam espaço, para um coerência crescente. Aquela obra era boba, romântica, clássica, idiota e bela porque eram reflexos da própria personagem boba, romântica, idiota e bela. O filme não é uma história de amor qualquer, é a história pontual do amor de Lisa para com um pianista promissor, Stefan, que sequer sabe de sua existência. Amor focado, ilimitado, mas não recíproco. O músico não possui amor algum. Apenas dispersões para todos os lados. Se o filme fosse visto a partir de sua visão, provavelmente seria mais ousado e a mulher talvez nem tivesse espaço. Talvez fosse melhor. Ou talvez não, afinal a grande sacada é direcionar a estética do filme a partir da visão de um personagem. E pouco importa o personagem. Do momento que terminou a projeção ao momento em que escrevo esse texto, a mesma obra transitou por pólos opostos dentro do meu juízo de valor - quase como se fossem duas obras diferentes. Isso me lembra uma outra história, ocorrida quando fui assistir Kill Bill – Volume I, de Quentin Tarantino com o meu melhor amigo. Ao final do filme, saímos extasiados, tínhamos adorado. Fomos comer. Conversamos durante pouco mais de uma hora e ainda que tenhamos, os dois, gostado bastante do filme, passamos a expor diferentes razões para justificar isso. E à medida que expunha minhas razões, ele passava a gostar menos do filme e quando ele expunha as dele, o mesmo acontecia comigo. Chegamos a conclusão que tínhamos presenciado películas diferentes e ponto. Resolvemos parar de discutir e continuar a gostar do filme. Cada um a sua maneira.

sábado, 12 de maio de 2007

Merda!

(Foto: Rodrigo Almeida - Rodrigo diante do espelho [celular])

O cinema já nos deu de tudo. De galáxias exóticas a corredores desinteressantes, todo tipo de universo já foi construído. Alguns até repetidamente sem cansaço. Outros, raros, carregados de unicidade. Mas de qualquer maneira, a criação e o desenvolvimento de uma diegese particular por parte de um cineasta (e de qualquer artista), é um processo interessante, especialmente quando consegue estabelecer o contrato de credibilidade: agora siga a linha desse pensamento e volte apenas quando a obra terminar. Talvez alguns indaguem – e com certa razão – que qualquer filme é, necessariamente, a criação de um universo particular. Mas não acredito que a minha frase anterior esteja carregada de uma redundância qualquer. Enquanto pressuposto faz sentido, mas na realização propriamente dita, quão mais elementos entrem na lógica, por mais nonsense que ela pareça, do universo proposto, mais complexamente vai funcionar a formação diegética. E mais propenso ao contrato vai estar o espectador. Não é fácil convidar um total estranho a se entregar a uma realidade esquisita, sem que em poucos minutos ele esteja questionando a fonte do fantástico e estrague tudo. E justamente a partir dessa perspectiva, que resolvi escrever sobre O Cheiro do Ralo (Brasil, 2007), de Heitor Dhália. O diretor propôs o contrato e eu o assinei sem delongas. É impressionante como todos os elementos, da música aos objetos, dos diálogos aos personagens, da edição ao figurino convergem numa mesma direção, de tal maneira que o universo sugerido se torna extremamente firme, com uma estética extremamente concisa, própria, coerente; ainda que tudo seja esdrúxulo, esdrúxulo ao limite. Fica uma sensação de sincronia criativa e bizarra extremamente confortável.

Particularmente tenho interesse nos universos, que tomam a realidade cotidiana para si e iniciam um processo de deformação sutil, até alcançar um estágio surrealista ou esquizofrênico. Ou os dois simultaneamente se alguém conseguir chegar a um conceito que bem os diferencie. É como numa foto tremida, pois, apesar de ainda existirem referências ao que foi fotografado, não há dúvida que esse referencial se tornou outra coisa, por conta das deformações presentes. Peixe Grande, de Tim Burton é um bom exemplo disso – funciona até mesmo como metáfora dessa questão. Particularmente gosto quando um cineasta propõe, desenvolve e assume um universo em um filme. Um universo seu; criado por si; envolto nas mais diferentes inspirações suas – ainda que adaptação de uma obra outra. Não há aquele temor de segurar um discurso quebrado sobre verdade. Acredito que é justamente nessa deformação que reside o valor artístico de uma obra; que é nessa diferença entre o que se torna objeto e o que era sujeito, nessa maneira de brincar com o olhar de quem vê e de quem faz, que o aparato técnico passa pelo filtro humano. E esse tipo de coisa, me lembra a primeira sensação que eu tive ao ter contato com quadrinhos, ainda guri. Dessas histórias, as que eu mais me interessava (porque obviamente nem todos seguem essa lógica) estavam estritamente ligadas a uma realidade que nos pertence cotidianamente, ao mesmo tempo em que, constrói um segmento fantástico que desvincula totalmente de qualquer dia-a-dia. Um ponto que se aproxima e se afasta, até se tornar sem distância. Essa ambivalência me fascina. Não à toa Peter Parker era um dos meus amigos imaginários mais freqüentes. E se em Nina, já havia uma passagem clara de um estágio de normalidade habitual a insanidade extrema, O Cheiro do Ralo, consegue consolidar esse percurso ainda com menos deslizes. Na verdade, o primeiro longa-metragem do diretor é extremamente importante no segundo. Soa como uma evolução natural, como um desenvolvimento natural. E ter visto que vários nomes se repetiam na equipe das duas produções, certamente me deixou muito feliz. De um filme ao outro, há um aprendizado imenso que pode ser percorrido por quem assiste e que necessariamente foi percorrido por quem fez. Bom para todos ao final.

terça-feira, 8 de maio de 2007

05

Quando a sua saudade se tornar bocejo, estaremos conversados.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

04

Não precisa aceitar se não quiser.

Mesmo entre a névoa das nossas fantasias mais infundadas, nenhum de nossos amigos imaginários soube brincar com o amor e o ódio, tão intensamente como a gente fez. Nenhum de meus personagens, nenhuma das estrelas extintas, nenhum dos cachorros do Recife antigo. Somos um espírito quase em comum adormecido em duas crianças indecisas. Por ora danadas, senão enxeridas. Somos as pequenas brincadeiras diante do espelho, todos os traços que diferenciam nossos corpos. Somos as partículas subatômicas flutuando por entre as fendas do tempo. E não se preocupe, não iremos desmaiar.

Mesmo entre os delírios dos nossos sonhos mais profundos, nenhum de nossos amigos imaginários soube desenhar tantas noites sem fim como a gente fez. As madrugadas não se tornaram borradas, os dias não perderam a graça. E quantos vinhos já bebemos em uma hora? E quantos cigarros deixamos de acender? Somos o gancho do telefonema sem assunto, o brinde antes de deitarmos na sarjeta. Estamos compartilhando de nossas utopias, destruindo seus fantasmas e dançando sob o estigma da mesma crise. Somos um rastro de cometa flutuando por entre universos paralelos. E não se preocupe, não iremos nos perder.

Mesmo entre os lapsos de tempo mais radicais, nenhum de nossos amigos imaginários soube acreditar tanto em nossa amizade como a gente fez. Nenhum desses deuses hindus, nenhuma das suas alucinações pessoais, nenhum dos nossos duendes de jardim. Somos os bêbados guardando as lágrimas bem azuis em um potinho, os mendigos felizes por verem um sapo mergulhando em um pudim e a ternura que temos em mente poucos minutos antes de dormir. E resta-me, ouvir sua expressão mais ínfima, tentar enxergar para além de seu olhar verde-rubro e dar-lhe um sorriso de presente. E não se preocupe, eu não vou desistir.

Desculpa. =~~

Rodrigo.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

03

Sou ícaro, o seu sonho e o seu fim.
As raposas e os lobos.
Sou também o laço que os une.