No último dia de carnaval, almocei em alguma das ruas dos quatro cantos e, já fim de tarde, resolvi subir a ladeira da misericórdia, Deus sabe lá porque, pra ir até a Sé. Acontece que no meio do trajeto, cansado da subida, do carnaval, do bobó de camarão, encontrei uma bandinha, num palco naturalmente torto, fazendo cover com sotaque estranho de todos os hits da manguetown. Quando cheguei lá em cima, sentei, acendi um cigarro e fiquei escutando a bandinha tosca e observando a platéia mais fim de carnaval do meu Brasil. Era bêbado pra cá, bêbado pra lá, super-herói e papangu. Acho curioso o senso de diversão em dias de carnaval, em especial no final da tarde da terça feira de carnaval. Tudo que faz barulho é virtuose e tudo que tem boca e mexe os bracinhos, uma possível paquera. Em dado momento, o vocalista resolveu apresentar os integrantes daquela confusão e, ao fim, falou que eles eram de Minas Gerais e que amavam Pernambuco, a terra da massa, o leão do norte. Pontes, rios e overdrives impressionantes esculturas de lama. Mangue, mangue, mangue, mangue. Sério, baixava nele personalidades diferentes durante a apresentação, daí uma hora era uma mistura de Lirinha e Lenine cachacinha mineira, outra hora Chico Science e Fred 04 queijo minas. Tirando a parte que a banda não sabia tocar, que o vocalista não sabia cantar e que só restava barulho daquela bandinha punk que nunca deveria ter saído da garagem, isso me lembrou quando eu estava em São Paulo e uma menina, ao perceber que eu era daqui, começou a tecer mil elogios, do sotaque até chegar num nível terra mítica, maravilhosa, inundada, afogada, alagada de uma cultura naturalmente cult. Ser de Pernambuco é cool. Daí lembrou músicas, artistas, filmes, quis saber do carnaval, de Olinda, do sertão idílico, das fantasias, das ladeiras, das festas, da noite, da movimentação cultural incessante, do movimento indie e quis cantar juntinho. Foi tanto ufanismo que a minha primeira reação, vaidosa talvez, foi mentir um pouco, tornando a idéia dela mais ufanista ainda. Virei o próprio guia prático, exagerado e final feliz pra cultura popular - agora massificada - da cidade do Recife. Um maracatu pra cada rua. Centros culturais pipocando por todos os lados. Frevo, frevo, frevo. Uma bandinha em cada supermercado. Vários cinemas alternativos. Leis de incentivo que é uma beleza. As pontes são lindas (e são), o chão é limpo e não temos trânsito. Soube que essa menina chegou a vir ao Recife, mas não tive muita cara de encontrar com ela. Melhor que a pernambucanidade pernambucana é a pernambucanidadeew estrangeira. Daí a galera vem pra cá, faz o curso de pastor - ou vira um cético legal, passa dois dias em Caruaru e diz que conheceu o sertão e volta para o seu fim de mundo, com a força da palavra. Novos totens com a imagem velha, cansada e clichê são erguidos todos os dias nos quatro cantos dessa país.
Pernambuco é meu pastor e nada me faltará.
Pernambuco é meu pastor e nada me faltará.
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