A definição do que é propriamente brasileiro, de quais rumos, realidades e aspectos definem uma produção genuinamente nacional é um dos temas norteadores do projeto estéto em nosso País. Desde os românticos ufanistas da primeira geração e, em particular, a partir da Semana de Arte Moderna de 1922, no racha entre o Manifesto Pau-brasil e o Nheguaçu Verde-amarelo, o ímpeto em afirmar a identidade artística emergiu através do resgate do folclore, das raízes culturais, da antropofagia, aproximando cultura popular e erudita, colhendo características exclusivas e limitando a influência estrangeira. Se na década de 1950, um movimento de negação dessa brasilidade pela busca da universalidade ganhou força por meio da geometria influenciada pelo holandês Mondrian, quase vinte anos depois, artistas como Hélio Oiticica, Lygia Pape e o cinema de Rogério Sganzerla retomaram pontos dessa discussão; o marginal virou herói, as perspectivas se expandiram, de tal modo que o acúmulo de obras mais ou menos brasileiras passaram a revelar não apenas o País que habitamos, mas especialmente o País que nos habita. É sob esse viés, pensando a brasilidade como discurso passível de transformação e não essência imutável, que o curador e pesquisador Marcelo Campos montou a exposição Vestígios de Brasilidade. Dividida em sete núcleos de orientação - quarta-feira de cinzas, fetichismo, o vento, a preguiça, os sortilégios, a geometria e a casa -, a iniciativa convida o público a percorrer as minúcias de brasilidade inscritas na multiplicidade de poéticas, assumindo a polissemia de sentidos e o caráter fractal nas 57 obras expostas. Dos 42 artistas, a maior parte contemporâneos, vale destacar as paredes carnais de Adriana Varejão, a negritude de Luiz de Abreu, as formigas de Cao Guimarães e Rivane Neueschwander, os redemoinhos espontâneos de Rosângela Rennó, a casa dos pais de Efrain Almeida, o corpo fechado de Antônio Manuel, os homens dorminhocos de Pierre Verger, as redes sem forma de Ernesto Neto, as apreensões de Bob Wolfenson, as raízes de José Rufino, as bandeirolas de Volpi, o cochilo da prostituta de Cícero Dias, o senhor trôpego de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz e a missa móvel de Nelson Leirner. O curador procurou mapear o redirecionamento diante do projeto estético da modernidade, onde a brasilidade deixa de ser a grande narrativa ou grande preocupação para se tornar uma insinuação, uma sutileza sincrética, engendrada num diálogo de suportes, no cotidiano como instância inspiradora, nas conexões de tempos e espaços e na quebra de clichês e expectativas.
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