Dentro da historiografia positivista, da fundamentação metodológica que buscava obter resultados 'corretos' através de uma ciência humana racional e pura, os grandes eventos, grandes líderes, grandes acontecimentos postados cronologicamente eram tomados como marcos paradigmáticos na definição do que era e do que não era relevante para ser lembrado. Naturalmente o que se constituiu desde então como história da humanidade veio com marcas e intenções ideológicas, permeada por uma rígida delimitação do 'fato', onde a escritura se autodenominava neutra, como defendia Fustel de Coulanges, mas na prática mantinha uma relação íntima com os respectivos atores hegemônicos locais, nacionais e mundiais. Diferente dessa tradição e se alinhando a um dos debates mais controvertidos do século passado, que basicamente redirecionou o interesse de pesquisa para os anônimos e suas relações sociais e cujo emblema primeiro é a Escola dos Annales, está o projeto que o artista plástico Paulo Meira vem desenvolvendo nos últimos anos. O Marco Amador procura por meio de diferentes suportes (vídeo, fotografia, pintura) discutir as potencialidades da narrativa sob a dimensão do microacontecimento, revelando o ímpeto afetivo, mínimo, às vezes invisível, como espaço de intensidade. No caso do mais recente produto dessa jornada, 15 minutos no jardim de Alice Coelho, resultado de uma residência no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, o artista investe numa remissão aos primeiros espetáculos de massa, os 'entra-e-sai' (entre-sort), através de figuras circenses da mulher barbada, do mágico sombrio, do atirador de facas, cuja aberração e despadronização corpórea e disjunção temporal transforma a curiosidade num mórbido festival do olhar. Esse imaginário fin de siècle é largamente explorado em filmes como Monstros (EUA, 1932), de Tod Browning e O Homem Elefante (EUA, 1980), de David Lynch. Para Paulo Meira, nosso interesse pelo monstro se dá porque ele “agrega todas as pequenas aberrações dos homens e revela todas as imagens traumáticas que carregamos”, de modo que é possível adentrar na invenção do humano a partir da matriz do monstruoso.
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