Há alguns anos, quando estava no momento limite de tornar o cinema não apenas um belo entretenimento de cada dia, mas um objeto primeiro de interesse e pesquisa, costumava colocar o documentário como um gênero menor. Admito o senso comum dessa premissa, mas também admito a importância de considerarmos a vivência do senso comum como auxílio em seu próprio entendimento. Portanto, ao invés de simplesmente descartá-lo como nos sugere a academia, seria mais fecundo entender e se deixar envolver por sua lógica: como um bom adolescente cinéfilo, tinha me dado conta que boa parte de minhas limitadas referências até então – de fato, não conhecia Vertov, Rouch e pouco sabia de Coutinho, mas freqüentava anualmente o CINE-PE – se apegavam a algumas regrinhas estruturais básicas, que tendiam a esvaziar a forma num intuito ingênuo de preservar o conteúdo, minimizando os recursos cinematográficos por uma mera busca didática. Basta pegar a programação do Festival de Vídeo do Recife em todas as suas edições ou o catálogo da Massangana Multimídia Produções para perceber que exemplos não faltam. É impossível não perceber o menosprezo pela inteligência mínima do espectador contemporâneo, criado numa ode à desconstrução, quando nos vemos diante de apropriações narrativas que de tão lineares e corretas me parecem anacrônicas. E não se enganem, também não estou defendendo a desconstrução como um valor em si.
As recorrências desse tipo de produção não são poucas: tínhamos e temos sempre o depoimento direto, o plano americano, o entrevistado sentado, bem cuidado e alimentado, sempre a câmera parada, o uso da narração-explicativa, sempre a edição minimalista, um uso banal de imagens de arquivo, confluindo numa sempre ausência de cinema. Se a ficção me soava como uma faca descobrindo todos os riscos das imagens em movimento, brincando com os limites narrativos e não se esvaziando em seu trajeto - o que me parecia um movimento heurístico por parte do cineasta e que já havia sido muito bem percorrido pela literatura - o documentário se fincava como estático, como uma espécie de babá velha pegando a mão do espectador-criança e o levando cuidadosamente até a escola. Isso para não falar da recorrência detestável de objetos: ou estávamos de frente a um personagem famoso, ou tínhamos de rir de um anônimo excêntrico; ou caíamos com nosso complexo de culpa pequeno burguês numa comunidade pobre; ou iríamos desvendar um lugar exótico no sertão, um fato marcante na história ou bater o pé com o gingado de alguma manifestação artística considerada incomum. Ano após ano só fui achando mais enfadonho o cruzamento óbvio entre tais características ao mesmo tempo que fui descobrindo uma gama enorme de realizadores, ditos documentais, que rompiam com tudo que eu considerava documentário. Foi então que minha idéia começou a mudar, inclusive constituindo o diretor não como o cara que arruma a cadeira para o entrevistado sentar, mas como cara que chega e chuta o entrevistado da cadeira.
Se pensarmos bem, o problema não se finca num cansaço dos famosos – e para isso temos, entre outros, Primárias, de Robert Drew e Entreatos, de João Moreira Salles – nem se trata da falta de graça ou piedade pelos excêntricos – basta vermos como Estamira, de Marcos Prado e o recente curta Canosa One, de Felipe Barbosa nos conduzem por outras formas de captura da realidade, o primeiro extraindo filosofia poética de uma catadora de lixo com problemas mentais, o segundo acompanhando para cima e para baixo e se firmando como acompanhante durante as andanças de um curador cinematográfico no Rio de Janeiro. O problema também não reside numa negação imutável das características técnicas apontadas, elas não são características técnicas 'erradas', afinal temos um Edifício Master, do Eduardo Coutinho, basicamente feito apenas de depoimentos diretos, sem contar o francês Jean Rouch que sempre se utilizou da narração em suas obras, sobrepondo e confundindo realidade imagética com a proto-realidade sonora. Para mim, o problema reside simplesmente no fato de não conseguirmos distinguir com lucidez, as premissas estéticas que diferenciam àqueles documentários – que por serem os primeiros que conheci e pela linearidade, os chamaria de clássicos – do que comumente entendemos por jornalismo diário. Há uma padronização formal acumulativa, como se para fazer documentário fosse preciso seguir uma forma – ou fórmula – e escolher um determinado tipo de objeto que terminam colocando o gênero apenas como uma inserção de valor-notícia sobre uma gama de pautas frias. Só queria dizer que nego esse tipo de intenção.
As recorrências desse tipo de produção não são poucas: tínhamos e temos sempre o depoimento direto, o plano americano, o entrevistado sentado, bem cuidado e alimentado, sempre a câmera parada, o uso da narração-explicativa, sempre a edição minimalista, um uso banal de imagens de arquivo, confluindo numa sempre ausência de cinema. Se a ficção me soava como uma faca descobrindo todos os riscos das imagens em movimento, brincando com os limites narrativos e não se esvaziando em seu trajeto - o que me parecia um movimento heurístico por parte do cineasta e que já havia sido muito bem percorrido pela literatura - o documentário se fincava como estático, como uma espécie de babá velha pegando a mão do espectador-criança e o levando cuidadosamente até a escola. Isso para não falar da recorrência detestável de objetos: ou estávamos de frente a um personagem famoso, ou tínhamos de rir de um anônimo excêntrico; ou caíamos com nosso complexo de culpa pequeno burguês numa comunidade pobre; ou iríamos desvendar um lugar exótico no sertão, um fato marcante na história ou bater o pé com o gingado de alguma manifestação artística considerada incomum. Ano após ano só fui achando mais enfadonho o cruzamento óbvio entre tais características ao mesmo tempo que fui descobrindo uma gama enorme de realizadores, ditos documentais, que rompiam com tudo que eu considerava documentário. Foi então que minha idéia começou a mudar, inclusive constituindo o diretor não como o cara que arruma a cadeira para o entrevistado sentar, mas como cara que chega e chuta o entrevistado da cadeira.
Se pensarmos bem, o problema não se finca num cansaço dos famosos – e para isso temos, entre outros, Primárias, de Robert Drew e Entreatos, de João Moreira Salles – nem se trata da falta de graça ou piedade pelos excêntricos – basta vermos como Estamira, de Marcos Prado e o recente curta Canosa One, de Felipe Barbosa nos conduzem por outras formas de captura da realidade, o primeiro extraindo filosofia poética de uma catadora de lixo com problemas mentais, o segundo acompanhando para cima e para baixo e se firmando como acompanhante durante as andanças de um curador cinematográfico no Rio de Janeiro. O problema também não reside numa negação imutável das características técnicas apontadas, elas não são características técnicas 'erradas', afinal temos um Edifício Master, do Eduardo Coutinho, basicamente feito apenas de depoimentos diretos, sem contar o francês Jean Rouch que sempre se utilizou da narração em suas obras, sobrepondo e confundindo realidade imagética com a proto-realidade sonora. Para mim, o problema reside simplesmente no fato de não conseguirmos distinguir com lucidez, as premissas estéticas que diferenciam àqueles documentários – que por serem os primeiros que conheci e pela linearidade, os chamaria de clássicos – do que comumente entendemos por jornalismo diário. Há uma padronização formal acumulativa, como se para fazer documentário fosse preciso seguir uma forma – ou fórmula – e escolher um determinado tipo de objeto que terminam colocando o gênero apenas como uma inserção de valor-notícia sobre uma gama de pautas frias. Só queria dizer que nego esse tipo de intenção.
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