sexta-feira, 11 de abril de 2008

Luz

Quando eu era pequeno, bem pequeno mesmo, estava dormindo na cama da minha mãe - provavelmente num desses dias de medo infantil - quando no meio da noite acordei assustado com uma luz muito forte vindo da janela. Hoje em dia não consigo diferenciar essa lembrança de um sonho: por mais que se trate de uma história real, a imagem na minha cabeça com certeza passou por interferências ficcionais ao longo de todos esses anos. Ao ver a luz, sentei na cama e tentei acordar meus pais. Sem sucesso. Demorei alguns meses acreditando que tinha me comunicado por transmissão de pensamento com Deus. Senti-me iluminado, escolhido na linha de todo blá blá blá católico. Passado algum tempo, talvez alguns anos, já não gostava muito de Deus e descobri que a igreja não passava de um lugar sem graça. Foi nessa época que minha personalidade-nerd começou a tomar forma, destruindo toda possibilidade religiosa e eu arrumei novos templos que se substituíam ou complementavam sucessivamente. Acredito que eu estava na fase Contatos Imediatos de Terceiro Grau, quando concluí que, naquele fatídico episódio da luz, não tinha visto Deus coisa alguma, mas uma nave extraterrestre. Algumas crianças, todas meninas óbvio, choraram quando eu contei essa nova versão dos fatos, tomado por uma euforia louca por desistir de Deus e amar a vida alienígena. Passei um bom tempo me achando uma pessoa super especial. Quase o cego que voltou a enxergar por causa de Jesus.

Aos 12/13 anos, minha mãe tinha viajado pra praia e eu estava dormindo novamente na sua cama, quando acordei no meio da noite com a mesma luz forte vindo da janela. Nessa época eu já estava preparado para viagens interestelares, achei que a nave tinha voltado para me buscar e fui destemido em direção ao foco luminoso. Abri a janela e... ahhh... acho que nem vou contar. hahahahahaha. Estou brincando. Abri a janela e a porra da luz não passava de uma lâmpada enorme da casa do vizinho. Foi uma decepção do caralho - até chorei. Eu sempre gosto de contar ou lembrar dessa história como um ótimo exemplo da efemeridade de nossas crenças - e da tendência ao ceticismo extremo, que se torna insuportável e então necessita de uma boa dose de misticismo. Não cabe nos dedos a quantidade de templos que já ergui e destruí durante a minha vida. E não levem 'templos' aqui no literal religioso, ok? Seria uma limitação idiota diante do que estou falando. Sinto-me, hoje, tão resultado dessas mudanças todas, como uma equação sem fim, que se torna outras equações sem fim simultâneas e paradoxais. Nunca o resultado seria um número inteiro. Sequer existe resultado. Engraçado eu ter escolhido me formar justamente num curso onde a discussão sobre crença e a descrença tomam o foco principal em proporções irreais. Mas como poderíamos abrir um jornal todo dia de manhã e não se perguntar: 'e agora, serei místico ou cético?' Eu vivo alternando, dependendo do espírito do dia e do nível de mau gosto das manchetes. Com aquele papel sujo nas mãos, consigo ver deuses, extraterrestres e lâmpadas.

3 comentários:

nando disse...

Puxa Rodrigo, super legal esse seu espaço. Acho que eu já comentei com você minha excessiva ignorância com computadores. É a primeira vez que gasto realmente um tempo olhando um blog (isso porque tô com o notebook do meu vizinho). Me faz pensar no que é a necessidade de se expressar, de se fazer ouvir. Não sei, acho que quando puder também vou criar um. Sobre esse texto em questão achei muito legal, e bastante triste. Não sei, sabe, não não sabe, sou uma pessoa muito religiosa e acho curioso ver palavras como a sua sobre a perda de fé. Semana passada eu vi "Luz de Inverno" do Bergman (ainda faltava esse pra mim daquela trilogia genial) e é um soco na minha cara (desses que dá pra quebrar o óculos e me cegar). De qualquer forma, a impressão que me passam os filmes de Bergman é que ele tinha fé. Já li por aí que ele se dizia ateu mas eu não consigo acreditar porque eu vejo Deus nos filmes dele como não consigo em nenhum outro cineasta. Sei que pode ser um desejo meu de ver isso, mas não acho que seja. "Através do Espelho" mesmo, sobre uma mulher que vê Deus numa aranha na parede e enlouquece com isso. Ou o já citado, onde um padre duvida da própria fé mas percebe que até Jesus duviou no momento da crucificação (Pai, porque me desemparaste...) São filmes que acabam fortalecendo minha fé. Sabe, na verdade, acho que me defino por essas duas coisas: a fé em Deus e no cinema. Se compartilhamos pelo menos uma delas acho que já é suficiente pra mantermos alguma troca de opiniões né. Ah, mesmo atrasado, feliz aniversário, eu não sabia. E fico contente de saber que tens agora 23. É minha idade também e sempre me acho muito novo, principalmente quando tô lá na Federal. Acho que somos os caçulas dos nossos cursos, né. Abração. Vou entrar aqui mais vezes.

disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Essa da luz eu não sabia, mas tive que aturar a fase extraterrestre, assim como a de Jonh Lennon, e haja templos.

Bjo

Marco Bonachela disse...

Nossa roger, talvez essa seja a história mais engraçada que vc já me contou!
Lembro sempre dela, porque também aconteceu uma coisa semelhante comigo e daí a lembrança... a diferença é que eu não pensava que eram ET's e sim uns espíritos umbralinos.
Ui
Bj