A melhor surpresa cinematográfica da semana foi Romance e Cigarros (2005), escrito e dirigido pelo ator John Turturro e produzido pelos agora já bem famosos irmãos Coen. Pra começar, comprei o filme sem expectativas e sem informações, por míseros R$ 2,50 num pirata chuchu beleza da rua do Hospício. Espero que os artistas da tela grande não se importem, mas, todo começo de mês, vou lá e faço minha feira mensal. 8 filmes por R$ 20,00. Vem até com 8 dias úteis de garantia e a variedade de DVDs foge um pouco da concorrência vizinha, da programação multiplex, dos dvds de brega-rapariga-é-você e das putarias de famosos em geral (lembrando sempre que a cultura trash também pode ter lá o seu charme). Só para termos uma idéia, nessa mesma compra adquiri O Pagador de Promessas (1962), do Anselmo Duarte, Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver (1967), do José Mojica Marins, A Guerra do Fogo (1981), de Jean-Jacques Annaud e Piaf (2007), do Olivier Dahan. Mês que vem, entretanto, o pornô da Leila Lopes, 'Pecados e Tentações' já está garantido. Numa entrevista tosca e recente, ela disse que escolheu o ator com quem iria 'contracenar' a dedo. Resultado: deu o papel a um rapaz chamado Carlos Bazooka. Entendo que depois de tanta plástica no rosto, ela ainda queira ver o mundo rodar-rodar-rodar e rodar. Enfim, é por essa e outras que adoro a pirataria lá do centrão da cidade e lá de Casa Amarela. É menos cult que a Classic, convenhamos, mas é absolutamente o tipo de comércio que me dá orgulho de existir e nem me venham falar sobre direitos autorais, propriedade intelectual que esses temas já estão muito fora de moda. Simplesmente não fazem mais parte do espírito de meu tempo. Para quem o nome John Turturro não significa muita coisa, vale lembrar que como ator ele fez seu debut numa pequena participação em Touro Indomável, atuou em vários filmes independentes legais, trabalhou com Spike Lee e com os já citados irmãos Coen, ganhou dinheiro em filmes comerciais (tipo o recém Transformes) e até já levou o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes em 1991 (por sua atuação em Barton Fink). Comumente o colocam como um dos artistas mais representativos da sua geração, eu até concordo, mas particularmente fico receoso com esse tipo de elogio. Parece-me como o resumo do resumo do resumo de um artista esquecendo o que, de fato, ele já fez. Ok, talvez eu esteja exagerando.
Voltando a Romance e Cigarros, vale dizer que comprei o DVD basicamente porque não conhecia as aventuras do John Turturro no campo da direção. Gostei do resultado. Acho que vou buscar até os outros dois: Mac (1992) e Illuminata (1998). Se estes tiverem metade das sacadas do último já vale arriscar. O filme em questão não é uma prova de gênero - não é apenas um musical - mas também um musical. Não sei se perdi o fio da meada, mas enxergo a obra como um ensaio em que o diretor debate a idéia de que o gênero não pode mais ser colocado apenas como organização estrutural do cinema, ou das ocadoras, e sim como linguagem re-significada, transformada (algo que O Hospedeiro também traz de outra forma). Cria-se assim uma história de amor que passeia sem constrangimentos por vários estilos até o fim. Começa com a filha, Mary-Louise Parker, acendendo um cigarro e o colocando nos dedos do pai que dorme e ronca no sofá da sala. Não sei porque, mas adoro brincadeiras de mau gosto 'só pra começar'. Em seguida, temos uma briga de casal entre a Susan Sarandon e o James Gandolfini, o que nos remete a um drama doméstico sobre traição e redenção, que se mantém tencionado entre uma comédia louca fundada num humor negro bem irmãos Coen, com saídas malucas de roteiro e uma comédia melosa-romântica, com uma inteligência bem acima da média. Tudo isso temperado por um tom musical e pelas fugas de realidade típicas dos musicais, o que me soou altamente moderno (e a clara afeição pelas canções ajudou tudo). Por fim, volta o drama pesado a partir de uma doença terminal causada pelo cigarro, que abate justamente o patriarca da família entorno do qual toda trama se desenvolve. Esse momento é suavizado apenas pela leveza ou beleza de condução formal do diretor e cheguei a ficar preocupado na aparição de um possível discurso de culpa, o que não acontece. O cara morre com classe: fumou a vida toda, sabe que vai morrer logo mais, o quadro é irremediável e continua tendo a nicotina como sua verdadeira garota. O John Turturro segurou a onda do personagem até o fim. Digo que segurou até para além da geléia geral de gêneros, o que numa descrição primária pode parecer confuso, mas que, pelo contrário, funciona muito bem. Principalmente porque nos (ou me) joga pensamentos, brincadeiras daquelas que perdemos e criamos todos os dias, além de carregar consigo uma reflexão sobre o que é o gênero de um filme no cinema contemporâneo. Uma piada, só isso. E até uma piada boa de vez quando. Sem contar que chega ser absurda a quantidade de reações diferentes que cada unidade causa. Numa hora estava gargalhando de doer a barriga e logo depois, quando menos espero, estou cantando 'A Man without Love' junto com o Gandolfini pra na sequência ficar abatido, triste; então sentir como o amor é brega mesmo, ficar emocionado e só superar quando o Christopher Walken entra em cena, com um claro caráter-cafajeste, cantando Trouble, do Elvis. Quase pulo do sofá e não demora muito até estar gargalhando novamente. Putz... John Turturro dá uma aula. Nem Barton Fink faria tão bem.
Gostei tanto do filme que resolvi, atitude não tão comum para mim, investigar com cuidado os extras um por um. Duas coisas me chamaram a atenção. Primeiro foi a típica seleção de cenas excluídas blá blá blá. Diferente de boa parte dos filmes, aqui as cenas funcionam como pedaços descontínuos do filme, como se pudessem fazer realmente parte do filme, de tal modo que podemos até sentir como se aqueles trechos integrassem a obra. Numa delas, há um diálogo entre o James Gandolfini e o Steve Buscemi, provavelmente uma das cenas melhor escritas do filme - opinião do próprio diretor - que termina fora do recorte final. É interessante perceber que a cena não foi incluída, porque ela iria se tornar retórica diante do que implicitamente já foi trabalhado no filme. É uma cena até de um tom mais filósofico sobre o velho amor, traição e redenção ali de cima, mas por ser do fim era simplesmente óbvia e explícita demais. Já tínhamos entendido tudo. Por isso, rolou a exclusão que como eu disse não é bem uma exclusão, mas uma descontinuidade. Só pra lembrar de outro extra, mais divertido ainda é quando o John Turturro fala que algumas daquelas filmagens foram feitas só por diversão. Quase como um estímulo ao poder criativo do improviso: sua prima está na cama e começa a dizer que precisa beijar, precisa beijar, então um técnico de som tira a roupa e entra em cena para seduzi-la. Ela continua a cena até que começa a rir. Hilário. O melhor é que o filme todo parece filmado na linha just for fun. A segunda coisa sobre os extras é que pela primeira vez ou terceira vez, resolvi assistir a um filme, depois da primeira sessão, com os comentários do diretor no lugar do som original. Sempre achei esse recurso dos DVDs um excesso desviante da obra em si. Não mudei tanto de idéia. É excessivo, é puramente um culto aos entornos da obra, se baseia em detalhismo, é procurar saber todas explicações para todas as escolhas... e assim indefinidamente. Mas não sei bem se isso enevoa a obra. Não aconteceu. Estou bem com isso. Acho que vou até ali baixar a trilha sonora do filme.
Voltando a Romance e Cigarros, vale dizer que comprei o DVD basicamente porque não conhecia as aventuras do John Turturro no campo da direção. Gostei do resultado. Acho que vou buscar até os outros dois: Mac (1992) e Illuminata (1998). Se estes tiverem metade das sacadas do último já vale arriscar. O filme em questão não é uma prova de gênero - não é apenas um musical - mas também um musical. Não sei se perdi o fio da meada, mas enxergo a obra como um ensaio em que o diretor debate a idéia de que o gênero não pode mais ser colocado apenas como organização estrutural do cinema, ou das ocadoras, e sim como linguagem re-significada, transformada (algo que O Hospedeiro também traz de outra forma). Cria-se assim uma história de amor que passeia sem constrangimentos por vários estilos até o fim. Começa com a filha, Mary-Louise Parker, acendendo um cigarro e o colocando nos dedos do pai que dorme e ronca no sofá da sala. Não sei porque, mas adoro brincadeiras de mau gosto 'só pra começar'. Em seguida, temos uma briga de casal entre a Susan Sarandon e o James Gandolfini, o que nos remete a um drama doméstico sobre traição e redenção, que se mantém tencionado entre uma comédia louca fundada num humor negro bem irmãos Coen, com saídas malucas de roteiro e uma comédia melosa-romântica, com uma inteligência bem acima da média. Tudo isso temperado por um tom musical e pelas fugas de realidade típicas dos musicais, o que me soou altamente moderno (e a clara afeição pelas canções ajudou tudo). Por fim, volta o drama pesado a partir de uma doença terminal causada pelo cigarro, que abate justamente o patriarca da família entorno do qual toda trama se desenvolve. Esse momento é suavizado apenas pela leveza ou beleza de condução formal do diretor e cheguei a ficar preocupado na aparição de um possível discurso de culpa, o que não acontece. O cara morre com classe: fumou a vida toda, sabe que vai morrer logo mais, o quadro é irremediável e continua tendo a nicotina como sua verdadeira garota. O John Turturro segurou a onda do personagem até o fim. Digo que segurou até para além da geléia geral de gêneros, o que numa descrição primária pode parecer confuso, mas que, pelo contrário, funciona muito bem. Principalmente porque nos (ou me) joga pensamentos, brincadeiras daquelas que perdemos e criamos todos os dias, além de carregar consigo uma reflexão sobre o que é o gênero de um filme no cinema contemporâneo. Uma piada, só isso. E até uma piada boa de vez quando. Sem contar que chega ser absurda a quantidade de reações diferentes que cada unidade causa. Numa hora estava gargalhando de doer a barriga e logo depois, quando menos espero, estou cantando 'A Man without Love' junto com o Gandolfini pra na sequência ficar abatido, triste; então sentir como o amor é brega mesmo, ficar emocionado e só superar quando o Christopher Walken entra em cena, com um claro caráter-cafajeste, cantando Trouble, do Elvis. Quase pulo do sofá e não demora muito até estar gargalhando novamente. Putz... John Turturro dá uma aula. Nem Barton Fink faria tão bem.
Gostei tanto do filme que resolvi, atitude não tão comum para mim, investigar com cuidado os extras um por um. Duas coisas me chamaram a atenção. Primeiro foi a típica seleção de cenas excluídas blá blá blá. Diferente de boa parte dos filmes, aqui as cenas funcionam como pedaços descontínuos do filme, como se pudessem fazer realmente parte do filme, de tal modo que podemos até sentir como se aqueles trechos integrassem a obra. Numa delas, há um diálogo entre o James Gandolfini e o Steve Buscemi, provavelmente uma das cenas melhor escritas do filme - opinião do próprio diretor - que termina fora do recorte final. É interessante perceber que a cena não foi incluída, porque ela iria se tornar retórica diante do que implicitamente já foi trabalhado no filme. É uma cena até de um tom mais filósofico sobre o velho amor, traição e redenção ali de cima, mas por ser do fim era simplesmente óbvia e explícita demais. Já tínhamos entendido tudo. Por isso, rolou a exclusão que como eu disse não é bem uma exclusão, mas uma descontinuidade. Só pra lembrar de outro extra, mais divertido ainda é quando o John Turturro fala que algumas daquelas filmagens foram feitas só por diversão. Quase como um estímulo ao poder criativo do improviso: sua prima está na cama e começa a dizer que precisa beijar, precisa beijar, então um técnico de som tira a roupa e entra em cena para seduzi-la. Ela continua a cena até que começa a rir. Hilário. O melhor é que o filme todo parece filmado na linha just for fun. A segunda coisa sobre os extras é que pela primeira vez ou terceira vez, resolvi assistir a um filme, depois da primeira sessão, com os comentários do diretor no lugar do som original. Sempre achei esse recurso dos DVDs um excesso desviante da obra em si. Não mudei tanto de idéia. É excessivo, é puramente um culto aos entornos da obra, se baseia em detalhismo, é procurar saber todas explicações para todas as escolhas... e assim indefinidamente. Mas não sei bem se isso enevoa a obra. Não aconteceu. Estou bem com isso. Acho que vou até ali baixar a trilha sonora do filme.
Um comentário:
Onde é exatamente essa barraca pirata na rua do Hospício???
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