Ainda que a ênfase não sirva ao empenho, vale a pena arriscar. Quando estava nos trâmites finais da minha dissertação de mestrado, naqueles últimos suspiros da introdução, cerrando os vícios de linguagem, decidindo epígrafe e derivados, terminei por traçar uma dedicatória ao meu pai, basicamente agradecendo por ele ter patrocinado minha vasta coleção de dinossauros de plástico durante a infância e por, atendendo aos meus melindrosos pedidos, ter me levado à estreia de Jurassic Park, aos meus oito anos, conseguindo ingressos mesmo quando o bilheteiro tinha nos avisado que a sala estava lotada. Certamente tinha ido ao cinema duas ou três outras vezes antes, numa deles inclusive para assistir uma comédia péssima com Whoopi Goldberg no São Luiz, mas o caso é que o blockbuster dirigido por Spielberg, o primeiro a articular de forma satisfatória um lançamento simultâneo a nível mundial em cidades grandes e periféricas, foi definitivamente o primeiro filme que desejei ver no cinema, e não apenas ver, ver na estreia, e não importava apenas a estreia, importava acumular durante os meses anteriores e posteriores o máximo possível de recortes de jornais e revistas com futilidades e curiosidades sobre a produção. Talvez tenha lido minha primeira crítica enquanto um leitor de crítica nessa época, ao mesmo tempo em que silenciosamente esboçava um devaneio cinéfilo ou plano pueril no intuito de me tornar um famoso paleontólogo, chegando ao cúmulo da petulância de procurar possíveis universidades para estudar. Parecia predestinação naqueles idos da infância e terminar como jornalista só pode ser de uma ironia de muito mau gosto.
Eu sei que os mais velhos vão insistir que tudo isso é resultado de uma manipulação midiática que se proliferava por todos os campos do consumo (quem não lembra dos dinossauros nos shoppings?), mas fui dos que entrou de cabeça no oba-oba dos dinossauros e como meu pai vivia viajando, estabeleci como regra básica para não virar um filho traumatizado sem presença paterna, a condição dele trazer permanentemente um modelo de plástico para mim. Nem precisava ser articulado, nem nada e, no final das contas, ele cumpriu satisfatoriamente sua função. Além disso, ele patrocinou a compra da coleção completa da revista “Dinossauros”, nada menos que 52 exemplares, aquela que vinha com um T-Rex, esqueleto e carne, para montar, além das inúmeras seções, os perfis dos dinos, a paisagem 3D, uma reprodução de um dia na pré-história, além das partes finais que vinham inundadas de curiosidades. Eu lia e relia dezenas de vezes, cheguei a promover dentro do meu quarto, só para mim mesmo, pequenas feiras de ciências, organizada a partir dos perfis dos dinossauros, separando, por exemplo, todos os carnívoros até 3 metros num dia, os de 3 a 9 no outro dia e no fim de semana, os que tinham mais de 9 metros de comprimento. Resumindo: eu era absolutamente fascinado pelos animais pré-históricos – recentemente resolvi me desfazer desse fardo infantil, doando tudo para meu sobrinho, igual a quando Woody é passado a nova dona em Toy Story 3, ficando com o mesmo sentimento de Andy – e Jurassic Park antes de um dos melhores filmes de aventura e suspense de todos os tempos, era um marco no campo dos efeitos especiais, tornando obsoleto automaticamente todo trabalho de ninguém menos que Ray Harryhausen (resgatado no nosso imaginário apenas por uma nostalgia do caráter artesanal de sua técnica).
Bem que agora poderia começar a falar exclusivamente do filme, mas o devaneio de quem caminha pelos arredores geralmente me seduz: aos oito anos, ainda havia em minha mente uma camada indiscernível entre o estatuto da fantasia e o da realidade, de modo que quando entrei na sala de cinema para assistir Jurassic Park – e embriagado pelo debate técnico e ético da ciência que muitos identificam como a parte burocrática do filme – senti que nunca estive tão perto de vê-los de verdade, que pela primeira vez estava diante de uma leitura de comportamento e textura animal tal qual eu imaginava. Spielberg deu um tiro certeiro na minha cara, especialmente porque sempre detestei a antropomorfização presente em Família Dinossauro ou mesmo no desenho Em Busca do Vale Encantado, sentia até como uma falta de respeito aos dinossauros essa transformação em família americana ou em fofura infantil. Em Jurassic Park, os animais tinham um volume nunca antes visto – e até hoje me parece um paradigma ainda inatingível inclusive pelas continuações – onde atores e os dinossauros comungavam da mesma aparência, de serem feitos de carne, de tal maneira que sentia a respiração da triceratops doente, a grandiosidade respeitável dos brachiosaurus, gelava com as pisadas do T-rex na famosa sequência do copo d’água e da lanterna no olho, delirava com a manada de gallimimus correndo como num balé e literalmente segurava as lágrimas quando as unhas dos velociraptors (que pelo tamanho são na realidade Deinonychus) batiam com uma regularidade terrível no chão da cozinha. Jurassic Park era talvez o filme que mais queria “viver”, seja como paleontólogo enjoado, seja como lunático falando sobre a teoria do caos, seja como criança e muito porque o diretor tinha mudado completamente a estratégia usada de esconder o monstro como em Tubarão: aqui eles estão ao nosso lado o tempo todo.
E tudo isso por causa de um mosquito recolhido num âmbar…
Nenhum comentário:
Postar um comentário