Cumprindo meu papel sócio-cultural no mundo e minha boa ação do dia, queria lembrar aos queridos, queridas e querid@s que todas as edições das revistas A Scena Muda (1921 - 1955) e Cinearte (1926 - 1942) estão disponíveis integralmente na internet. É só clicar nas imagens abaixo. Concordo com o que tem escrito na própria apresentação do projeto, pensei até em copiar linha por linha, afinal ambas publicações se mostram realmente essenciais, enquanto documentos históricos, para qualquer pesquisa que necessite - seja pelo figurino, pela crítica, pelos filmes ou mesmo pela publicidade - remontar uma memória cinematográfica brasileira da primeira metade do século. Naturalmente tendem ao Rio de janeiro, mas como são, ao menos livremente disponíveis, os únicos registros de imprensa especializada da época, temos de nos contentar. Se bem que o processo de digitalização em si, iniciativa da Biblioteca Jenny Klabin Segall, me parece um ótimo exemplo a ser seguido por arquivos públicos e privados que assistem seus documentos deteriorarem ano após ano. Nessa linha dava até para criar um slogan bem militante brega do tipo: 'digitaliz@r é preserv@r, digitalize você também'. Daí colocava um nerd sorrindo e fazendo um 'legal' com a mão. Ta bom, parei.
Ai ai, eu fico me ironizando, porque às vezes tenho medo de acordar sem o deboche e virar um cibermarxista acadêmico chatão. Espero que só aconteça depois dos trinta.
É divertido descobrir as buscas que resultaram no seu blog, mas acho muito estranho que o terceiro resultado da busca "corinthians lógica cagar" seja o Velhos Hábitos. Fico muito me perguntando o que essa pessoa queria achar independentemente de onde ela foi parar. Pior que "uma granada explode em quantos segundos" e "primeiro suicídio filosófico" dá até para termos uma ideia do que a pessoa estava procurando, só não dá para ter ideia do porquê de meu blog ser o primeiro resultado em ambas as pesquisas. "Assassinatos ao vivo", sou o sexto, "zoofilia na década de 20", o sétimo e acho melhor parar por aqui, que isso já está ficando bizarro demais. No final das contas, fico meio pensando nos leitores esporádicos que tenho: futebolistas escatológicos, galera barra pesada do PCC, estudantes de filosofia pré-cfch e admiradores de snuff movies.
"Não tenho certeza de quando Brigitte e Jean-Louis fizeram amor pela primeira vez. Mas percebi que já tinham se tornado amantes quando estávamos rodando uma das cenas principais.
Na história, Juliette está fisicamente atraída por um dos três irmãos, o mais velho, Antoine. O papel era interpretado por Christian Marquand. No entanto, ela se casa com Michel, o irmão do meio, para evitar uma volta ao orfanato. No momento em que descobre as profundas qualidades de seu marido, passa a amá-lo. Antoine retorna para viver com eles. Juliette se dilacera entre o desejo de felicidade e harmonia com o marido e a atração visceral por Antoine. Não quer ser levada pela paixão física por Antoine, mas sabe que acabará cedendo. Certa noite, Michel desperta e percebe que sua mulher não está no quarto. Encontra-a na praia, perto da casa. Eis um trecho da cena:
MICHEL: Você não está feliz? (Juliette sorri tristemente. Michel acaricia seu rosto. De repente ela agarra a camisa dele, com o rosto cheio de angústia)
JULIETTE: Você deve me amar um bocado.
MICHEL: Sou louco por você. (Close-up de Juliette)
JULIETTE: Então diga. Diga que me ama, que sou sua, que você precisa de mim. Beije-me, Michel. Beije-me! (Michel está impressionado com a intensidade trágica da voz dela)
JULIETTE: Estou com medo.
MICHEL: De que, meu bem? (Juliette não responde. Vai deslizando para a areia com extraordinária suavidade. Seu corpo é fluido como água. Seu rosto e o canto da boca tocam a areia).
JULIETTE: (doce e quase tranquila) É difícil ser feliz.
Nunca Brigitte, a atriz, tinha sido tão profundamente honesta e desesperada. Ela era realmente Juliette, que queria amar o marido e salvar seu casamento, sabendo que jamais conseguiria fazer isso. Era também Brigitte, ainda apegada ao marido e apavorada pela idéia de abandoná-lo, por um homem que acabara de conhecer, e ao qual não podia resistir. Era como um mundo de espelhos, com uma sutileza pirandelliana. Jean-Louis Trintignant, seu marido no filme, passou a representar seu marido na vida real. Quando disse para a câmera que estava com medo, Brigitte-Juliette estava, na verdade, falando comigo.
Já em nosso quarto, no Hotel Negresco, após a filmagem, perguntei a ela:
- Ele é seu amante, não é?
- Sim.
- Você o ama?
- Estou com medo.
Antes de dormir, ela murmurrou:
- É difícil ser feliz
Até hoje não sei ao certo se ela repetiu deliberadamente a fala do filme ou se estava dizendo o que sentia".
'Bardot, Deneuve, Fonda - As Memórias de Roger Vadim', págs. 89/90/91'
Concordo plenamente com o que tem escrito na dedicatória que recebi: 'teoria do cinema o cacete. Bom mesmo é fofoca'. Acho que teria me entediado bastante se tivesse assistido 'E Deus criou a Mulher' sem ler o livro de memórias do diretor, sem saber todos os bastidores emocionais / sociais (Brigitte largando ele para ficar com o protagonista, as chantagens, bebedeiras, os encontros...), e produtivos / técnicos (tiveram de inserir um ator famoso, Curd Jurgens, para conseguir filmar em Cinemascope, problemas, filme de estréia, falta de dinheiro...). Fiquei tão na fissura por cada detalhe que era só preciso uma lampejo de cena de dois segundos da Brigitte brincando com um cocker spaniel preto para eu ficar louco me perguntando: será Clown? (o cachorro que ambos consideravam como o único filho da relação). Não se trata do filme não despertar interesse sozinho, pelo contrário, a sensualidade da Bardot tem sim o teor provocativo que a imortalizou (vide, O desprezo como exploração disso), só que aqui, em 1956, a sensualidade termina caindo um pouco na lógica de 'ser provocativa para sua época', o que gera um certo incômodo em mim. O quase fervor de um corpo não é o suficiente se não há o fervor da mise en scène. De fato, uma boca não faz um filme, mas ainda assim, pensando bem, acho que o jogo de esconder mais e mostrar menos, dando a impressão de estar mostrando mais do que realmente está é, nessa obra, de um requinte imenso.
Inclusive, se formos levar em conta que esse filme por muito, mas muito pouco não foi censurado, no julgamento foram 4 votos a favor da liberação e 3 contra, só posso ter certeza que os censores viram muito mais do que estava sendo projetado na tela: e concordo que em algumas cenas, a presença ou ausência de roupas não faz muita diferença aos seios da Brigitte Bardot. A estréia chegou a ser cancelada na hora, quando os convidados, tipo a Audrey Hepburn, já subiam as escadas do cinema e se perguntavam em meio à baderna: "O que está acontecendo? Uma revolução?". Achei desproporcional o barulho sobre a obra depois de vê-la, talvez seja até exagero de lembrança, mas as memórias são do Roger Vadim e ele faz das memórias o quiser. Talvez esse receio diante da moralidade diegética tenha a ver com a dificuldade que possuo em me interessar por boa parte da produção cinematográfica francesa da década de 50, por eu ter nas costas uma longa bagagem afetiva interligada à Nouvelle Vague: só para compararmos diretamente, tenho de dizer que a nudez em O Desprezo é anos-luz mais provocativa. Tudo antes parece meio velho, comportado e empoeirado demais. Existem exceções, óbvio. De qualquer forma, reconheço vários momentos na produção do Vadim, assim como o fez Truffaut, que na época escreveu uma crítica super positiva, colocando a obra como essencial para uma abertura de horizontes. Talvez tivesse razão. Tudo bem que prefiro mil vezes as revelações do livro, mas essa cena me parece genial:
Nunca tive um interesse natural por grandes épicos, os assistia meio pensando 'tenho de assistir mesmo, então vamos lá, melhor que seja logo', terminava adiando, adiando, de forma que criei um grande vácuo desse gênero no meu repertório. Estava sempre me esquivando, em especial pela longa duração de cada um deles: terminava correndo para a ficção científica ou para os filmes B de fantasia (o que inclui Simbad, Hércules, Xena e todos aqueles filmes mitológicos com efeitos especiais toscos que eu adoro). De qualquer forma, assisti alguns épicos. Ben-Hur (EUA, 1959, 212 min), de William Wyler e El Cid (EUA, 1961, 182 min), de Anthony Mann, eu já tinha visto quando garoto, meio que obrigado pela minha mãe que adora e adorava os grandes épicos e filmes religiosos - e, me desculpem, mas nem vou tentar psicanalisar essa oposição entre os nossos gostos. Re-assisti ambos há uns dois anos e ok, não mudaram minha vida nem para melhor, nem para pior. Tudo na mesma.
Enfim, só queria dizer que essa semana tive a disposição para Spartacus (EUA, 1960, 187 min), que eu pensava 'olha só onde você vai se meter, antes de ser um filme de Stanley Kubrick, é um épico'. Tinha receio de manchar uma carreira que me parece irretocável. Arrisquei e acho que se trata do contrário: antes de um épico, é um Stanley Kubrick. Que o diga a cena dos mortos no campo de batalha e a dos crucificados ao longo de toda uma estrada. Mas teve algo em particular que me chocou: o típico subtexto homossexual desses filmes, tinha nessa obra, por meio do roteiro do Dalton Trumbo, se tornado menos sub e mais, muito mais explícito. O filme é muito gay e não acredito que isso passe desapercebido aos pais de família brancos héteros que tomam essa produção como uma das maravilhas da sétima arte. Na linha eu sou Spartacus, quando todos gritam. Nos outros dois também existe o tom, mas é tão sutil que pode se passar por fraternidade, brotherhood, não desejo. Só para provar que Spartacus é mais explícito, olha só esse diálogo entre o Laurence Olivier (Crassus, despido) e seu servo Tony Curtis (Antoninus, semi nu), enquanto o segundo esfrega as costas do primeiro numa banheira:
Marcus Licinius Crassus: Do you eat oysters?
Antoninus: When I have them, master.
Marcus Licinius Crassus: Do you eat snails?
Antoninus: No, master.
Marcus Licinius Crassus: Do you consider the eating of oysters to be moral and the eating of snails to be immoral?
Antoninus: No, master.
Marcus Licinius Crassus: Of course not. It is all a matter of taste, isn't it?
Antoninus: Yes, master.
Marcus Licinius Crassus: And taste is not the same as appetite, and therefore not a question of morals.
Antoninus: It could be argued so, master.
Marcus Licinius Crassus: My robe, Antoninus. My taste includes both snails and oysters.
Isso é porque eu não descrevi a troca de olhares, melhor assistir. Como pode aquele filme podre Alexandre causar tanta polêmica quando quarenta anos antes já existia Spartacus no mainstream? Às vezes eu acho que a permanência de certos choques é uma pura falta de memória. Já era para o povo está chocado há muito tempo. Fireworks. Fireworks.
Eu ia cometer a gafe de começar esse post perguntando se alguém mais achava que o Roberto Farias tinha o espírito de A Primeira Página (EUA, 1974), do Billy Wilder na cabeça, quando fez Toda Donzela tem um Pai que é uma Fera (Brasil, 1966). Só depois descobri que o segundo tinha sido feito antes do primeiro. Ficou confuso, mas acho que vocês entenderam o que quis dizer: por ter assistido o wilder antes do farias desloquei as produções de suas próprias cronologias para inserí-lasúnic e exclusivamente na minha cronologia. De qualquer forma, eu sei que é bem arbitrário fazer esse tipo de afirmação direta entre obras, sempre gera equívocos, afinal é muito mais uma relação fruto de nossas próprias cabeças e backgrounds que um minucioso plano dos diretores em questão. Não sempre, óbvio, mas aqui é assumidamente, então quero continuar aloprando em paz. De fato, além do nonsense das datas e países, tenho de admitir que as histórias nem são parecidas, longe disso até, mas acredito que a forma de capturar o riso e estruturar a comédia - e fazê-la funcionar muitíssimo bem - seja bastante semelhante. É uma fórmula bem conhecida e já banalizada como quase tudo nesse mundo: cria-se um clima de tensão, por um personagem estar escondendo 'alguma coisa' de um outro personagem; nós, espectadores, sabemos o que é essa 'alguma coisa', sabemos que se for descoberta antes da hora será uma tragédia e tudo passa a girar em torno das situações mais inusitadas para que a 'alguma coisa' permaneça secreta. Em ambos os casos, a tal coisa são pessoas: no nacional, a donzela sendo escondida do pai militar pelo amante e pelo amigo libertino no apartamento do libertino; no americano, um suposto criminoso comunista sendo escondido da polícia e dos outros jornalistas, numa sala de imprensa coletiva, pelo editor e jornalista de um mesmo jornal. É uma fórmula batida, convenhamos, mas acho que ainda funciona: senti a leveza que toda boa comédia deve nos causar. No clima sou cult de nascença, engajados por todos os lados, cinema novo, estética da fome e tudo mais que imaginamos que era o meio da década de 60, o que eu ia querer assistir para relaxar um pouco era uma comédia divertida, alienada e acéfala como essa. Se brincar não tão acéfala: comunistas inocentes e militares retrógrados não me parecem uma caricatura inocente. Talvez só não levante bandeira. Mas pra compensar, no ano seguinte teríamos Terra em Transe, daí poderíamos voltar a pensar e nos fazer de conscientes e politizados. Às vezes fico achando que, mesmo com todo meu respeito, os filmes e escritos do Glauber Rocha eram muito sérios e que o maior ensinamento do Cinema Marginal foi o de que um pouco de humor, insanidade e cultura de massa no discurso e na técnica não fazia mal algum. Não fez. Acho que Godard já sabia disso. Bang Bang.
Quem escrever, falar, sussurrar Costa-Gavras mais uma vez colocando o 'r' no lugar errado, Costa-Gravas, é a mulher do padre. É que esse erro é trauma de adolescência: desde os treze anos brinco de corrigir. Minha paciência que já não era muito o meu forte meio que acabou.
Só espero que a Graça Araújo se confunda. Ela pode. Sobe som. Palmas. Flashs. Alunos da Maurício de Nassau.
Esta é uma anti-recomendação: eu assisti recentemente um curta do Guillermo Arriaga, chamado Rogelio, e achei tão podre de ruim, tão podre de ruim, que fiquei sem saco e sem palavras pra me justificar, pois só conseguia pensar que se brincasse, caso fosse inscrito no Festival de Vídeo do Recife, o curta não ganharia nada. Talvez nem seria selecionado. Melhor mesmo era que não existisse: e antes de voltar pro meu artigo-destruidor-de-vidas-e-emoções, tenho de dizer que não tem um só morto que mereça a dedicatória. Poesia de boteco da pior espécie.
Eu seria uma pessoa na fossa tão mais feliz se visse isso ao vivo, sendo bem esperançoso imagino no Coquetel Molotov, mas acho que pelo andar da carruagem - e como adoro essa expressão - está mais fácil rolar 'beijinho doce'. Numa opção ou na outra, estaria na primeira fila cantando juntinho.
Depois de várias listas dos melhores do ano passado, Paranoid Park pra cá, Paranoid Park pra lá, uma lista simplesmente em ordem cronológica do que andei assistindo desde o reveillon:
Nannok do Norte (EUA, 1922), de Robert Flaherty. Assisti no primeiro dia do ano, no notebook, na praia e agora entendo - e acho até que faz todo o sentido - que esse seja um filme mais lido que visto e não por ser supostamente raro ou chato, nem por ser mudo, da década de 20 ou retratar a 'divertida' vidinha dos esquimós, mas - e levando em em conta que se trata da obra canonizada como inventora do documentário enquanto gênero cinematográfico - por ser relevante sabermos que a versão final foi re-encenada e gravada após o diretor perder, num incêndio causado por seu cigarro, todo um material de registro 'documental' que havia feito ao longo de sete anos no norte do Canadá. Daí o Flaherty ficcionalizou geral em sua segunda tentativa, criando personagens, concatenando as cenas a partir de suas lembranças e chegando a pedir aos esquimós, para passar uma impressão rústica da comunidade, que eles fossem gravados caçando com lanças, mesmo que o uso de armas de fogo fosse comum. Saber que o documentário se instituiu assim, em meio a tanta mentira, me alegra bastante.
Eu, um Negro (França, 1958), de Jean Rouch (02/01/09)
Crônica de um Verão - Paris, 1960 (França, 1961), de Edgar Morin e Jean Rouch (02/02/09)
Jaguar (França, 1967), de Jean Rouch (03/01/09)
Brokeback Mountain (EUA, 2005), de Ang Lee
Revisto na TV, na Globo, dublado e se eu tinha detestado quando vi no cinema, desta vez me diverti um bocado pensando nas donas de casa do meu Brasil que estavam se identificando com a Jen do Dawson's Creek, chocadas com os moderados beijos dos cowboys e morrendo de medo de seus machos machões serem as bibas enrustidas da repartição. Tudo isso nos quarenta minutos que me mantive acordado, porque, me desculpe vocês, mas não tive saco de assistir de novo até o fim. De qualquer forma, para mim, a inteligibilidade boba e melodramática do roteiro - que se torna apaticamente diferente só por se tratar de uma história gay - funciona muito mais na televisão, com o alcance da televisão e diante de um público amplo e pudico, que no cinema, sempre restrito e refém de um público direcionado. Pode ser preconceito barato de uma mídia sobre a outra. Que seja.
Close-up (Irã, 1990), de Abbas Kiarostami
O Tesouro de Sierra Madre (EUA, 1948), de John Huston
A Grande Família - o Filme (Brasil, 2007), de Maurício Farias
Cleópatra (Brasil, 2007), de Júlio Bressane
Comecei até a escrever algumas palavras, mas agora agora estou procurando emprego para não terminar na rua. Vou atualizando aos poucos até cansar.
Não saco nada de música, nadinha, só escuto e ponto, mas na minha santa ignorância acho que esqueceram de colocar os discos do Tom Zé e do Gnarls Barkley na lista dos melhores de 2008. Portishead na veia.
Há alguns anos, quando estava no momento limite de tornar o cinema não apenas um belo entretenimento de cada dia, mas um objeto primeiro de interesse e pesquisa, costumava colocar o documentário como um gênero menor. Admito o senso comum dessa premissa, mas também admito a importância de considerarmos a vivência do senso comum como auxílio em seu próprio entendimento. Portanto, ao invés de simplesmente descartá-lo como nos sugere a academia, seria mais fecundo entender e se deixar envolver por sua lógica: como um bom adolescente cinéfilo, tinha me dado conta que boa parte de minhas limitadas referências até então – de fato, não conhecia Vertov, Rouch e pouco sabia de Coutinho, mas freqüentava anualmente o CINE-PE – se apegavam a algumas regrinhas estruturais básicas, que tendiam a esvaziar a forma num intuito ingênuo de preservar o conteúdo, minimizando os recursos cinematográficos por uma mera busca didática. Basta pegar a programação do Festival de Vídeo do Recife em todas as suas edições ou o catálogo da Massangana Multimídia Produções para perceber que exemplos não faltam. É impossível não perceber o menosprezo pela inteligência mínima do espectador contemporâneo, criado numa ode à desconstrução, quando nos vemos diante de apropriações narrativas que de tão lineares e corretas me parecem anacrônicas. E não se enganem, também não estou defendendo a desconstrução como um valor em si.
As recorrências desse tipo de produção não são poucas: tínhamos e temos sempre o depoimento direto, o plano americano, o entrevistado sentado, bem cuidado e alimentado, sempre a câmera parada, o uso da narração-explicativa, sempre a edição minimalista, um uso banal de imagens de arquivo, confluindo numa sempre ausência de cinema. Se a ficção me soava como uma faca descobrindo todos os riscos das imagens em movimento, brincando com os limites narrativos e não se esvaziando em seu trajeto - o que me parecia um movimento heurístico por parte do cineasta e que já havia sido muito bem percorrido pela literatura - o documentário se fincava como estático, como uma espécie de babá velha pegando a mão do espectador-criança e o levando cuidadosamente até a escola. Isso para não falar da recorrência detestável de objetos: ou estávamos de frente a um personagem famoso, ou tínhamos de rir de um anônimo excêntrico; ou caíamos com nosso complexo de culpa pequeno burguês numa comunidade pobre; ou iríamos desvendar um lugar exótico no sertão, um fato marcante na história ou bater o pé com o gingado de alguma manifestação artística considerada incomum. Ano após ano só fui achando mais enfadonho o cruzamento óbvio entre tais características ao mesmo tempo que fui descobrindo uma gama enorme de realizadores, ditos documentais, que rompiam com tudo que eu considerava documentário. Foi então que minha idéia começou a mudar, inclusive constituindo o diretor não como o cara que arruma a cadeira para o entrevistado sentar, mas como cara que chega e chuta o entrevistado da cadeira.
Se pensarmos bem, o problema não se finca num cansaço dos famosos – e para isso temos, entre outros, Primárias, de Robert Drew e Entreatos, de João Moreira Salles – nem se trata da falta de graça ou piedade pelos excêntricos – basta vermos como Estamira, de Marcos Prado e o recente curta Canosa One, de Felipe Barbosa nos conduzem por outras formas de captura da realidade, o primeiro extraindo filosofia poética de uma catadora de lixo com problemas mentais, o segundo acompanhando para cima e para baixo e se firmando como acompanhante durante as andanças de um curador cinematográfico no Rio de Janeiro. O problema também não reside numa negação imutável das características técnicas apontadas, elas não são características técnicas 'erradas', afinal temos um Edifício Master, do Eduardo Coutinho, basicamente feito apenas de depoimentos diretos, sem contar o francês Jean Rouch que sempre se utilizou da narração em suas obras, sobrepondo e confundindo realidade imagética com a proto-realidade sonora. Para mim, o problema reside simplesmente no fato de não conseguirmos distinguir com lucidez, as premissas estéticas que diferenciam àqueles documentários – que por serem os primeiros que conheci e pela linearidade, os chamaria de clássicos – do que comumente entendemos por jornalismo diário. Há uma padronização formal acumulativa, como se para fazer documentário fosse preciso seguir uma forma – ou fórmula – e escolher um determinado tipo de objeto que terminam colocando o gênero apenas como uma inserção de valor-notícia sobre uma gama de pautas frias. Só queria dizer que nego esse tipo de intenção.