Nise abandonou os pais para casar com Augusto, deixou de lado a casa conjugada com primeiro andar e varandinha, lá no que ainda se costumava chamar de Parque do Derby, hoje um consultório médico de sobrenome judeu, mas manteve uma espécie de lembrança perpétua, uma amável cortesia, do lugar onde passou a infância e a juventude. Sente falta do campo de hortênsias no Quartel, dos arvoredos mil, dos lenços das madames estrangeiras que se hospedavam no Hotel Delmiro Gouvêia, do simpático guarda Nestor que sempre tirava uma graça, das apresentações das bandinhas de sopro nos finais de tarde, reclama da atual ausência de flores na cidade e repete como um mantra que antigamente costumava tocar violão com os amigos perto das palmeiras imperiais, às vezes deixando os livros de estudo por lá mesmo quando Ana, a empregada, lhe chamava para almoçar. “Eu voltava depois de algumas horas e ninguém tinha roubado. Eram outros tempos, eu morei no Derby que não existe mais” repetia, repetia e repetia. Construída em meados da década de 1920, a Praça do Derby chegou para tomar lugar de um antigo largo projetado em 1899, destes que recebem parques com roda-gigante e afins, mas são cercados de lojas refinadas, conjugando a inspiração no romantismo inglês e no barroco francês com um projeto paisagístico moderno, encampado por Roberto Burle Marx, contando com tanques, um deles onde vivia um peixe-boi que animava as crianças, além de alamedas, canteiros e um orquidário. Firmou-se por bastante tempo, e aí passaram as décadas de 1930, 1940, 1950, como espaço de reclusão diante da intensa vida urbana que começava a se desenvolver, uma praça obrigatória para o romântico passeio e namoro de casais apaixonados. Quando as mudanças chegaram, a ponte foi construída, a avenida precisou ser alargada, o pai de Nise, que já tinha visto o mercado popular se transformar em quartel, foi de casa em casa da vizinhança coletando assinaturas para barrar a destruição do espaço. Conseguiu, a praça permaneceu, no entanto, mutilada. Para Fernando que nunca reparou muito por ali, setenta anos depois, o Derby - que para ele nunca tinha sido parque - era apenas o lugar onde marcava os encontros com o pai, Fernando saindo do colégio, o pai no horário de almoço do trabalho. Lembra exatamente do dia em que, enquanto alguns senhores fumavam seus cigarros sentados nos bancos de pedra, um casal se olhava perto do tanque seco e um vendedor de CDs piratas anunciava sua promoção na parada de ônibus, seu pai em tom sério, mas quase sem ar de tanta vergonha, anunciou: "sua mãe está muito preocupada, acha que você é gay. Meu filho, não faça isso, você precisa lutar por uma buceta".
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