Recomendado para maiores de 16 anos, ok? Pode parecer uma puta falta de sensibilidade, mas não gostei nem um pouco de Cartas de Iwo Jima, apesar de reconhecer uma cena espetacular na obra de Eastwood. Uma cena de 5 minutos dentro dos arrastados 141. Refiro-me ao momento do suicídio coletivo de sete ou oito soldados japoneses, dentro de um túnel cavado no interior de uma montanha. Fiquei impressionado com a crueza e fusão de elementos contrários: lado a lado caminham uma espécie de beleza estético-filosófica da crença e a nossa própria repulsa moral baseada em preceitos do ocidente. Vemos aquele 'horror' se tornar mais 'horror' por conta dos olhos do diretor. Acho que fiquei ainda mais impressionado porque até ali o filme não passava de um hiato. Balela, balela, balela e balela. É como se, repentinamente, o roteiro tivesse dado um estalo, como se um clímax surgisse do nada. Certos da derrota e praticamente sem saída, os soldados preferem tirar a própria vida a serem mortos pelos norte-americanos. O que era iminente. A rendição sequer é considerada. Há uma crença de honra gritante nesse ato, que me lembra não só toda a história do Japão durante a Segunda Guerra Mundial, mas a noção de coragem desenvolvida em alguns 'animes' e 'mangás'.
O Suicídio não é literal nos desenhos (e às vezes até é), mas a coragem ou uma crença extrema leva os 'heróis' ou mesmo secundários e antagonistas a cometem ações conscientemente suicidas. Vejam Cavaleiros do Zodíaco só para ficarmos no mais óbvio. Na saga das doze casas do santuário, por exemplo, todos os cinco cavaleiros principais morrem por sua Deusa Atena e isso acontece, porque na impossibilidade de vencerem seus inimigos com suas próprias forças, terminam consumando uma morte conjunta: a sua própria e a de seu adversário. É implícito, mas me parece muito próximo ao que eram os kamikazes ou ao que era toda filosofia de vivência e sobrevivência no Japão imperial. O filme versa um pouco sobre esse ponto. O tom é de tristeza, mas acima disso está o heroísmo que não se separa da atitude, como se a morte por um caminho justificado, ou melhor, dentro desse ritual, afinal é um ritual, estivesse vinculada a uma nobreza do corpo que se esvai e das boas consequências que ficam e se prolongam. Isso me chamou muito a atenção. Tanto que vim aqui escrever esse texto em plena uma hora da madrugada e minutos depois da experiência estética.
Voltando aos 5 minutos que interessam no filme, a direção da cena é excepcional. Não há, pela primeira vez ao longo de mais de uma hora, um excesso de receio, drama prévio ou romantismo forçado: o que diferencia esse único momento de todo resto da película. Ainda assim, as amarras não estão completamente soltas e a cargo da trilha sonora se destina o melodrama. O que termina tentando aproximar o suicídio oriental do ocidental, quando eles se manifestam como cargas opostas. Essa é a maior falha de Clint. Nossa noção é diferente, por exemplo, da naturalidade desconcertante do suicídio infantil na primeira cena de Lain, um anime extraordinário destinado para adultos: uma menina sobe uma escada como qualquer outra e de repente se joga do alto de um prédio num beco sujo, cheio de latas de lixo e casais quase transando. Sua voz se mostra serena em off: "eu não preciso mais de um corpo, pois aprendi a viver de outra maneira". Daí a trama se desenrola quando outras garotas passam a receber e-mails da tal menina morta falando da experiência transcorporal - e as mensagens possuem informações-chaves, compartilhadas apenas por quem a mandou e por quem as recebeu. Imaginem a reação. Recomendo total.
A cena de Iwo Jima é bem rápida: o capitão recebe uma carta, comunica aos seus subordinados que precisam morrer honradamente e ressalta que só assim poderão encontrar um lugar no santuário. Poderão, inclusive, se reencontrar por lá. O capitão se despede. Os japoneses estão dispostos em um círculo, o primeiro abre a granada, bate na cabeça e estoura no peito. O segundo grita, abre uma granada, bate na cabeça e estoura no peito. O terceiro grita, abre uma granada, bate na cabeça e estoura no peito. O quarto grita, abre uma granada e estoura no peito. O quinto hesita, abre a granada e estoura no peito. O sexto estoura os miolos com sua arma. O sétimo não consegue executar o ato. O oitavo foge. Os dois últimos criam um outro dilema: o do suicído assistido. Fiquei me perguntando se esse também não seria um conceito ocidental, afinal ambos estavam participando do ritual e não assistindo como convidados. Tudo bem que foram empurrados para guerra, numa escolha muito longe da vontade própria, abandonando suas famílias. Essa, entretanto, já não é a minha discussão. Fiquei me questionando muito mais como o ocidente via essa idéia de lutar até o fim literalmente, sem se render à covardia ou como enxergavam a prática contínua do suicídio. Podemos tirar um pouco pelo que acham hoje: é uma dimensão humana assustadora.
Eu com certeza começaria o filme por essa cena. Daria outro clima inicial não tenho dúvida alguma. Mas se fosse pra pensar nesse sentido, eu tiraria todos os flashbacks melosos, diminuiria drasticamente o romantismo do roteiro - odeio essa novelização da guerra, pra começar - e terminaria por convencer a mim mesmo de que, dirigir Cartas de Iwo Jima, com a premissa de enxergar pelos olhos japoneses o mesmo fato retratado tão bem, por Eastwood, em A Conquista da Honra, não seria, de fato, um trabalho para mim. Não para um ocidental enterrado nas crenças do ocidente como eu. E se Albert Camus nos alertava que decidir se nossa vida merece ser vivida ou não é responder uma questão filosófica fundamental, acredito que a filosofia do suicídio no oriente siga outro caminho e não devemos tentar aproximar moralmente as ações, senão terminaremos distorcendo ambas. Até hoje o Japão é um dos países com o maior índice de suicídio por habitante. Contemporaneamente, é comum que pessoas com a dignidade ferida diante da sociedade, como em casos de corrupção, por exemplo, cometam o ato como única saída de retorno a pureza. Tirar a própria vida é mais nobre que manter uma vida marcada pela vergonha. O Japão moderno industrializado e ocidental ainda é assim. Podemos até tentar entender a lógica, mas acredito que há um sem fim de nuances que caracterizam àquela nação de forma muito distante de nossos padrões e nossas próprias nuances. São detalhes que realmente não conseguimos compreender direito. Fica um hiato.
O Clint Eastwood deveria ter atentado para isso.
O Suicídio não é literal nos desenhos (e às vezes até é), mas a coragem ou uma crença extrema leva os 'heróis' ou mesmo secundários e antagonistas a cometem ações conscientemente suicidas. Vejam Cavaleiros do Zodíaco só para ficarmos no mais óbvio. Na saga das doze casas do santuário, por exemplo, todos os cinco cavaleiros principais morrem por sua Deusa Atena e isso acontece, porque na impossibilidade de vencerem seus inimigos com suas próprias forças, terminam consumando uma morte conjunta: a sua própria e a de seu adversário. É implícito, mas me parece muito próximo ao que eram os kamikazes ou ao que era toda filosofia de vivência e sobrevivência no Japão imperial. O filme versa um pouco sobre esse ponto. O tom é de tristeza, mas acima disso está o heroísmo que não se separa da atitude, como se a morte por um caminho justificado, ou melhor, dentro desse ritual, afinal é um ritual, estivesse vinculada a uma nobreza do corpo que se esvai e das boas consequências que ficam e se prolongam. Isso me chamou muito a atenção. Tanto que vim aqui escrever esse texto em plena uma hora da madrugada e minutos depois da experiência estética.
Voltando aos 5 minutos que interessam no filme, a direção da cena é excepcional. Não há, pela primeira vez ao longo de mais de uma hora, um excesso de receio, drama prévio ou romantismo forçado: o que diferencia esse único momento de todo resto da película. Ainda assim, as amarras não estão completamente soltas e a cargo da trilha sonora se destina o melodrama. O que termina tentando aproximar o suicídio oriental do ocidental, quando eles se manifestam como cargas opostas. Essa é a maior falha de Clint. Nossa noção é diferente, por exemplo, da naturalidade desconcertante do suicídio infantil na primeira cena de Lain, um anime extraordinário destinado para adultos: uma menina sobe uma escada como qualquer outra e de repente se joga do alto de um prédio num beco sujo, cheio de latas de lixo e casais quase transando. Sua voz se mostra serena em off: "eu não preciso mais de um corpo, pois aprendi a viver de outra maneira". Daí a trama se desenrola quando outras garotas passam a receber e-mails da tal menina morta falando da experiência transcorporal - e as mensagens possuem informações-chaves, compartilhadas apenas por quem a mandou e por quem as recebeu. Imaginem a reação. Recomendo total.
A cena de Iwo Jima é bem rápida: o capitão recebe uma carta, comunica aos seus subordinados que precisam morrer honradamente e ressalta que só assim poderão encontrar um lugar no santuário. Poderão, inclusive, se reencontrar por lá. O capitão se despede. Os japoneses estão dispostos em um círculo, o primeiro abre a granada, bate na cabeça e estoura no peito. O segundo grita, abre uma granada, bate na cabeça e estoura no peito. O terceiro grita, abre uma granada, bate na cabeça e estoura no peito. O quarto grita, abre uma granada e estoura no peito. O quinto hesita, abre a granada e estoura no peito. O sexto estoura os miolos com sua arma. O sétimo não consegue executar o ato. O oitavo foge. Os dois últimos criam um outro dilema: o do suicído assistido. Fiquei me perguntando se esse também não seria um conceito ocidental, afinal ambos estavam participando do ritual e não assistindo como convidados. Tudo bem que foram empurrados para guerra, numa escolha muito longe da vontade própria, abandonando suas famílias. Essa, entretanto, já não é a minha discussão. Fiquei me questionando muito mais como o ocidente via essa idéia de lutar até o fim literalmente, sem se render à covardia ou como enxergavam a prática contínua do suicídio. Podemos tirar um pouco pelo que acham hoje: é uma dimensão humana assustadora.
Eu com certeza começaria o filme por essa cena. Daria outro clima inicial não tenho dúvida alguma. Mas se fosse pra pensar nesse sentido, eu tiraria todos os flashbacks melosos, diminuiria drasticamente o romantismo do roteiro - odeio essa novelização da guerra, pra começar - e terminaria por convencer a mim mesmo de que, dirigir Cartas de Iwo Jima, com a premissa de enxergar pelos olhos japoneses o mesmo fato retratado tão bem, por Eastwood, em A Conquista da Honra, não seria, de fato, um trabalho para mim. Não para um ocidental enterrado nas crenças do ocidente como eu. E se Albert Camus nos alertava que decidir se nossa vida merece ser vivida ou não é responder uma questão filosófica fundamental, acredito que a filosofia do suicídio no oriente siga outro caminho e não devemos tentar aproximar moralmente as ações, senão terminaremos distorcendo ambas. Até hoje o Japão é um dos países com o maior índice de suicídio por habitante. Contemporaneamente, é comum que pessoas com a dignidade ferida diante da sociedade, como em casos de corrupção, por exemplo, cometam o ato como única saída de retorno a pureza. Tirar a própria vida é mais nobre que manter uma vida marcada pela vergonha. O Japão moderno industrializado e ocidental ainda é assim. Podemos até tentar entender a lógica, mas acredito que há um sem fim de nuances que caracterizam àquela nação de forma muito distante de nossos padrões e nossas próprias nuances. São detalhes que realmente não conseguimos compreender direito. Fica um hiato.
O Clint Eastwood deveria ter atentado para isso.
2 comentários:
"...dentro desse ritual, afinal é um ritual, estivesse vinculada a uma nobreza..." você precisa aprender a usar travessões... " - afinal, é um ritual - "
E olha a vergonha:
http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&q=contemporaneiamente&meta=
Ó, Rodrigo, dá uma lida nisso:
http://simonecampos.blogspot.com/2008/04/mas-no-apenas-vida-como-fez-o-cristo.html
Nesse mesmo blog tem uma idéia ótima, de imaginar como seriam certos filmes se filmados no Brasil.
[ah, quem fala aqui é Edson, goleiro da Pia. ;) ]
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