Se no primeiro e-mail que mandei para vocês procurei me focar no impacto que a presença dos militares de Realengo me causaram, na agressividade emanada por toda aquela estrutura arcaica, realmente o escrevi sem ter contato algum com a fama que a polícia urbana tem por aqui. Estou com a impressão que simplesmente todos os cariocas têm medo da polícia e, por incrível que pareça, nesse quesito, não importa a cor, a religião, a orientação sexual ou a classe social. Sequer importa a culpa que cada um carrega. De vez em quando escuto falar de alguém que pirou por conta da pressão constante e, de fato, não é muito difícil desenvolver uma síndrome do pânico por aqui. Ariadne até me deu a recomendação de só fumar maconha no morro ou em casa, falou que 'a coisa aqui não é brincadeira', dei pouca importância, admito, também nem estou fumando muito, mas depois que vi várias pessoas comentando no mesmo tom, abaixando a cabeça ao passar de qualquer viatura, entendi a dimensão da coisa. No início, fiquei meio assustado com esse clima velho oeste, mas agora é muito sério, estou de saco cheio desse medo instituído.
Pra vocês terem uma ideia, dia desses, fumando no carro de um dos playboys de Botafogo, passamos numa área militar na Urca e, do nada, um dos caras dentro do carro praticamente começou a chorar. Seu nome é Felipe, ele era instrutor do Detran e nas horas vagas fazia doideiras no trânsito, pega e afins, como metade dos motoristas daqui. Pelo que entendi, ele bateu com o carro duas vezes e em ambas, a conta deu perda total. Ele está passando seus últimos dias na cidade, a família vai mandá-lo para Boston na próxima semana para trabalhar como peão numa obra. Conversamos bastante: ele sempre meio choroso, cabisbaixo, ansioso e eu tocado, por um lado, e afim de escutar boas histórias pelo outro. Desde o último acidente, tenho sérias dúvidas se alguém morreu, ele tem trabalhado insistentemente para mudar seu ritmo de vida e sua personalidade, deixar de ser a figura mais louca da turma, quase um desespero por se tornar careta e conseguir levar uma vida correta. Ele é um cara bom, simpatizei, queria mesmo que se arrumasse nos Estados Unidos, porque se tudo der errado e ele voltar pra cá, o Rio de Janeiro vai devorar ele vivo.
Quanto ao medo no uso de drogas, terminei colocando o assunto com a playboyzada, fazendo uma espécie de comparativo, e a primeira coisa que me chamou a atenção foi o fato deles desconhecerem a lei do usuário ou, se conheciam, tomavam-na como lenda urbana. O segundo momento foi o choque: eles ficaram boquiabertos quando contei que em Recife, os usuários costumam pegar 50 gramas de uma só vez, que geralmente compram o que vão consumir no mês, que fumam na rua em vários pontos da cidade, que andam com maconha no bolso. Por aqui, alegaram que independentemente da quantidade, um baseado que seja, precisam enfiar na cueca. Calma: tudo bem que o que eles fumam é merda de boi com amônia, mas ao menos arrumaram um jeito de não fumarem pentelho, pois o bagulho vem dentro de um saquinho plástico, daí podem até enfiar no cu de acordo com o grau da mania de perseguição. O fato da polícia tocar terror criou um pânico intensivo em todos os usuários, um número bastante alto diga-se de passagem, e internalizou uma condição de criminoso numa grande parcela da população.
Outro ponto importante é como o uso de drogas está muito distante do consumo sadio, fazendo jus ao retrato de problema de saúde pública que tantas ongs insistem em dar. Não sei se é pela ausência de maconha solta, mas acredito que a junção de 1. opções diversas de drogas + 2. poder aquisitivo bem maior que o nosso resultou numa incógnita trágica-réquiem-para-um-sonho-trainspotting. Fui numa rua que fica na subida do morro, num barzinho que de tarde é mó legal, sinuca, playtime, mas que à noite perde toda sua graça . Quando me dei conta, a rua estava tomada por um bando de viciadões, gente rica, pobre, estudante, executivo, todos com olhos esbugalhados, rondando de um lado para o outro como zumbis, fumando maconha, crack, cheirando cocaína, loló, clorofôrmio, injetando, a porra a quatro. Entre eles, notei uns vendedores e bateu uma raiva do caralho dada a decadência dos clientes. George Romero choraria de prazer se fosse um filme e alguns recifenses não durariam dois dias se entrassem no oba-oba. Desde então, dei um tempo na maconha: tenho a sensação que aqui qualquer besteirinha bonitinha pode virar uma coisa perigosa.
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