sábado, 14 de junho de 2008

Pichação


Lembro que quando fui à exposição Estética da Periferia, se bem me lembro no Mamam, achei toda ideia de um péssimo gosto. Não pelas obras em si, nem pelos textos, mas por acreditar que o que estava sendo exibido e discutido ali, em especial ações como a pichação ou grafite se preferir, não fazia sentido isolado da urbe e fora de seus contextos. Pareceu-me mais uma maneira de amenizar as tensões com o subúrbio que uma demonstração de 'diálogo urgente' com ele. Acho que dar uma parede para um pichador e dizer que ali ele pode pintar sem problema é simplesmente retirar toda significação social e toda transgressão que trouxeram a pichação até aqui. A exposição me soou como uma anestesia: um discurso que serve muito mais para iludir do que para mostrar. Sem contar que fazer uma vernissage popular, a base de cerveja e sarapatel, foi constrangedor como todo surto pseudo-social em ambientes altamente burgueses. Ok, podem alegar que a visibilidade desse material num museu é um processo de legitimação importante para os jovens pichadores, mas acho que essa legitimação pacífica não funciona muito bem. Passei um bom tempo com isso engasgado, porque a permissividade, para mim, nada tem a ver com pichação e isso é um dos seus trunfos numa época em que o próprio conceito de arte está em questão. Um dia isso teria de ser percebido e acho que o foi, numa ótima sacada do estudante paulista Rafael Augustaitiz de 24 anos. Prestes a se formar no curso de Artes Visuais do Centro Universitário de Belas Artes, em São Paulo, ele - bolsista integral e pichador desde os 13 - resolveu apresentar como conclusão de curso, além de um texto de 28 páginas (vou atrás), uma intervenção de 40 pichadores no espaço acadêmico. Obviamente sem aviso prévio. Daí vocês imaginam que rolou o maior pau com os seguranças, correria louca de acadêmicos para lá e para cá, pichação geral, spray na cara, Rafael e mais seis presos e um ato que, para mim, é muito mais relevante que qualquer exposição ou enquadramento num museu. Quem quiser ler a matéria, originalmente publicada na Folha de São Paulo dessa última sexta, pode entrar aqui. Fiquei com preguiça de scannear e achei que o texto não deu voz sufiente ao artista. Essa parte da matéria resume um pouco o que estou dizendo ou tentando dizer: "Rafael amanheceu o dia de ontem em companhia de mais seis acusados de pichação no 36º Distrito Policial, no Paraíso. Duas estudantes de publicidade da Escola de Propaganda e Marketing, que fica em frente à Belas Artes, estavam lá também, exigindo: "Essa gente tem de se ferrar." As duas acusavam o grupo de pichadores de riscar o Honda Fit cor de champagne que saiu da concessionária "há menos de uma semana". ¬¬. Acho engraçado que na frente do Mamam, no dia da vernissage da exposição 'Estética da Periferia' não faltaram Hondas Fit. Uma pena que as pichações estavam todas lá dentro.

6 comentários:

Rodrigo Almeida disse...

Percebi que tudo relacionado a esse fato foi depois repassado pendendo entre os cadernos de cultura e o de polícia. E tanto num, e óbvio no outro, praticamente só encontrei textos classificando o ato do cara como 'vandalismo puro', como algo sem nenhuma relevância artística. Tipo isso. Fico de cara. o_O. E aqui está rolando um papo legal.

Anônimo disse...

Há!
Fiquei sabendo por via indireta de funcionários da Belas Artes sobre o acontecido, e resolvi procurar...
Realmente só o que achei foram textos que salientavam os depoimentos da coordenadora sobre "o terrorismo" (lololololmao) ou dos estudantes sobre o ato de vandalismo...
ótimo ver que quem realmente importa teve acesso à informação e está passando com excelência para seu verdadeiro público.
Adorei o texto.

Anônimo disse...

Juro que quando fui à vernissage nem me perguntei sobre o real motivo daquilo ali. Talvez porque estivesse, ou ainda está, na moda falar da periferia como algo comum a todos e bem presente, como uma raiz, na maior parte da população. E de fato está, tem muito mais pobre e miserável no mundo do que rico, mas a questão aqui é outra: é querer satisfazer (ou bonificar, glorificar) aos pobres como um meio de pedir desculpas ou de iludir. É a velha história do assistencialismo, das desculpas e das emendas que de nada servem. No caso da arte isso fica mais maqueado ou não presente, visto que a arte ainda é burguesa, porque quem faz arte sabe o que tá fazendo e tem o mínimo de recurso para tal. Isso vai bem mais além da nossa vã filosofia, mas o que ainda me preocupa é até quando as emendas e os blushes vão maquiar as coisas? E mais, se há liberdade de expressão nas ruas e museus por que não nas instituições formadoras de opinião?

Edson disse...

Botei a minha opinião lá no meu blog: http://ceusdonorte.wordpress.com/2008/06/17/libertar-o-brasil-construir-o-socialismo/

Anônimo disse...

Você escreve bem, pena que tem um raciocínio tnao restrito. Rafael Augustaitiz pode ser chamado de artista, revolucionário, espertinho ou até mesmo burro. Mas o ato classificado de vandalismo ou pixação só serviu para chamar mais atenção à diferença social, ou denegrir a tentativa de 'socializar' o grafite como possível arte.
Pixação pode ser louvável em termos de forma de expressão de uma classe, mas como outros movimentos imaturos e ignorantes, sempre vai bater de frente com uma barreira enorme: O bom senso da vida em sociedade.

Se tá a fim de apoiar o movimento, engole cedo os Hondas-fit na vernissage. Torce pra ver mais e mais burgês gostando do seu trabalho artístico.

Destriu a faculdade que eu to pagando com o maior esforço pra poder ter um emprego digno no futuro? Se fudeu. To torcendo pra ir pra cadeia e mofar ali até aprender o que é manifestação artísica e o que é depredação de fixos públicos e propriedade particular.

Anônimo disse...

Tô adorando esse clima de polêmica.