Quando minha gata era bem nova, mas bem nova mesmo, quase não tinha pêlos em volta do olho, só cagava no lugar errado e era pouco maior que uma carteira de cigarro. Dado alguns dias, fiquei angustiado por ela ter perdido o contato com suas irmãs-gatas, irmãos-gatos, mãe-gata e por, a partir dali, só ter referências humanas e estranhas. Tipo eu, Juliana e Gabriela. Tudo bem que ela se apaixonou por mim, me escolheu como primeiro dono e vivemos uma grande história de amor, mas esses detalhes de nossa relação não vem ao caso agora. Dolores continuava uma gata com exclusivas referências humanas. Dormia por cima de Truffaut, adorava a trilha de Midnight Cowboys, passava a tarde assistindo A Vida Como Ela É e, quando alguém dava bobeira, corria para morder o vinil do Cartola e do Ave Sangria. Revezando um e outro dependendo do humor. Pensei em levá-la para visitar o gato Nino, ou o gato Valentino, ou mesmo o novo gato Mel Azul, mas a coitada era tão novinha que precisava se acostumar ao novo lar e só a viagem poderia deixá-la ainda mais insegura e desorientada (esses foram os melhores eufemismos para evitar o 'puta-da-vida'). Cheguei ao ponto de até pensar em deixá-la por uma noite e um dia na casa de dona Zefinha, uma vizinha idosa e excêntrica que cria mais de 15 gatos, mas fiquei com medo de Dolores voltar com alguma DST trash e de qualquer forma não sou muito a favor da pedofilia entre gatos. Então, na falta de opção tive a grande idéia para saciar seus instintos sociais felinos com toda segurança possível: na segunda semana de nossa convivência, coloquei a danada ao lado do teclado e abri mil vídeos de felinos no youtube. Miado alto, briga de gato, gata no cio, zoofilia, a porra a quatro de gato. Ok, a parte da zoofilia é mentira e o experimento não deu lá muito certo. Pequena demais, Dolores levou mais sustos do que demonstrou interesse, tentou até se pular de uma altura que não conseguia, mas ao menos cumpriu muito bem seu papel de cobaia e não atacou o cientista-dono-amor dela. O que já é alguma coisa levando em conta as várias marcas de arranhão e mordida que venho acumulando em meus braços. Um a mais ou um a menos faz toda diferença nesse caso.
Depois de dois ou três meses, a ex-gata preta, agora lindamente cinza, está do tamanho de um maço de Hollywood, se tornou uma caçadora exemplar, só bebe água das plantas e não caga mais fora de sua caixinha de areia. Hoje tivemos o experimento número 248. Eu estava sozinho em casa, curtindo o hábito felino da preguiça, jogado na cama, quase dormindo. Dolores resolveu me aperrear sexualmente - o que é de praxe - e mordiscou a ponta do meu dedão do pé. Odeio muito e ela sabe disso. Pior que não adianta expulsar, gritar, pular, porque se a maldita gata quiser voltar e fazer tudo de novo, ela vai voltar e fazer de novo. Foi então que, por falta de opção, tive a grande idéia: gravei minha voz no celular por uns 4 minutos, falando sobre crítica e filmes-adaptação, liguei o viva voz no mais alto possível, coloquei perto da gata e voltei a dormir. Dolores ficou louca. Pra começar fez um barulho que eu nunca tinha escutado: o barulho de briga. O miado é lindo, o ronronar é lindo, mas o barulho de briga é tudo o que eu queria desde que ela chegou aqui em casa. É inspirador. Posso até jogar a peste no mundo depois disso, desde que ela não vá se embrenhar na casa de dona Zefinha. Por sinal, eu já tinha tentado colocá-la pra brigar antes, com o secador de cabelo de Juliana, mas rolou tanto medo por parte de Dolores que não deu certo. Definitivamente minha gata não é um animal tecnológico: odeia monitor, odeia televisão, odeia fone de ouvido e adora fios. Fiquei tão interessado pelo 'grrrrr' ou seria 'tsssss' que perdi o sono e me mantive observando-a até acabarem os quatro minutos. Dolores olhava pra mim, atacava o celular e recuava. Voltava correndo, olhava pra mim, atacava o telefone de novo, recuava e assim ficou até o silêncio. Como gosto de levar meus experimentos até as últimas consequências, coloquei o celular versão viva voz na sala, perto do espaço onde Dolores tinha decidido ser seu cantinho e fiquei espiando da cozinha pra ver como a gata agia sem a minha presença. A danada estranhou um pouco, mas não demorou muito até perder o interesse e perceber que tudo não passava de um tolo experimento. O 248 se fôssemos seguir os numerais a risca. Blasé e mantendo semicerrados seus olhos grandes e verdes, deu na cara que estava me vendo desde o início ridiculamente escondido na cozinha e saiu andando com todo charme de um bom felino feroz. Deitou-se no exato lugar onde eu tentava dormir anteriormente, fez cara de boba, caiu num bocejo longo, longuíssimo e se espreguiçou como se quebrasse cada um de seus ossos. Fiquei boquiaberto com toda situação: a cientista lambia as patas, afiava as unhas no colchão, dominava a cena, enquanto o cobaia assumia a estupidez e pouco a pouco ia saindo de quadro.
Depois de dois ou três meses, a ex-gata preta, agora lindamente cinza, está do tamanho de um maço de Hollywood, se tornou uma caçadora exemplar, só bebe água das plantas e não caga mais fora de sua caixinha de areia. Hoje tivemos o experimento número 248. Eu estava sozinho em casa, curtindo o hábito felino da preguiça, jogado na cama, quase dormindo. Dolores resolveu me aperrear sexualmente - o que é de praxe - e mordiscou a ponta do meu dedão do pé. Odeio muito e ela sabe disso. Pior que não adianta expulsar, gritar, pular, porque se a maldita gata quiser voltar e fazer tudo de novo, ela vai voltar e fazer de novo. Foi então que, por falta de opção, tive a grande idéia: gravei minha voz no celular por uns 4 minutos, falando sobre crítica e filmes-adaptação, liguei o viva voz no mais alto possível, coloquei perto da gata e voltei a dormir. Dolores ficou louca. Pra começar fez um barulho que eu nunca tinha escutado: o barulho de briga. O miado é lindo, o ronronar é lindo, mas o barulho de briga é tudo o que eu queria desde que ela chegou aqui em casa. É inspirador. Posso até jogar a peste no mundo depois disso, desde que ela não vá se embrenhar na casa de dona Zefinha. Por sinal, eu já tinha tentado colocá-la pra brigar antes, com o secador de cabelo de Juliana, mas rolou tanto medo por parte de Dolores que não deu certo. Definitivamente minha gata não é um animal tecnológico: odeia monitor, odeia televisão, odeia fone de ouvido e adora fios. Fiquei tão interessado pelo 'grrrrr' ou seria 'tsssss' que perdi o sono e me mantive observando-a até acabarem os quatro minutos. Dolores olhava pra mim, atacava o celular e recuava. Voltava correndo, olhava pra mim, atacava o telefone de novo, recuava e assim ficou até o silêncio. Como gosto de levar meus experimentos até as últimas consequências, coloquei o celular versão viva voz na sala, perto do espaço onde Dolores tinha decidido ser seu cantinho e fiquei espiando da cozinha pra ver como a gata agia sem a minha presença. A danada estranhou um pouco, mas não demorou muito até perder o interesse e perceber que tudo não passava de um tolo experimento. O 248 se fôssemos seguir os numerais a risca. Blasé e mantendo semicerrados seus olhos grandes e verdes, deu na cara que estava me vendo desde o início ridiculamente escondido na cozinha e saiu andando com todo charme de um bom felino feroz. Deitou-se no exato lugar onde eu tentava dormir anteriormente, fez cara de boba, caiu num bocejo longo, longuíssimo e se espreguiçou como se quebrasse cada um de seus ossos. Fiquei boquiaberto com toda situação: a cientista lambia as patas, afiava as unhas no colchão, dominava a cena, enquanto o cobaia assumia a estupidez e pouco a pouco ia saindo de quadro.
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