Mais um concurso de contos. 3000 caracteres, cerca de 50 linhas, 3000 reais para o melhor escrito. Nada mau para um delinqüente que gastaria metade daquele dinheiro com suas noites: desde que decidira compartilhar de suas palavras há alguns meses, aquele jovem autor, de nome comum, ainda não havia encontrado uma recompensa tão boa e sabia sim calcular bem o valor dessas coisas. Era um bounty hunter com os pés no chão. Infelizmente, andava sem idéias e já não conseguia escrever uma dúzia de bobagens, sem peso algum na consciência. Permanecia horas, paralisado entre círculos e caretas, diante de uma mera folha de papel. Hesitava em um caminho e hesitava no seguinte, por mais que tentasse estabelecer uma relação cordial naquele instante. Um café. Dois. Três. Mantinha-se sempre na defensiva. Cada palavra mal usada lhe consumia um pouco. Cada elogio inseguro lhe causava uma dúvida. Sua vasta e criativa obra não saía do lugar.
Tudo lhe parecia muito questionável. Tudo. Particularmente suas idéias. E na falta delas então, brincava de devastar a si mesmo: ironizava seus possíveis personagens, fazia piadas sarcásticas de suas tramas. Brincava de auto-mutilação como um jogo de cartas. Ao final de uma sessão, estava caído, bêbado, cercado de papéis. Acordava péssimo. Um cigarro. Dois. Três. Até possuía vários contos guardados e inacabados, mas nenhum se adequava aos critérios desse concurso. Seus escritos sempre tinham caracteres demais. Naturalmente bobagens demais. Deveria escolher um às cegas e inscrevê-lo também às cegas. Todo o fracasso posterior poderia ser justificado pela aleatoriedade desse ato. Estaria seguro em se defender e algum caridoso até lhe pagaria um vinho. O jovem autor pensava no destino e no futuro só para esconder sua dificuldade de começar. Estava sempre no tempo diferente do seu.
Teria de ser prático: restavam poucos dias para o encerramento das inscrições. Não poderia seguir impulsos, nem cair em inibições literárias, pois terminaria desistindo da seleção – o que já era recorrente. Precisava apenas de uma idéia, um ou outro verso disfarçadamente poético para conquistar a simpatia dos jurados disfarçadamente jurados. Imaginava que fossem três – duas mulheres e um homem. Acreditava na firmeza dos números ímpares. Um café. Dois. Três. Precisaria encontrar um apelo para cada um e enlaçá-los de maneira que todos se sentissem contemplados. Mastigou uma folha de hortelã e uma história não muito criativa, mas de um protagonista carismático surgiu de repente. Riu sozinho de sua desgraça. Não podia levar o projeto adiante: o cinema havia lhe roubado todas as idéias. Aquele jovem autor sequer podia brincar com seus próprios demônios, porque alguém já o havia feito e projetado numa tela.
Os dias passavam e o rapaz de nome comum tentava se inspirar de alguma maneira: abria o jornal, pensava nos concorrentes, assistia novela, conversava com a vizinha, caçava gatos. Nada era bom o bastante. O mundo andava particularmente sem graça justamente porque 3.000 reais balançavam a sua frente. Um cigarro. Dois. Três. No último dia, em meio a uma autocrítica destrutiva, não encontrou outra saída, senão a metalinguagem. De qualquer maneira, sempre brincava consigo mesmo dentro de seus textos. Era uma espécie de desculpa prévia aos leitores por conta daquela palavra mal usada, um modo de contornar aquele elogio inseguro. Escreveria, portanto, um conto inteiro metalingüístico. Ou melhor, um não-conto. Uma espécie de desculpa por toda sua obra inexistente. E talvez pudesse até lançá-la depois disso. Estava inseguro, de fato. Um café. Dois. Três. Um cigarro. Dois. Três. Deveria desistir logo dessa idéia barata de ser escritor ou arriscar de uma vez. O texto precisava, ao menos, de um título esperto: "como escrever um conto para um concurso de contos", decidiu. Agora era só enviar.
ENVIAR.
(Conto inscrito no Concurso de Contos Maximiano Campos em 2007 )
Óbvio que não ganhei nada né? Tudo bem que era uma pegadinha, mas podia rolar um senso de humor, sei lá.
Tudo lhe parecia muito questionável. Tudo. Particularmente suas idéias. E na falta delas então, brincava de devastar a si mesmo: ironizava seus possíveis personagens, fazia piadas sarcásticas de suas tramas. Brincava de auto-mutilação como um jogo de cartas. Ao final de uma sessão, estava caído, bêbado, cercado de papéis. Acordava péssimo. Um cigarro. Dois. Três. Até possuía vários contos guardados e inacabados, mas nenhum se adequava aos critérios desse concurso. Seus escritos sempre tinham caracteres demais. Naturalmente bobagens demais. Deveria escolher um às cegas e inscrevê-lo também às cegas. Todo o fracasso posterior poderia ser justificado pela aleatoriedade desse ato. Estaria seguro em se defender e algum caridoso até lhe pagaria um vinho. O jovem autor pensava no destino e no futuro só para esconder sua dificuldade de começar. Estava sempre no tempo diferente do seu.
Teria de ser prático: restavam poucos dias para o encerramento das inscrições. Não poderia seguir impulsos, nem cair em inibições literárias, pois terminaria desistindo da seleção – o que já era recorrente. Precisava apenas de uma idéia, um ou outro verso disfarçadamente poético para conquistar a simpatia dos jurados disfarçadamente jurados. Imaginava que fossem três – duas mulheres e um homem. Acreditava na firmeza dos números ímpares. Um café. Dois. Três. Precisaria encontrar um apelo para cada um e enlaçá-los de maneira que todos se sentissem contemplados. Mastigou uma folha de hortelã e uma história não muito criativa, mas de um protagonista carismático surgiu de repente. Riu sozinho de sua desgraça. Não podia levar o projeto adiante: o cinema havia lhe roubado todas as idéias. Aquele jovem autor sequer podia brincar com seus próprios demônios, porque alguém já o havia feito e projetado numa tela.
Os dias passavam e o rapaz de nome comum tentava se inspirar de alguma maneira: abria o jornal, pensava nos concorrentes, assistia novela, conversava com a vizinha, caçava gatos. Nada era bom o bastante. O mundo andava particularmente sem graça justamente porque 3.000 reais balançavam a sua frente. Um cigarro. Dois. Três. No último dia, em meio a uma autocrítica destrutiva, não encontrou outra saída, senão a metalinguagem. De qualquer maneira, sempre brincava consigo mesmo dentro de seus textos. Era uma espécie de desculpa prévia aos leitores por conta daquela palavra mal usada, um modo de contornar aquele elogio inseguro. Escreveria, portanto, um conto inteiro metalingüístico. Ou melhor, um não-conto. Uma espécie de desculpa por toda sua obra inexistente. E talvez pudesse até lançá-la depois disso. Estava inseguro, de fato. Um café. Dois. Três. Um cigarro. Dois. Três. Deveria desistir logo dessa idéia barata de ser escritor ou arriscar de uma vez. O texto precisava, ao menos, de um título esperto: "como escrever um conto para um concurso de contos", decidiu. Agora era só enviar.
ENVIAR.
(Conto inscrito no Concurso de Contos Maximiano Campos em 2007 )
Óbvio que não ganhei nada né? Tudo bem que era uma pegadinha, mas podia rolar um senso de humor, sei lá.
2 comentários:
A cota de senso de humor é limitada para viciados em cafeína e nicotina.
Atenciosamente,
a Direção.
;*
... mas tá desculpado, caro amigo.
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