sábado, 28 de outubro de 2006

Cinema Sozinho (Brasil, 2004), de Maurício Targino

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Cotidiano

Não suporto os rotineiros cumprimentos sem significado, apesar de tolerar a condição de podermos conhecer mil pessoas, nos tornarmos amigos dessas mil, vivermos um tempo maravilhoso com todas elas e depois querermos simplesmente que sumam da nossa frente. O problema reside no fato de ser impossível 'desconhecer' mil pessoas, não seria tanto apagá-las como em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembrança (EUA, 2004), de Michel Gondry, mas fazê-las sair de seu círculo de convivência, mandá-las para o leste europeu no inverno, afinal a presença pela presença nos deixa no incômodo dilema de fingir simpatia ou indiferença. Se rolar um momento nostalgia aí é que fode tudo. O resultado é que termina por ser patético na maioria das vezes. Não sei como ficariam os encontros casuais no meio da rua ou naqueles lugares que costumavam frequentar juntos, mas sei menos ainda como ficaria a relação com os amigos em comum. A cautela com as pessoas que deixamos para trás às vezes me parece um fardo daqueles que fazem questão de lhe lembrar que a sua vida não é, nem nunca será só sua, que mesmo que você lute para assumir todas a lacunas dos rumos, não necessariamente irá fazer de seu veredicto a determinação para continuar em frente. No mais, tenho pânico de semi-conhecidos: dos que sempre o foram e sempre serão e dos que lentamente submergem nesse patamar.

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

A Banda Tropicalista do Duprat, 1968


(Publicado originalmente no Overmundo)

"Não é de uma hora para outra que vai surgir um movimento como a Tropicália, que jogou merda no ventilador. Aquilo era tão ousado que não durou muito – mandaram Caetano e Gil embora do país".

Rogério Duprat em entrevista recente.

Sobre o Álbum

Duprat sempre foi um integrante do movimento tropicalista que me chamou bastante a atenção por algum motivo que aparentemente desconheço. Eu mantinha certo respeito perante ele, provavelmente por não saber bulhufas sobre seu trabalho com maestro e arranjador até então. Ou talvez, fosse pelo simples fato dele ser o mais velho dentre as crias do tropicalismo. Por sinal, eu só fui descobrir que ele tinha um disco próprio, tropicalista, há uns três ou quatro meses atrás, pouco antes de pensar em fazer a resenha sobre o disco de Caetano. Até então, Duprat só era o rapaz intelectual que segurava o penico, simulando uma xícara bem chá das cinco, na capa de “Tropicália ou Panis et Circenses”. E mal passado algum tempo, já estou eu aqui, escrevendo uma pseudo-resenha sobre. Quanta pretensão, meu Deus. De qualquer forma, procurei fincar uma base teórica e histórica quase sólida, através de uma rápida pesquisa, que me ocupou por alguns dias. Vale ressaltar o quão pouco se escreve sobre certas figuras da música brasileira. E não digo só o Duprat, mas até conjuntos que eu considerava um tanto “conhecidos” (e até reverenciados) como o “Ave Sangria” ou Walter Franco. Minha mãe, por exemplo, nunca tinha escutado falar neles, mesmo que estivesse iniciando a sua vida adulta quando a banda lançou seu disco em 1974. Vai saber o que ela estava fazendo naquele ano. Espero que isso não tenha nada a ver com o fato de minha irmã ter nascido em 75. Enfim, após peneirar informações e informações me tornei pseudo-apto a falar sobre Duprat, podendo dar uma opinião crítica sem soar tão hipócrita, podendo eventualmente falar mal e me satisfazer sem grandes pesos na consciência. E vale (vale?) ainda ressaltar que estudar o passado é, invariavelmente, estudar a história a partir do ponto de vista de alguém. É perigoso e infelizmente pessoas como eu não têm opção. Não demorou muito até eu descobrir algumas coisas bem importantes (e não sei se tão interessantes).

Resumindo: Duprat possui uma formação erudita, que a partir da segunda metade da década de 60, se aproximou da música popular, criando um produto híbrido. O maestro estava cansado de compor obras que terminavam destinadas a uma pequena elite e passou a praticar a fundo todo seu conhecimento musical, o que resultou na fusão de diversos estilos, muitas vezes, em um só arranjo. É o que dizem por aí, pelo menos. Duprat foi o arranjador de diversas canções tropicalistas, de discos inteiros, inclusive assina os carros-chefes do movimento: “Domingo no Parque” e “Alegria, Alegria” de Gilberto Gil e Caetano Veloso respectivamente. Além disso, o arranjador trabalhou em muitos dos discos dos Mutantes e foi decisivo nas experimentações usadas pela banda. Ficou conhecido como o George Martin da Tropicália (só não sei se durante a própria Tropicália, já que essas definições-comparações só aparecem depois). Na década de 70 gravou com Walter Franco e Chico Buarque, mas com a perda gradativa de sua audição, se afastou do meio musical. É de uma tristeza imensa, mas a imagem de um maestro e arranjador perdendo a audição, gradativamente, também pode ser extremamente poética. Melancólica, mas poética. Na década de 90, abriu uma exceção para fazer alguns arranjos para Rita Lee e Lulu Santos. E realmente podia ter morrido sem essa (não, ele ainda não morreu; essa só foi mais uma das minhas piadas sarcásticas e sem graça). Segundo Tom Zé, que conviveu de perto com o maestro, um arranjo de Duprat era algo como escutar "Jackson do Pandeiro manejando uma orquestra de Beethoven". No mínimo sugestivo, mas um tanto exagerado. Entretanto, talvez nada disso importe e o tal do resumindo tenha se estendido por demais.

Para falar a verdade, eu tenho uma opinião engraçada sobre “A Banda Tropicalista do Duprat”. Antes de tudo, é bom deixar claro que eu não consigo desvincular essa produção fonográfica do “Yellow Submarine”, dos Beatles lançado no mesmo ano de 1968. Parece nonsense, não há como negar. A obra quase que totalmente experimentalista do quarteto de Liverpool (e chamá-los de quarteto de Liverpool é o super clichê eu sei), possui no Lado B apenas músicas instrumentais compostas e arranjadas por George Martin. Grande merda o resultado final. Mas a questão aqui é outra: George Martin arranjou diversas músicas dos Beatles e as tornou geniais, desde as mais clássicas dos yeh yeh yeh (nem tão geniais, bora combinar) até os arranjos experimentais a partir do disco “Revolver”, mas em um trabalho próprio terminou por produzir uma obra bem abaixo do esperado. Para mim, o mesmo acontece com Duprat. Afinal o maestro brasileiro é responsável pelo arranjo de diversas músicas geniais, de diversos artistas envolvidos no tropicalismo. E outros além disso. Mas no seu próprio disco não há nada de muito genial, há muito clichê para falar a verdade, ainda que tenha seus momentos de qualidade inegável. Imagino que esse disco não tenha sido recebido com bons olhos na época em que foi lançado, pelo tom (pseudo?) experimental / instrumental dele e por estar vinculado a um processo contracultural. Com certeza foi um fracasso comercial. Até na contracultura (ha-ha-ha). "A Banda Tropicalista do Duprat" é um daqueles discos bastante comentado no meio pseudo-cult-musical, mas pouco ouvido de verdade e, na verdade, o pseudo-cult é justamente o comentário feito por outros comentários sem relação direta com a obra. E voltando à minha opinião engraçada, os Mutantes participam de quatro músicas e mesmo que produzam alguns bons momentos, não conseguem torná-los geniais. Duprat depois viria afirmar que não gosta muito desse disco, que o processo de formatação gráfica da capa foi cretino (ainda que eu ache essa capa muito bem composta) e que ele sofreu pressões na hora de compor o repertório. Sabe-se lá o quão isso é verdade. Simplesmente ele pode estar se ausentando da culpa. Não importa. Para mim o disco saiu próximo do que ele disse. É uma obra que grita na capa “EU SOU TROPICALISTA” e que no final nem é tanto assim. Não é um disco ruim, apenas tem um claro problema de repertório que distancia um pouco o resultado da proposta do movimento. Sem querer Duprat terminou soando meio careta, terminou sem se despir e jogar merda no ventilador.

Sobre as Músicas

1. Judy in Disguise (Bernard, John Fred, Wessle)

2. Honey (Bob Russel) / Summer Rain (J. Hendricks)

3. Canção para Inglês Ver (Lamartine Babo) / Chiquita Bacana (Alberto ribeiro, João de Barro).

4. Flying (Lennon, McCartney)

5. The Rain, The Park And Other Things (Duboff, Kornfeld)

6. Canto Chorado (Billy Blanco) / Bom Tempo (Chico Buarque) / Lapinha (Baden Powell, Paulo Cesar Pinheiro).

7. Chega de Saudade (Tom Jobim, Vinícius de Moraes).

8. Baby (Caetano Veloso)

9. Cinderella-Rockfella (M. Williams)

10. Ele Falava Nisso Todo Dia (Gilberto Gil) / Bat Macumba (Caetano Veloso, Gilberto Gil) / Frevo Rasgado (Bruno Ferreira, Gilberto Gil).

11. Lady Madonna (Lennon, McCartney).

12. Quem Será (Evaldo Gouveia, Jair Amorim).


Numa rápida olhada no repertório, notamos logo o primeiro equívoco do disco. Claramente essas músicas não representam como conjunto, a proposta do tropicalismo. De jeito algum. E porque chamar então de “A banda tropicalista do Duprat”????? Eu não entendo. E nesse sentido, é que eu passo a gostar mais do disco de Caetano antes resenhado, pois ainda que tenha alguns escorregões, o disco é o que se propõe a ser. A obra de Duprat não. E mesmo com um pé atrás, imagino que as releituras dele podiam transformar minha opinião. Nem se enganem, não transformou. Ainda assim (e isso pode soar contraditório com o que eu disse até então), o disco começa muito, muito bem mesmo e por acaso, com uma música ‘gringa’. “Judy in Disguise” só me remete a algum musical bem escandaloso ou alguém andando na Broadway com um guarda-chuva. Aquela coisa com muito néon, pessoas na rua, dançando em passos sincronizados, com direito a toda parafernália Hollywoodiana. O detalhe é que, na minha cabeça, toda essa seqüência de imagens passa numa televisão, posta por acaso no meio de uma rodinha de samba. Não, eu não tomei ácido antes de começar a escrever, mas é que por mais internacional que seja, há um enorme clima tropical no compasso. É Interessante e instrumentalmente magnífica. Continuando na trilha da gringolândia, temos “Honey” e “Summer Rain”. E definitivamente, se isso for tropicalismo, eu sou Alain Delon. Parece simplesmente uma trilha sonora de algum filme, mas nada Cinema Novo e sim “E o Vento Levou...” para baixo. Nessa linha. Se algumas músicas foram realmente forçadas no repertório, essas são as ‘mais mais’ de todas. Tem aquela suavidade que muitos devem gostar, mas que inserida nesse contexto só pode me causar náuseas (em outra situação eu até gostaria de parte delas). Ainda nesse parágrafo queria fazer uma ressalva sobre os dois covers dos Beatles, presentes nesse disco. Os dois completamente desnecessários ao meu ver. A instrumental “Flying” ficou muito parecida, na verdade. Apenas não está tão agradável de escutar e acredito que não tem o mesmo rebuscamento da original por mais que, a versão de Duprat pareça, numa primeira audição, mais complexa. Não se enganem. "Lady Madonna" é uma música que já não gosto com os Beatles. Cover então, não funciona mesmo. E não tem Mutantes que salve.

Sim, mas prosseguindo encontramos “Canto Chorado / Bom Tempo / Lapinha” um meddley que lembra arranjos de Chico Buarque (até porque Bom Tempo é uma canção dele) e não tem nada de vanguardista, mas é uma coisa boa de escutar. Rende vários momentos ótimos, para ser justo, mas não é tropicalista e não recebe uma roupagem diferenciada. É aquele lugar comum que também atinge “Chega de Saudade”, composta por Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Uma Bossa Nova meio recauchutada, mas ainda assim Bossa Nova. Tropicalismo que é bom, nada. Outra música que segue quase os mesmos caminhos das duas anteriores é a última do disco: “Quem Será”. A única diferença é que essa nem agradável consegue ser. É apenas sem graça e as poucas intervenções dão um ar que o tropicalismo pode ser raso e pseudo como qualquer outro movimento. Achar que alguns sons de pessoas conversando, carros buzinando e afins vão tornar uma música vanguardista é subestimar demais quem está ouvindo, desculpa. Parece-me mais falta de respeito com toda concepção do movimento.

Ok, para não ser tão chato e Lellye não brigar comigo, vamos falar de Mutantes. Mas antes, preciso deixar claro que já comentei a infelicidade em "Lady Madonna", então nem vou mais abrir o bico em relação a essa. A participação começa em “Canção para Inglês Ver / Chiquita Bacana”. É aquela coisa bem parodia, bem mutantes. Mas parodia de qualidade e tropical ao modo que eles sempre fizeram. Tem a marca bem clara, tanto numa como na outra. Mas enquanto que, na primeira, parece uma parodia mais moldada, a segunda é o escracho total. E elas se complementam de um modo incrível, inclusive “Canção para Inglês Ver”, parece pegar a deixa de “Judy in Disguise”, deixa interrompida por “Honey / Summer Rain”. Enfim, em seguida, surge o que, para mim, é um dos melhores momentos do disco: “The Rain, The Park & Other”. Li em algum lugar sem importância que era uma daquelas músicas ‘one hit’ de uma banda “the” alguma coisa desconhecida (The Cowsills). Ela tem um estilo sessentista que me remete a algumas bandas meio desconhecidas da década em questão, tipo Love e Jefferson Airplane, em seus discos de 1967, “Forever changes” e “Surrealistic Pillow” respectivamente. Muito bom. Assumo que alguns me chamariam de paradoxal, por todo discurso “mas não é tropicalista e tal, tal, tal”. Mas nem adianta dizer, a contradição me persegue. “Cinderella Rockfella”, outra canção com participação dos Mutantes, só me remete a Pica-Pau e afins. Depois disso, essa resenha perde todo o respeito, eu sei. Mas em vários desenhos antigos, vez ou outra, tocava umas músicas legais, tipo uns jazz com vozes estranhíssimas. Essa música podia ser incluída num desses desenhos sem problemas. Adoro.

Enfim, depois de rodar e rodar e rodar, chegamos na parte realmente tropicalista do disco que surge em algumas músicas conhecidas, arranjadas sem os vocais. Se por um lado parece que está faltando uma parte da canção, por outro é possível se sensibilizar mais facilmente com o arranjo montado, afinal todos os holofotes ficam virados para esse ponto. E provavelmente essa era a intenção de Duprat. Na verdade, eu ainda não me decidi se isso é uma coisa que me incomoda ou não. Pois devia, né? Sinto a falta da voz de Gal em “Baby”, mas não sinto falta da de Gilberto Gil em “Ele falava sempre nisso / Batmacumba / Frevo rasgado”. É complicado. Talvez não seja bom generalizar, afinal um dos pontos positivos do disco é a capacidade dele de se transformar, de possuir um conceito (ou quase isso) fincado sobre diferentes facetas. E infelizmente, algumas das quais nada tropicalistas e nem por isso: nada interessantes. Acontece com todos arranjadores até com velhos que seguram penicos em capas de discos emblemáticos por aí.

domingo, 1 de outubro de 2006

Une Femme est Une Femme

Estou aprendendo inglês por música, espanhol por cursinho e francês por osmose.

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

Jornalista

ou a eterna busca por uma tragédia para chamar de sua.

segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Capas

I

"Tem certeza que vcs sabem fazer uma capa psicodélica?"
Sunshine Superman (1966)


"Pode crer que essa vibração vai pegar..."
Are you experienced? (1967)


"Cara, se o Hendrix fez, a gente tem que fazer também"
Safe as Milk (1967


"Vocês são tudinho uó"
Caetano Veloso (1968)


"Tô achando que vai ficar meio homossexual".
Perfeitamente, justamente quando cheguei (1972)


"Essa galera se passa: a gente faz cara de discreto e tu faz cara de quem ta gozando" Um passo a frente (1973)

II

A capa começou simples e cheia de estilo...
Surrealistic Pillow (1967)

...aí virou profundamente conceitual...
Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band (1967)

...naturalmente vieram as imitações baratas...
Their Satanic Majesties Resquest (1967)


...fizeram pastiche...
We're only in it for the Money (1968)

...não demorou muito até chegar ao terceiro mundo...
Tropicália ou Panis et Circencis (1968)

...e depois de rodar geral voltou pra casa com a maior cara de mundiça.
Preservation Act 1 (1973)

terça-feira, 29 de agosto de 2006

Eros Motel

Pai e filho seguiam no carro sem trocar grandes olhares. O filho dirigia. Quando passaram por um desses motéis enormes, com cara de Shopping Center e neon visível há dezenas e dezenas de metros de distância, o filho não se conteve e logo começou a contar vantagens:

- Fui uma vez aí, tem quarto com sauna, boate, espaço gourmet, banheira...

O pai interrompeu levemente desinteressado, usando da rispidez típica de quem fuma charutos cubanos:

- Para mim, motel só precisa ter uma cama.

terça-feira, 22 de agosto de 2006

Caetano Veloso, 1968


(Publicado originalmente no Overmundo)

"Você está por fora, Caetano. Veja o programa do Roberto Carlos. Ele é que é forte. O resto está ficando um negócio chato, tão chato que prefiro cantar músicas antigas. Largue esse violão e cante com uma guitarra. O violão é muito pouco para você! Escolha um instrumento que tenha o mesmo grito, que tenha o seu gesto".

De Maria Bethânia para seu irmão Caetano Veloso, ano de 1967 (CALADO, Carlos, Tropicália: A história de uma revolução musical, Editora 34). Citação encontrada na internet e obviamente de veracidade questionável. Não cabe a mim investigar nada e a preguiça também não colabora. Ficamos na boa dúvida, por fim.


Sobre o Álbum

Eu não sei bem o que Caetano pensa hoje sobre esse disco, com uma carreira tão extensa deve ser difícil se ater em particular a um único objeto antigo, nem sei direito o que ele pensava quando o lançou em janeiro de 1968. Já ouvi dizer ou li em algum lugar sem importância, que foi, para ele, o mais próximo que podia produzir a partir do que foi sugerido em “Terra em Transe” (1967), de Glauber Rocha sem perder de vista todas as reverberações emitidas ao mundo da arte por Hélio Oiticica. Provavelmente também foi a condensação mais próxima, em termos de inventividade e postura, do que vinha sendo mostrado, entre outros, pelo “Sgt Peppers” (1967) e Revolver (1966), dos Beatles, pelo “Are you experienced?” (1967), de Jimi Hendrix, pelo “Piper at Gates of Dawn” (1967), do Pink Floyd, pelo "Sunshine Superman" (1966), do Donovan e pelo “Pet Sounds” (1966), dos Beach Boys. A aproximação entre distintos estilos musicais, colocando instrumentos orientais unidos a guitarras elétricas a todo vapor influenciaram naturalmente a nova estética adotada por Caetano e pelos tropicalistas (em especial Os Mutantes), se interligando e sentando ao lado, no campo das referências, da bandinha de pífano de Caruaru, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Vicente Celestino e toda cultura popular brasileira. As cabeças estavam realmente piradas, o rock se legitimava como arte, as vielas entre regionalismo e universalismo devoravam umas as outras: surgia a vontade de misturar tudo, de mesclar isso com aquilo, de se deixar melar pelas mais diversas influências. As idéias de Oswald de Andrade estavam mais atuantes do que nunca. Antropofagia era a palavra e a atitude da vez, mas os nomes eram outros: ao invés de Oswald, Mário de Andrade, Pagu ou Tarsila do Amaral, tínhamos Gilberto Gil, Torquato Neto, Gal Costa, Rogério Duprat e Tom Zé. Tínhamos Caetano e toda a caretice de “Domingo”, seu primeiro disco gravado juntamente com Gal Costa, podia agora ser esquecida. Aqui temos outro Caetano. Nada de violãozinho na mão brincando de João Gilberto e cantoria comportada, bem modada e retrógrada, onde todas as canções soam como uma só. Nada disso. Aqui temos a Tropicália, a brincadeira, o desbunde. Nada de Bossa Nova, nada de Jovem Guarda. Ou melhor, um pouco de cada coisa, tudo misturado num acorde dissonante. E como tudo que é realmente novo choca simplesmente pela falta de ferramentas para explicar, a Tropicália não precisa de adornos ou caraminguás, faz postura por ela mesma, não precisa de idiota algum para dizer isso.

Ainda assim, venho aqui para dizer e voltando ao que não sei, também não sei o que os críticos musicais da época escreveram e falaram sobre esse disco, afinal são poucos os detalhes históricos que conseguem perpassar os anos, sem serem esquecidos em algum dado momento. Provavelmente os mais conservadores devem ter criticado levando em conta o sentido negativo da palavra. Devem ter se chocado facilmente, acostumados a escrever dentro das expectativas do que era produzido no Brasil até então. Muitos dos jovens ditos engajados também não viram a Tropicália com bons olhos. Associavam o Rock and Roll com imperialismo e não aceitavam sua introdução na música popular brasileira. Quase armoriais de tão púdicos (levando em conta que Ariano Suassuna, em sua aula-espetáculo, sempre diz que os jovens que empunham guitarras elétricas podem passar pra metralhadoras sem nem se darem conta). Hoje ninguém se choca mais e os críticos terminam por ser excessivamente ufanistas e... apenas isso, o que é mais perigoso. Não os levem a sério e falo sobre mim também. Somos um bando de pretensiosos sem noção alguma. Mas, continuamos mesmo assim. Na verdade, a maioria das pessoas em 1968 não deve ter entendido nada. Nada do que fazia Caetano, nem Duprat, nem Os Mutantes, nem Tom Zé. Assim como não entendiam nada do que Glauber Rocha queria dizer. Até hoje, muitos não entendem. Manter um nível intelectual dentro de uma sociedade como a brasileira termina por se tornar elitista invariavelmente. Foram poucos os que conseguiram romper essa barreira e se tornar “cabeça” e popular ao mesmo tempo. Chico Buarque que o diga. Mas isso não importa. O artista não tem nada a ver com isso. Esse disco, intitulado só como “Caetano Veloso” mostra para o que veio desde a capa produzida pelo artista gráfico Rogério Duarte. Seria um quadro qualquer, extremamente colorido, de uma mulher seminua e um dragão, senão fosse pelo rosto de abuso de Caetano que surge quase como uma colagem em meio a isso, colagem que diante de nossos olhos para o vinil se comporta como espelho. É o primeiro registro tropicalista. Lançado meses antes do disco-manisfesto “Tropicália ou Panis et Circenses”. Meses antes de Gilberto Gil ou Tom Zé ou Duprat lançarem seus também discos tropicalistas. Caetano estava um passo a frente, estava com a cabeça afundada dentro da nova estética ainda que muitos digam que ele simplesmente aproveitou o momento histórico e que a Tropicália aconteceria do mesmo jeito com ou sem sua presença. Nunca iremos saber, nunca iremos chegar em um denominador comum partindo dessa discussão infundada e essa vibe morte do autor a gente pode discutir depois. Esse pode não ser o disco mais tropicalista, mas é o primeiro e isso deve ter algum valor histórico. É dele que emanam as sugestões e intervenções que viriam a se concretizar posteriormente nas mãos e vozes dos mais diversos artistas. É como se fosse a fonte brasileira que dá os primeiros suprimentos para o surgimento de uma floresta tropical. Depois a fonte pode até ser esquecida, afinal a floresta já tem vida própria e produz novas fontes muito mais interessantes. Sem dúvida, esse não é o melhor, nem o disco mais tropicalista, mas é o primeiro e isso deve ter algum valor histórico.


Sobre as músicas

1. Tropicália (Caetano Veloso)
2. Clarice (Caetano Veloso e Capinam)
3. No dia que eu vim-me embora (Caetano Veloso e Gilberto Gil)
4. Alegria, alegria (Caetano Veloso)
5. Onde andarás (Caetano Veloso e Ferreira Gullar)
6. Anunciação (Caetano Veloso e Rogério Duarte)
7. Superbacana (Caetano Veloso)
8. Paisagem útil (Caetano Veloso)
9. Clara (Caetano Veloso)
10. Soy loco por ti América (Gilberto Gil, Capinam e Torquato Neto)
11. Ave Maria (Caetano Veloso)
12. Eles (Caetano Veloso e Gilberto Gil)

Quando Pero Vaz de Caminha descobriu que as terras brasileiras eram férteis, escreveu uma carta ao rei: Tudo que nela se planta, tudo cresce e floresce. E o Gaus da época gravou...” Tropicália (a música) começa com a improvisação do baterista Dirceu fazendo uma alusão à carta de Pero Vaz de Caminha e alguns sons bem estranhos acompanham sua jornada. E só para constar, ‘Gaus’ era o técnico de som do estúdio onde o disco estava sendo gravado. Essa música não poderia começar de outra maneira, afinal no jogo de referências a que se propõe, o ponto de partida só poderia ser este. E esse é um disco muito referencial. Sejam os heróis sob uma base de ironia em “Superbacana” ou a pseudo-imitação da pronúncia vocal de Nelson Gonçalves em “Onde Andarás”. Obviamente só sei disso porque li em algum lugar anteriormente, afinal eu nunca ia saber que Caetano estava fazendo referência à pronúncia vocal de Nelson Gonçalves em qualquer música que fosse. Faça-me favor. Eu só noto uma pronúncia vocal estranha de fato. Por sinal, uma música de Ferreira Gullar e Caetano Veloso, em teoria, só poderia chamar a atenção. Só em teoria mesmo, porque “Onde andarás” passa quase que despercebida. Quando não é passada de propósito. E sinceramente não sei o que é pior. A música tem algo de sujo que atrapalha o entendimento da letra e convenhamos que a letra não é lá essas coisas. Mesmo que fosse uma música limpa, não íamos ter muito o que escutar. Falemos de outras músicas então. “Superbacana”, por exemplo. Essa é uma canção divertida pacas, uma metralhadora referencial e imagética, que só tem como problema o fato de ser curta demais. É a mais curta de todo disco. Tudo bem que algumas más línguas dizem que enjoam fácil dela. Eu, particularmente, acho difícil de enjoar. E eu poderia cair naquele trocadilho péssimo e chamar a música de superbacana, mas eu resolvi me conter dessa vez. O humor refinado desses versos não merecem isso. Nem eu. Nem vocês. Vocês eu não sei.

Voltando a Tropicália, é importante dizer que essa canção, assim como Alegria, Alegria, possui uma nostalgia inerente a ela e maior do que podemos enxergar em um primeiro momento. Trata-se de uma nostalgia tão grande, e ao mesmo tempo tão melancólica, que atinge perfeitamente até os que não viveram a época em que tais músicas foram lançadas. É possível escutar os versos e sentir cada detalhe do final da década de sessenta; essas duas músicas, em especial, parecem conseguir recriar, reproduzir sozinhas todo o ano de 1968. E todo clima. Além de nos provocar uma saudade do que não vivemos, da geração o qual não fizemos parte, mas que ainda assim nos aproximamos naturalmente. Essas duas músicas não possuem todo teor político e dramático de Geraldo Vandré, ainda que possuam seu próprio tom quanto a posições políticas. Há uma leveza lançada através de imagens e idéias, uma atrás da outra, sem cessar. E talvez esse bombardeio não seja conseqüência apenas da estética das canções, mas sim do fato de sermos crias da Geração Videoclipe que transforma todos os sentidos em produtos imagéticos. Tropicália e Alegria, Alegria fazem uma incrível diferença no conceito (e na qualidade) do disco com um todo. Não só por serem os símbolos da estética recém nascida e já quase morta que Caetano buscava. Não só por isso. Essas duas músicas surgem como um desvio da esquerda presa a conservadorismos estéticos, ao mesmo tempo que se contrapõe à direita autoritária. Traça um caminho único, próprio. E talvez Caetano não tivesse noção disso até ser vaiado enquanto cantava “É Proibido Proibir” com Os Mutantes como banda de apoio, no III Festival Internacional da Canção.

Por outro lado, pra quem esperava que o disco tropicalista de Caetano fosse uma seqüência de músicas esteticamente coerentes às idéias do movimento e consequentemente sem coerência alguma, pode achar “Clarice” um pouco distante da proposta. Até Caetano achava para falar a verdade. Mas não se enganem. “Clarice” não é uma música despretensiosa como parece ser. A melodia carrega uma tristeza imensa, conta a história do recato, do pudor através da inocência de uma triste garota que termina por se despir. Tudo carrega uma melancolia e um mistério. A própria música brasileira estava se despindo naquele momento histórico. O Tropicalismo era isso, era a possibilidade de ficar nu. E foi o que Clarice fez. A outra mulher do disco é “Clara”. É uma música curta, que não me emociona, mas que obviamente reconheço o seu valor. Na verdade, gosto de alguns momentos, principalmente a troca vocal entre Gal e Caetano e algumas quebras de ritmo, mas a repetição de um mesmo nome várias vezes sempre me irritou. E com Claaaara, Claaaara, Claaaara não poderia ser diferente. Temos ainda Maria, em “Anunciação” e em “Ave Maria”. A primeira tem uma letra boa, realmente boa mas que terminou encaixada numa melodia de qualidade duvidosa. E novamente tem a repetição irritável várias e várias vezes: Maaariaaa, Maaariaaa. Já a segunda é o tipo de música que não muda a vida de ninguém, mas que tem uma melodia que me agrada por algum motivo o qual não saberia explicar direito. De qualquer maneira, não merece mais comentários. Vamos adiante. Falemos de “Soy loco por ti, América” agora. Não sei de onde surgiu meu abuso com essa música, provavelmente da abertura da novela, em especial porque fazia trilha de uma jovem que sonhava na América do norte. Só pode. É difícil uma música se tornar tema de novela e depois não se tornar amada e tocada por metade da nação e, consequentemente, odiada por mim. No meu mundo perfeito ninguém agüentaria escutá-la todo dia. E isso se aplica pra quem assiste e pra quem não assiste à novela. Porque invariavelmente alguém estará assistindo e invariavelmente você vai terminar escutando. E escutando. E escutando. E escutando. Caetano cantando não convence. Misturando espanhol com português fica mais tosco ainda. Essa música é brega. Brega. Brega até dizer basta e algumas pessoas ainda vêm dizer que é tropicalista pra burro, que é uma homenagem a Che Guevara que havia morrido no ano anterior, que proclama a revolução comunista na América Latina. Viva a América Latina, mas poupem-me. Está muito mais pra Carmem Miranda do que qualquer outra coisa. E que se dane Che Guevara, a pseudo-revolução e essa música. Não me importo, vamos adiante.

Na seqüência ilógica da minha cabeça surge “No dia em que eu vim-me embora”, uma canção meio autobiográfica que ultrapassa os limites da história pessoal de Caetano ou Gil. Da história pessoal do tal “eu-lírico” seja lá quem ele for. A autobiografia nesse caso é a biografia de meio mundo de pessoas. Não estou chamando de clichê, apenas de comum. É uma música que se sustenta no silêncio e no não-dito de seus personagens. A mãe, a irmã, o pai... o próprio Caetano que já não sabe o valor dos sonhos que sonha e não tem mais a certeza sobre os caminhos que escolhera a trilhar. E quantas vezes questionamos nossas atitudes enquanto as construíamos? Isso é o tipo de coisa que acontece o tempo todo. Vamos caminhando vagarosamente. “Paisagem Útil” é uma música interessante, parece dar todo tom de uma canção qualquer, até que mostra saídas criativas tanto na letra como no ritmo. No arame que os prende. É uma pintura impressionista e surrealista, pintada através de olhos incomuns, mas extremamente sensíveis. Há algo de surreal impresso numa realidade sugestiva, uma dança sem sentido de Monet com Salvador Dali. Por fim, temos a última música do disco: “Eles”. Trata-se do grande momento tropicalista. Não é tão famosa quanto às irmãs "Tropicália" e "Alegria, Alegria", mas segue a mesma estética e a leva ao ponto que precisa. Experimentação na medida. Crítica política na medida. Melodia na medida e Mutantes nos instrumentos pirando. E pirando. E pirando. Tem um clima sombrio, uma guitarra descompromissada e ótima; é um dos melhores momentos do disco e da estética tropicalista em si. Até na falta de rima a música se excede. Caetano não podia fechar melhor sua obra. E como ele mesmo diz: Os Mutantes são demais.

Documentação extra:

Contracapa do disco – Caetano Veloso

Que maravilhoso país o nosso, onde se pode contratar quarenta músicos para tocar ‘um’ uníssono.(Miles Davis, durante uma gravação).

Antes havia Orlando Silva & flautas e até mesmo no meio do meio dia. Antes havia os prados e os bosques na gravura dos meus olhos. Antes de ontem o céu estava muito azul e eu e ela passamos por baixo desse céu, ao mesmo tempo com medo dos cachorros e sem muita pressa de chegar do lado de lá.do lado de cá não resta quase ninguém. Apenas os sapatos polidos refletem os automóveis que, por sua vez, polidos, refletem os sapatos assim per omnia até que (por absoluta falta de vento) tudo sobe num redemoinho leve, me deixando entrever um resto de rosto ou outro, pedaços, amém. Marina sabe a história do pelicano etc. etc. o peito aberto e rasgado etc. etc. mas que nada: quando a gente não tem nenhuma necessidade de ir para os States não há mesmo mais esperança. Eu gostaria de fazer uma canção de protestos de estima e consideração, mas essa língua portuguesa me deixa rouco. Os acordes dissonantes já não bastam para cobrir nossas vergonhas, nossa nudez transatlântica. E, no entanto, Ele é um gênio: quem ousaria dedicar este disco a João Gilberto? Quantos anos você tem? Como é que você se chama, quando é que você me ama, onde é que vamos morar? Os automóveis parecem voar, os automóveis parecem voar por cima (mas mais alto que o Caravelle) dos telhados azuis de Lisboa, dos teus olhos, dos mais incríveis umbigos de todas as mulheres em transe, dos teus cabelos cortados mais curtos que os meus, meu amor, porque eu não quero, porque eu não devo explicar absolutamente nada.

P.S.: Gil, hoje não tem sopa na varanda de Maria.

Caetano Veloso, em 1968, no III Festival Internacional da Canção após ser vaiado, enquanto cantava "É Proibido Proibir":

Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, não com o medo que o senhor Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê-la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Não foi ninguém, foi Gilberto Gil e fui eu!

Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês são iguais sabem a quem? São iguais sabem a quem? Tem som no microfone? Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada. E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido a dar esse viva aqui, não tem nada a ver com vocês. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. O Maranhão apresentou, este ano, uma música com arranjo de charleston. Sabem o que foi? Foi a Gabriela do ano passado, que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar por ser americana. Mas eu e Gil já abrimos o caminho. O que é que vocês querem? Eu vim aqui para acabar com isso!

Eu quero dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver com isso. Nada a ver com isso. Gilberto Gil. Gilberto Gil está comigo, para nós acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Nós só entramos no festival pra isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Entendeu? Eu só queria dizer isso, baby. Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês forem... se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! Junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês... O júri é muito simpático, mas é incompetente.
Deus está solto!

Fora do tom, sem melodia. Como é júri? Não acertaram? Qualificaram a melodia de Gilberto Gil? Ficaram por fora. Gil fundiu a cuca de vocês, hein? É assim que eu quero ver.

Chega!

quarta-feira, 31 de maio de 2006

Teorias

Não tem físico que explique o magnetismo humano.

sexta-feira, 19 de maio de 2006

Registro

Comprei hoje meu primeiro gravador de CD e DVD.

Inicia-se aqui uma coleção.

domingo, 30 de abril de 2006

Laboratórios

Apenas frequentando a comunidade do Coque, andando pelas vielas, entrando nas casas, se aproximando das pessoas e deixando o receio de lado para transfigurar o olhar conformado de quem passa por cima do viaduto. São vontades de aproximação e expressão bem distintas: uma é ler nos periódico matinais alguma notícia sensacionalista, cheia de clichê e preguiça sobre o bairro, outra é estar diante de uma senhora que viveu todo estigma ou de rapaz que ao comentar 'o que é ser jovem no Coque' afirma que é 'olhar para as fotos de infância e notar que quase todos seus amigos, daquela época, estão mortos'. O Coque é um borrado do que vemos no jornal e uma paisagem completamente diferente: nas folhas sujas não vemos o ensaio de uma banda de garagem na calçada de casa, os instrumentos precários, poucos amigos em volta, um ou dois vinhos baratos, uma música pesada, irônica, intensa. “Desculpem o inglês, mas é que eu nunca pude fazer um curso no CCAA” fala Sérgio, o vocalista, antes de iniciar um cover de Led Zeppelin. O primeiro momento na criação do jornal laboratório Coque pelos alunos do sexto período de jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (2005.2) e pelos jovens colaboradores da comunidade foi de nossa visita ao espaço tão tripudiado pela mídia, visita regular para alguns, cada vez mais raras para outros. No segundo momento, invertemos a direção: os jovens vieram até a universidade, visitaram nosso departamento, nossos corredores, ficaram alocados especificamente no laboratório de informática. Incorporamos a posição de orientadores na produção de seus textos. Trabalhei diretamente com Junior, rapaz cuja experiência de violência e drogas remonta aos primevos anos de sua vida, e diante do computador, revelou o receio de tocar na máquina. De início não entendi a precaução, mas logo notei que se tratava de um sentimento de não-pertencimento misturado ao medo de terminar quebrando alguma coisa. Um medo muito ingênuo, mas exemplar da rígida e cruel divisão social. Tive que insistir muito até que ele aceitasse escrever o seu nome. Não demorou muito até atravessarmos o espelho.

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Casório

"Certidão de casamento nada mais é do que uma certidão de apropriação da genitália alheia".

Alguém um dia soltou essa frase com ar de efeito, cara blasé, maquiagem caída e cigarro na mão. Depois citou a fonte dizendo que quem tinha a escrito fora Kant. Acho difícil por uma simples razão: nunca entendi uma frase inteira de Kant. Hegel idem. Sempre achei os neo-kantianos e os neo-hegelianos do início do século XXI interpretadores aleatórios do absurdo filosófico. A universidade de um modo geral é bem isso.

domingo, 9 de abril de 2006

segunda-feira, 3 de abril de 2006

No Expectations


Take me to the station
And put me on a train
I've got no expectations
To pass through here again

Once I was a rich man and
Now I am so poor
But never in my sweet short life
Have I felt like this before

You heart is like a diamond
You throw your pearls at swine
And as I watch you leaving me
You pack my peace of mind

Our love was like the water
That splashes on a stone
Our love is like our music
Its here, and then its gone

So take me to the airport
And put me on a plane
I got no expectations
To pass through here again

segunda-feira, 6 de março de 2006

sábado, 31 de dezembro de 2005

sábado, 24 de dezembro de 2005

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

editando meu profile do orkut

programas de tv:

hmmm... seriados brasileiros, americanos, mexicanos e hindus. Todos completamente idiotas. Animes tibetanos ou sauditas, ainda que os da Ilha de Galápagos tenham me surpreendido ultimamente. Atrizes expressivas ótimas, sabe? Me encanto também com os programas pseudocults produzidos na Nicarágua, na Etiópia e na Coréia do Norte pós testes atômicos. São de um complexidade digamos francesa. Amo os programas de auditório da Nova Zelândia, o Reality Show com pessoas anencefalas que fizeram transplante de face entre si e o Animal Planet falando diretamente de Marte. \o/

Adoro tooodo esse tipo de coisa que passa na tv.

¬¬

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

domingo, 27 de novembro de 2005

Corpo Humano

Somos viciados em nossos próprios corpos. Desde pequenos, despertamos um impulso exploratório, já bem cartografado pela psicologia, inicialmente pelo território conhecido e mapeado; depois, partimos para as rugas e curvas de nossos pais, com direito a pelos que nos causam repulsa, até nos darmos conta, seja num joguinho de "mostro o seu, que eu mostro o meu", seja numa espiada no banheiro da natação, seja numa aula de catequese em que alguém esqueceu a calcinha, seja num daqueles infernais banhos de praia que os pais jogavam todas as crianças juntas dentro do chuveiro, que os amiguinhos e amiguinhas possuíam e não possuíam um corpo similar ao nosso. Daí ficamos mais velhos e só ampliamos o campo de exploração, seja mediado pelo desejo, por um ímpeto erótico ou pelo desprezo: tentamos manter o corpo da melhor maneira possível e, mesmo depois de experimentar algumas dezenas deles, permanecemos curiosos para milhões de outros. Acredito que a monogamia essencialmente não me atinge pela simples curiosidade que tenho pelos corpos, pela sinuosa diferença entre eles, por uma certa obsessão cronenberguiana em sacar proporções, distorções e aparelhagens. Sinto que preciso experimentar boa parte da humanidade até me decidir e isso provavelmente deve durar a vida inteira. Decerto, nem sei bem porque comecei a escrever sobre isso, o intuito desse post era apresentar um artista australiano radicado em Londres, Ron Mueck, cujo estilo hiperrealista de interesse antropomórfico, assim como o manejo preciso com dimensões e escalas alteradas, parece levar essa curiosidade natural dos sujeitos, ao longo de toda a vida, por patamares não dantes percorridos até atingir um campo de absoluto desconforto.

In Bed (2005)

Mother and Child (2002)

Wild Man (2005)

Woman Pregnant (2002)

A Girl (2006)

Boy (2000)

Spooning Couple (2005)

Big Man (2000)

Angel (1997)
Mask II (2001-2002)

quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Automatizando

"Gerência Técnica, Bom dia"

Quando você começa a atender o telefone da sua própria casa assim, pode ter certeza que chegou o momento de trocar de estágio.

sexta-feira, 28 de outubro de 2005

A Maçã Nua

FADE IN:

CENA 1 - INT. SALA DO APARTAMENTO - NOITE
Um cigarro esquecido queima em um cinzeiro no chão. No fundo, alguém [IVO] se mostra inquieto e irritado, andando de um lado para o outro, entrando e saindo do ambiente em questão. Esse personagem masculino, um tanto fora de foco, joga uma bolsa velha no chão, colocando dentro ou entulhando ao lado dela alguns pertences (livros, vinis, roupas, um violão). Em seguida, volta a se mover de modo apreensivo, ausentando-se constantemente de nosso campo visual, enquanto uma música melancólica ['THERE IS AN END' - THE GREENHORNES] toca numa antiga vitrola que também aparece em quadro do lado esquerdo. Vez ou outra, o rapaz surge ora dando um leve chute em sua mochila, ora abaixando para amarrar o sapato, ora pondo suas coisas em ordem, separando alguns dentro da bolsa. De súbito, interrompe seu percurso, pega a bolsa com rispidez – deixando o instrumento musical cair e abandonando outros objetos - e se dirige até uma porta ao fundo. Abre, hesita por um segundo e bate com força ao sair. 

FADE OUT:

“A MAÇÃ NUA” 

FADE IN:

CENA 2 - EXT. PRAÇA - DIA / TARDE
Imagens documentais de dois velhos [que poderiam ser DAVI E IVO] sentados em um antigo banco de uma praça qualquer. Essa cena se repete algumas vezes ao longo do roteiro, contudo, a cada retorno, aparecem senhores diferentes em praças diferentes. Nessa primeira, é perceptível uma sensação de indiferença entre eles, composta especialmente na falta de olhares e na falta de palavras. DAVI, sem demonstrar expressão alguma, tira vagarosamente uma carteira de cigarros do bolso. Não dá importância para um que cai no chão, enquanto coloca outro na boca. Em seguida, pega um isqueiro mais lentamente do que pegara o cigarro e o acende próximo ao rosto enrugado. Dá um longo trago, mas não chega a soltar a fumaça. 

CENA 3 - EXT. TERRENO– FIM DE TARDE (FLASHBACK) 
Um jovem [DAVI], visivelmente ébrio, solta, entre a tosse e o sorriso, a fumaça de um cigarro que acabara de acender, continuando o sentido da cena anterior. Ele está sentado ao lado de outros três garotos, todos no início da adolescência, em galhos secos e velhos caídos no chão. Ao redor dos quatro, existem árvores densas e nem tão densas, além das paredes de uma casa em ruínas tomada pelo verde. Todos estão vestidos com a farda de seus colégios quaisquer. Suas bolsas e sapatos estão pendurados em galhos e largados pelos cantos, assim como algumas fotos em preto e branco presas a barbantes. Um incenso está encaixado em algum lugar. 

O cigarro roda de mão em mão para um lado, enquanto uma garrafa de vinho barato roda para o outro. DAVI e dois dos jovens bebem e fumam muito, enquanto contam suas situações de quase-sexo (como tinham chupado uma menina, como tinham metido o dedo). As risadas são constantes. IVO parece distante daquele assunto, permanece calado e se destaca em relação aos seus amigos por não ser tão exagerado quanto eles. Não fuma e tosse bastante por conta da fumaça. Restringe-se a dar apenas leves goles no vinho, enquanto olha algumas fotos em suas mãos. Vez ou outra chama a atenção de DAVI para ver uma das fotografias. O amigo, instantaneamente, sai do clima da conversa e sempre se mostra curioso ou interessado aos chamados de IVO. 

Aos poucos, os jovens ficam bêbados e começam a andar pelos galhos caídos, fechando os olhos, rodando a cabeça, escorregando e rindo. Em seguida, todos, exceto IVO, ficam apenas de cuecas e correm para fora do ambiente em questão. Gritam como loucos. IVO dá um último gole no vinho, mantém um ar quase blasé até olhar para trás e sorrir meio anestesiado ao recusar o chamado dos amigos. Começa a tossir repetidamente, enquanto observa, com certa melancolia, nomes, desenhos e frases escritas na madeira em que está sentado. Nota-se que muitos daqueles rabiscos foram feitos em tempos diferentes. Termina por fim escrevendo com uma chave a frase: "you can't shine if you don't burn". 

CENA 4 - EXT. PRAÇA – DIA/TARDE 
Close numa mão enrugada escrevendo a mesma frase na madeira do banco, enquanto tosse repetidamente, continuando o sentido do momento anterior. Novamente voltam as imagens documentais de diferentes senhores em praças igualmente distintas. Sempre são focados dois velhos sentados com um olhar perdido; apático. Um deles [DAVI] traga seu cigarro, vagarosamente. IVO coloca a mão no rosto, faz expressões sutilmente vagarosas e cansadas até se lançar a um movimento brusco para cruzar as pernas. 

CENA 5 - INT. SALA DO APARTAMENTO – MADRUGADA (FLASHBACK). 
Um jovem [IVO] descruza as pernas no mesmo compasso, continuando o sentido da cena anterior. Duas cadeiras estão frente a frente a certa distância. Um rapaz [IVO] de aproximadamente uns vinte e quatro anos e uma MULHER desta mesma idade – quase despidos – estão sentados nelas. Em volta, o chão está coberto com fotos coloridas e garrafas de rum e coca-cola (cuba-libre). Entre as duas cadeiras, há um cavalete onde repousa uma tela ainda não terminada e o apartamento em si tem um ar de recém ocupado. IVO e a moça se encaram através de um olhar ora cínico, ora sereno; através de um sorriso ora sarcástico, ora confortante. Há uma tensão e um cinismo latentes no ar. A MULHER se levanta com um ar blasé, fumando um cigarro na piteira. Aproxima-se da tela e dá uma ou duas pinceladas. IVO permanece imóvel mesmo depois dela passar por trás de sua cadeira, tocando-o de leve, sussurrando algo no seu ouvido, tocando em seus mamilos e mordiscando sua orelha. Em seguida, a MULHER anda até uma antiga vitrola onde pega um vinil nas mãos. Faz uma expressão de repulsa e o devolve ao seu lugar. Pega outro vinil, abre um sorriso contido e coloca o som o mais alto possível [LE TEMPS DE L'AMOUR - APRIL MARCH]. Esboça uma dança lenta, movimentando os braços, cheia de charme. IVO sorri, cruza as pernas novamente, toca o rosto agora sério até voltar a sorrir. A porta do apartamento é aberta por um outro jovem (DAVI). Primeiro um sorriso ébrio e malicioso. Em seguida, dá um trago em seu cigarro e seus olhos verdes não escondem uma surpresa indesejada. 

* A MULHER está de calcinha usando uma camisa de botão do rapaz. A camisa está meio aberta na parte superior, insinuando os seus seios, aumentando a sensualidade já intrínseca a ela. Além do charme enquanto fuma, a moça também mostra sua delicadeza em cada um de seus passos curtos e, principalmente, em sua dança. Ela possui olhos serenos e inocentes, que se transformam sem problemas num olhar astuto, charmoso ou sagaz. 

CENA 6 - EXT. PRAÇA – DIA/TARDE 
Voltam as imagens documentais. Os olhos verdes de DAVI continuam os mesmos. Ele olha para os lados, pisca, fecha os olhos com uma expressão densa. DAVI leva a mão esquerda à cabeça, permanece com os olhos fechados e se mostra um tanto desconfortável. IVO descruza as pernas e amarra o tênis. DAVI desperta e olha desinteressado para cima, quase esboçando um sorriso por trás da falta de expressão. Puxa a fumaça do cigarro e tenta produzir círculos de fumaça com a boca falhando algumas vezes até conseguir. 

CENA 7 - EXT. RUA – DIA (FLASHBACK) 
Um garoto de oito anos [DAVI] assopra bolhinhas de sabão continuando o sentido da cena anterior. Ele corre com a mão levantada, numa linha de trem aparentemente abandonada, depois de algum tempo percebemos que atrás dele vem outro garoto [IVO] também soltando bolinhas de sabão. IVO tropeça e cai, DAVI continua em frente, então para de correr e volta. Ambos sentam na ponta da linha de trem suspensa, IVO vai perdendo o olhar de choro, ampliando um olhar curioso, os dois balançam as pernas enquanto as bolhinhas de sabão tocam a ponta de seus pés. 

CENA 8 - EXT. PRAÇA – DIA/TARDE 
DAVI e IVO, novamente encarnados em diferentes velhos, continuam o balançar de pernas que, obviamente, não permanece idêntico, mas que remete vagamente à sua infância. Continuam em suas posições, sem trocarem palavras ou olhares. Alguns pedestres ou ciclistas passam anônimos por suas frentes. Alguns olham, outros nem isso. Por sua vez, nada parece interessar aqueles dois senhores, nada os resgata por completo de seus postos apáticos. IVO tira, vagarosamente, os óculos para limpá-los. 

CENA 9 - INT. SALA DO APARTAMENTO - NOITE (FLASHBACK). 
Continua o movimento de limpar os óculos (nesse caso, óculos escuros, excêntricos). Duas cadeiras estão frente a frente e a certa distância uma da outra. IVO e DAVI com seus vinte e tantos anos – apenas de cueca, Davi com uma gravata roxa – estão sentados nelas se encarando. Suas roupas estão espalhadas pelo chão da sala, que agora abriga em suas paredes um enorme acervo de referências culturais, formatando um verdadeiro mosaico pop. Um ou dois abajures estão acessos dando à sala um clima de meia-luz. 

DAVI se levanta, passa por trás da cadeira em que estava sentado e percorre a sala tocando com uma expressão carregada alguns objetos e inúmeros recortes presos na parede. Dá alguns tragos no baseado que tem em mãos, enquanto caminha vagarosamente. Chega até a vitrola e desliga o som. Continua a trajetória até ficar de frente a um GRANDE QUADRO por trás da cadeira onde IVO está sentado. 

O quadro de uma MAÇÃ - em cores fortes e linhas disformes - contrasta com as costas nuas de DAVI e o peitoral nu de IVO. Em cima da tela é possível ver escrito em letras rabiscadas “you can't shine if you don't burn”. DAVI encara profundamente o quadro e não o toca. IVO, por sua vez, ainda sentado, encosta a cabeça nas costas de Davi. A tensão é extrema. 

DAVI (APREENSIVO) 
Como aconteceu isso, Ivo? 

IVO (RELAXADO E IRÔNICO) 
Não importa. Eu também não entendo, pronto, passemos pra próxima.(pausa) E não era sempre você que me instigava a tentar tudo? (pausa) Olhaí, aqui estamos, essa é só mais uma tentativa.

DAVI se vira e olha para baixo. IVO permanece com a cabeça encostada no amigo e olha para cima. Encaram-se por um instante. DAVI coloca o baseado na boca de IVO que traga sem problema e, em seguida, coloca na sua própria boca. 

DAVI (RÍSPIDO) 
Mas caralho... (pausa) eu acho que já passamos do ponto. 

IVO (RELAXADO) 
Não, Davi... (pausa) não existe mais um ponto. 

Continuam se encarando. IVO agora pega o baseado da boca de DAVI e coloca na sua própria boca. DAVI se vira e abaixa a cabeça. IVO coloca os óculos escuros de volta no rosto carregado de ironia. 

CENA 10 - EXT. PRAÇA – DIA/TARDE 
Continua o movimento dele colocando os óculos de volta. IVO vira para o outro personagem e faz menção a dizer algo, seus lábios inseguros chegam a se mover, a dar impressão de um sussurro. Porém, DAVI olha para o lado oposto. IVO hesita, permanece calado e se vira. Nesse mesmo momento, DAVI o olha e desvia o olhar, o olha e desvia o olhar novamente. IVO toma ar e se vira pronto para falar algo, quando DAVI já está novamente olhando para o lado oposto. IVO desiste de sua tentativa e termina por fazer um barulho com a boca, uma espécie de assobio. 

CENA 11 - EXT. PRAIA – NOITE (FLASHBACK) 
O assobio permanece vindo da boca de IVO, visivelmente ébrio, continuando o sentido da cena anterior. IVO está deitado de mãos atadas a uma garota que usa uma vestimenta leve. Do seu outro lado, está DAVI. Todos três na areia de uma praia aparentemente deserta. Algumas garrafas de vinho, umas bolsas abertas e uma fogueira ao fundo compõem o ambiente. 

A menina está quase dormindo. Já os dois rapazes olham as estrelas, apontando vez por outra para o céu. IVO parece explicar a DAVI algo sobre o sol que vem nascendo e as nuvens negras que se afastam, enquanto esse se mantém atento, por trás de um sorriso misterioso e triste. Em dado momento DAVI assanha o cabelo de IVO e encosta a sua testa carregada de tristeza no braço do amigo. Uma chuva fina começa a cair. 

IVO (RELAXADO E ÉBRIO) 
Porra... (suspiro) eu sempre me pergunto se uma amizade se faz por todos os anos que se passam ou pelos últimos dez minutos de picuinhas e intrigas. E, pra falar a verdade, nunca sei a resposta.

DAVI (MEIO INDIFERENTE E ÉBRIO) 
Provavelmente a gente se força a crer nos anos, ainda que esteja sob o destino dos minutos (pausa). Dos minutos ou quem sabe dos segundos, dos centésimos, dos milésimos... de todos esses detalhes invisíveis. (longo gole no vinho) Tsc... a intensidade é uma ilusão, a profundeza não. (longa pausa) Eu sempre penso no longo tempo em que passamos construindo um relacionamento e no tempo mínimo que podemos colocar tudo a perder. Tudo. (pausa) Tudo. (Pausa) Mas, pra ‘também’ falar a verdade, meu amigo... eu acho que o tempo, o tempo não tem nada a ver com isso. 

Permanecem em silêncio. IVO dá imensos goles em seu copo até correr para o mar, tirando suas roupas; gritando como um louco. Porém, antes de se perder na escuridão se vira e chama seus companheiros. Os dois se levantam. DAVI dá um leve beijo na boca da mulher, mais sereno do que sexual. Em seguida, encara o amigo o negando com um sorriso triste. DAVI o observa mais um pouco, abaixa a cabeça e fecha os olhos. Abre um guarda-chuva, se vira e vai embora. Enquanto isso, a garota, que havia saído correndo pela areia, chega até IVO e o beija. Esse, por sua vez, não dá nem importância a ela. Sua atenção esta presa à reação do amigo. Seus olhos negros não escondem a surpresa indesejada. 

* Nessa cena, primeiro a MULHER está praticamente dormindo e, em seguida, a garota se mostra completamente serena. Seu rosto tem aquela beleza de quem acabou de acordar, aquela leveza, aquela expressão singela. O beijo em Davi é sincero, mas completamente fraternal (não é um beijo de língua, apenas encosta os lábios lateralmente nos lábios de Davi e lhe dá um abraço apoiando a cabeça no ombro dele). 

CENA 12 - EXT. PRAÇA – DIA/TARDE 
Os olhos negros de IVO continuam surpresos. Ele olha para os lados, pisca, fecha os olhos com uma expressão densa – intercala com fotos de uma intimidade sutil entre os personagens da última cena. Uma chuva fina começara a cair. DAVI está com um guarda-chuva aberto, enquanto IVO permanece se molhando. Os dois já parecem um pouco inquietos, em especial IVO. Suas mãos estão trêmulas. DAVI coloca a mão apoiada no banco e deixa o cigarro queimar sem se mover nem para tragar. A cinza se acumula. 

CENA 13 - INT. SALA DO APARTAMENTO – NOITE (FLASHBACK) 
Um cigarro esquecido queima em um cinzeiro no chão. No fundo, alguém [IVO] se mostra inquieto e irritado, andando de um lado para o outro, entrando e saindo do ambiente em questão. Esse personagem masculino, um tanto fora de foco, joga uma bolsa velha no chão, colocando dentro ou entulhando ao lado dela alguns pertences (livros, vinis, roupas, um violão). Em seguida, volta a se mover de modo apreensivo, ausentando-se constantemente de nosso campo visual, enquanto uma música melancólica ['THERE IS AN END' - THE GREENHORNES] toca numa antiga vitrola que também aparece em quadro do lado esquerdo. Vez ou outra, o rapaz surge ora dando um leve chute em sua mochila, ora abaixando para amarrar o sapato, ora pondo suas coisas em ordem, separando alguns dentro da bolsa. De súbito, interrompe seu percurso, pega a bolsa com rispidez – deixando o instrumento musical cair e abandonando outros objetos - e se dirige até uma porta ao fundo. Abre, hesita por um segundo e bate com força ao sair. O cigarro continua a queimar no cinzeiro até que a mão de um segundo personagem [DAVI)], que até então estava totalmente OCULTO na cena, bate a cinza e tira o fumo de quadro. DAVI aparece no ambiente indo até onde a mochila do outro personagem estava anteriormente. Possui um cigarro numa mão e uma garrafa de vinho na outra. Vai até a porta, senta e encosta a cabeça nela, ao mesmo tempo em que fuma seu cigarro e bebe do vinho. A partir disso enquanto no cinzeiro vão aparecendo goias e mais goias de cigarros fumados, DAVI, em cada momento, está numa posição e vestimenta diferente dentro do ambiente (ora deitado olhando para cima, ora deitado sem camisa meio que dormindo, ora sentado fumando, ora andando apreensivo, ora sentado tocando um instrumento musical melancolicamente, ora bebendo muito). Por fim, DAVI vai até o cinzeiro e apaga o seu último cigarro. Resta apenas um fio de fumaça. 

CENA 14 - EXT. PRAÇA – DIA 
Um fio de fumaça sai de um cigarro recém apagado no chão ao lado do sapato de DAVI. O cigarro permanece acesso por algum tempo até que a fumaça se torna mais e mais rala até se extinguir de uma vez. DAVI se levanta, fecha o guarda-chuva e sai por um lado, sem dar importância ao outro senhor. IVO demora mais um bom tempo sentado, em seguida, olha para o lado que o outro seguira por alguns segundos. Termina saindo pelo caminho oposto. O banco fica vazio. 

FADE OUT. 

CRÉDITOS

quinta-feira, 20 de outubro de 2005

Recorrência

- Você tem um calendário aí na carteira?

- Mas para que você precisa de um calendário se todos os seus dias são iguais?

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

Wars

Se George Lucas tivesse realmente chamado Orson Welles para fazer a voz do Darth Vader, desistiu por acreditar que a voz seria facilmente reconhecida, tenho certeza que Welles ia meter muito mais do que a boca, ia meter logo o bedelho inteiro, na trilogia toda. Pois é, talvez os ewoks não existissem.

quinta-feira, 29 de setembro de 2005

Cruzamento

O ônibus vinha chutado pela Avenida 17 de Agosto. Passava um, dois, dez sinais amarelos bem no minutinho de virar vermelho, o apito de controle de velocidade não parava de ressoar, idosos eram arremessados de um lado para o outro dentro do coletivo, o trânsito estavam sombriamente livre e em qualquer curva mais acentuada algum homem de voz grossa e dedos pequenos soltava o clássico comentário: "essa porra de motorista acha que tá carregando boi!". Foi então que em um dos sinais amarelos-quase-vermelhos, um carro de gente fina e bacana partiu antes do verde e atravessou a 17 de Agosto bem na frente do coletivo ensandecido. O ônibus freou, o carro acelerou, e enquanto era idoso para tudo que é lado, livros dos estudantes voando pelos ares, a cobradora caindo da cadeira, o homem de voz grossa e dedos pequenos segurando com todas as suas forças, todos ouviram aqueles dois segundos do som de pneus trincados que antecipam o 'puft' final. O 'puft' final veio, pois o carro ao acelerar com tudo, conseguiu escapar do ônibus, mas terminou batendo em outro carro que vinha na mão contrária à do ônibus, veículo que também tinha atravessado um sinal que acabara de fechar. Esse outro carro, por sua vez, bateu numa moto; a moto não bateu em ninguém, mas o motoqueiro terminou machucado, estava com o capacete em um dos braços e falava no celular tentando justificar o atrasado para a amante que o esperava na Praça 13 de maio. Só deixou de chama-lo de desgraçado quando soube do ocorrido. Todos recompostos dentro do ônibus, o motorista afinal tinha conseguido frear a tempo, então satisfeito com seu ato de heroísmo seguiu adiante, chutadíssimo do mesmo jeito.

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

¥

um gravador de sonhos,
estilingue de pensamentos.

um chá de memória.


quarta-feira, 14 de setembro de 2005

quarta-feira, 7 de setembro de 2005

Engajamento Ltda

E o que dizer da ONG do bem que abriu uma loja e batizou de 'Ética'?

segunda-feira, 29 de agosto de 2005

Acredito que minha criação, desnaturalização e transgressão nunca foram acompanhadas, menos ainda pautadas, pelo justo (e pueril) sentimento de culpa, no entanto, desde que senti o peso da argumentação ainda criança, desde que fui grosso com uma vizinha arrogante, xinguei a coordenadora do colégio ou que tive de discutir com minha mãe por ela ter lido, sem permissão, linhas não tão carinhosas em meus cadernos, tenho um pequeno receio dos momentos em que as palavras me escapam: seja na ocasião em que elas explodem para fora e geram um campo de batalha, seja quando as isolo num mar distante dentro de uma garrafa.

quinta-feira, 25 de agosto de 2005

§

Sinto falta de um baú muito imenso para guardar cada uma das pequenezas bem miúdas do mundo.

terça-feira, 12 de julho de 2005

terça-feira, 14 de junho de 2005

Distinção 7

Existe uma sombria diferença entre saudade e carência: enquanto a primeira brota e se cultiva, a segunda brota e nos envenena.

terça-feira, 31 de maio de 2005

Vestígios

Até hoje quando deito na cama e vou dormir, a primeira coisa que faço é cobrir meu corpo com o lençol até o pescoço, deixando apenas a cabeça e os pés de fora e faço isso desde os seis anos, época em que o lençol carregava uma carga de segurança, pois acreditava que se um assassino entrasse no meu quarto enquanto eu estivesse dormindo, o dito cujo iria imaginar que alguém tinha chegado antes, me esquartejado e levado o tronco. Pois é, sou vítima da especulação mórbida desde bem miúdo.

domingo, 24 de abril de 2005

Entrevistado

Por que jornalismo?

Um ano antes de fazer vestibular, decidi que meu interesse por literatura não deveria necessariamente influenciar a escolha da minha profissão. No começo ia fazer direito, ou melhor, quando criança sonhava em ser paleontólogo, mas para o bem da entrevista é preferível não voltarmos tanto. Durante o ano que queria fazer direito, comecei a escrever muito, desenvolvi uma espécie de diário poético e aos poucos me libertei de algumas amarras estilísticas. À medida que conhecia novos autores investia nas pequenas ousadias. Todos meus cadernos de colégio tinham mais poesias, contos ou frases soltas que anotações escolares. Nesse mesmo período, se não me falha a memória, passei a participar de um mundo diferente do que eu estava acostumado, passei a viver e ter experiências de vida que até então só tinha intimidade através dos filmes. Depois disso, pisei na jaca da ânsia ‘ícone-porra-louca-rebelde-adolescente’ que para muitos ainda é a camada mais vistosa da minha aparência. Daí rolou aquela inundação de coisa nova. Naturalmente, como um bom leitor de Rimbaud, a inspiração só aumentava, usava do estranho para alcançar um auto-conhecimento, despi-me dos puderes simultaneamente no campo da experiência e da estética.

Toda as minhas sextas ou sábados terminavam na rua da Moeda, durante a semana saía com os amigos depois do colégio, chega uma hora que é preciso desvendar a cidade por si mesmo: percorri os cantos sujos da noite, tive minhas primeiras experiências com drogas, descobri pesadamente o sexo, tomei os primeiros porres, vomitei por aí. Tal movimento se concretizou no ano seguinte, ano de conclusão do ensino médio, com minha viagem para a Chapada da Diamantina, depois sozinho e sem dinheiro para o interior do estado, depois ainda numa Bienal realizada por aqui. Foi então que percebi a impossibilidade de trabalhar com uma coisa e ter a minha realização profissional em outra, que não agüentaria deixar essas duas esferas em lugares distintos. Nesse processo de assimilação terminei desistindo de direito. O mundo me pedia frieza e sensatez quando estava encharcado de instinto e sentimento. Durante o segundo ano, fiz vestibular por experiência para jornalismo, justifiquei para minha família dizendo que era uma prova mais fácil, mas só estava preparando o terreno. A decisão já estava tomada e jornalismo apareceu como única opção. É bom lembrar sempre a inconsequência de assinalar o resto da vida aos 16.

De qualque forma, para você ter uma ideia, fiz o vestibular animado, feliz da vida, tendo certeza que era aquilo: sonhava com a possibilidade de ‘sobreviver’ e me sentir realizado com uma mesma profissão. Óbvio que isso era uma loucura utópica, sem sentindo algum: jornalismo não me daria nem dinheiro, nem realização. Mas acho que nessa época eu estava mais propenso a esse tipo de precipitação e também não tinha algumas informações/reflexões básicas só adquiridas quando você entra na universidade. Ainda assim, sinto que não vou enfrentar mais grandes crises dentro do curso, sequer me arrependo de ter escolhido jornalismo, agora que estou aqui, quero nem saber, vou até o fim. Também sei que nesse tempo irei passar por transformações – ora a base de decepções, ora a base de orgasmos – que - assim espero - me tornarão uma pessoa mais madura, pelo bem ou mal do peso que essa palavra pode carregar. Continuo acreditando no imenso potencial da universidade, especialmente da universidade pública e digo isso não apenas pelas salas de aula ou bibliotecas, mas especialmente - e talvez principalmente - pelas pessoas que você conhece lá dentro. Sua dura perspectiva dá um rodopio e esvanece no ar.


Depois que tu entrou na universidade, o que mudou na tua visão sobre a escrita?

Em termos de escrita jornalística, simplesmente me situei dentro da realidade acadêmica e mercadológica, porque não tinha um discernimento crítico aprofundado, era um espectador desinteressado dos tramites pragmáticos. E, pra falar sério, gosto disso desde que não se transforme em alienação. Hoje tenho plena consciência da escrita jornalística e ainda assim, me mantenho meio distante, digamos que há uma leve distancia ética entre nossos corpos. Não costumo deixá-la me tocar muito, embora os trabalhos exijam uma cada vez maior aproximação carnal. Assumo um certo preconceito. No que toca a minha escrita, fico num impulso pendular de mudar de opinião a todo momento ao mesmo tempo que pareço não mudar muito. Sinto que as minhas palavras se transformam, se modelam, são fluidas o suficiente para acompanhar as eferverscências ou calmarias do momento. No entanto, existe uma essência consciente que geralmente chamamos de estilo, mas também acredito na possível mutabilidade dessa essência. Ok, cansei dessa masturbação mental. Próxima pergunta.


Qual o papel da palavra?

Isso é tão vago que poderia passar páginas e páginas respondendo tão vagarosamente e vagamente que tua ia dormir antes do fim. É o tipo de pergunta que cada pessoa pode responder uma coisa diferente e espero que elas o respondam diferente mesmo. Para mim, a palavra, e no meu caso a escrita, funciona não só como um meio de expressão, impressão e devaneio; funciona como um modo de adentrar minha subjetividade pela porta da frente sem ter que tocar a campainha. A conversa pode ser tão densa e intimista a ponto de tornar o resultado um texto cujo sentido original é exclusivo para mim. Na cabeça de outros, torna-se outro texto. Às vezes eu sou tão o cúmulo da subjetividade, das metáforas, da intimidade, da falta de rumo que posso me despir completamente sem que alguns notem a minha presença. Mas eu entendo que a palavra para algumas pessoas tem um valor social, pedagógico, politicamente correto. Sou egoísta e muito autoreferente nesse ponto. Vale dizer que o entendimento pleno do que eu escrevo não cabe a mim, vivo de esquecer antigas razões, permito minhas mãos psicografar meu inconsciente. Uma experiência quase lisérgica. Sempre penso nas pessoas que lêem e concedem outro significado, até mais rico que o meu. Essa polifonia é sensacional. Não gosto quando alguém me pergunta sobre o que trata um texto meu. Quem decide é quem lê, Barthes, Umberto Eco, todo mundo já dizia isso antes de mim. Essa coisa de inspiração como verdade tá super caída. Não me considero uma autoridade sobre as minhas palavras.


Palavra é realidade? E que realidade é essa?

Palavra é (odeio esses princípios de definição) uma re-significação do entendimento que temos de realidade. Para um terceiro que lê, é a re-re-significação. Você pode ter um apreço maior pela fantasia ou pelo realismo em suas descrições, pode ser mais ou menos denotativo, mas por um caminho ou outro não é o caso de hierarquizar uma legitimidade. Essa cobrança de refletir realidade é uma besteira, gosto de danificá-la irremediavelmente desde que o resultado estético me agrade. Identifico-me com Dorian Gray e sua admiração pelo belo em suas diversas instâncias. A parte de eu ser feinho só pode ser uma ironia.


O outro é alcançado mais facilmente pela literatura ou pelo jornalismo?

Depende do outro. Existem milhares de variáveis que estão entre um emissor e um receptor por mais que aprendamos isso de uma forma bem mecânica em Teoria da Comunicação. Seja como for, de forma geral, generalizando mesmo, acho que enquanto o jornalismo toca mais rápido e superficialmente, a literatura aparece para ser mais profunda. O primeiro é um beslicão, o segundo uma facada, desperta reflexões mais intensas, mais dolorosas. O jornalismo vale pelo momento, depois só resta como registro. A literatura tem lá sua transcendência. Claro que rola uma pose, um ‘quê’ de mais charmosa. Você lê Clarice e aquelas palavras lhe acompanham para onde você vai, você vê Clarice fumando seu cigarro e se deixar levar pelo encanto de sua fala. Você lê um jornal e no outro dia nem lembra quem escreveu a matéria, sobre o que se tratava, nada. Tenho a impressão que as pessoas ultimamente andam mais esquecidas do que nunca.


O discurso da verdade no jornalismo.

O discurso não. O mito. Pelo que falei da re-significação dá pra tirar. Essa coisa de verdade não me agrada e ao menos teoria não agrada muita gente, só que com o tempo as pessoas deixam pra lá, deixam pra lá qualquer coisa. Somos uma geração muito inerte e no curso os professores tentam colocar na nossa cabeça a extrema necessidade em ser objetivo, passar a verdade e tal. O pior é que alguns acreditam mesmo e seguem em frente.


Jornalismo é broxante? Literatura é tesão, é liberdade, são múltiplas verdades?

Jornalismo não me deu tesão, mas nem por isso é uma broxada. Assim, o princípio da função jornalística é bastante interessante, o problema são as regras e modelos instituídos, jornalismo também não é o fim do mundo como você está tentando me coagir a dizer. Sei que é intencional pra estampar a capa do seu trabalho. Na literatura, tenho uma história engraçada. Primeiro eu tentei compor letras de música, mas daí passei a achar que encaixar palavras numa melodia não me deixava dizer o que eu queria, daí parti para a poesia achando que ali estava a liberdade, mas depois de um tempo a abandonei quase por completo porque meus pensamentos estavam muito densos e confusos para serem colocados em versos. Daí passei a achar a prosa-poética o meio de conseguir utilizar minha liberdade em essência. Um dia vou achar que até a prosa poética me limita e das duas, uma: ou vou ficar só no mundo dos pensamentos ou irei virar funcionário público. Talvez as duas coisas.


O que a tua aproximação com a literatura soma ao jornalismo?

Eu estou aprendendo a separar um pouco as intenções (estarei realizando os devaneio dos meus 15/16 anos?), porque até o vocabulário que me impulsiona é abominado pelas regrinhas castradoras do jornalismo. Quando tive minhas primeiras aulas de redação jornalística tive certeza da frigidez do professor. Nada era emoção, sabe? Mas ao mesmo tempo, dentro da universidade, há abertura para diversas formas de expressão, de modo que de uma maneira ou outra você encontrando o seu espaço de expressão. É preciso empurrar com força às vezes. Existem os momentos de maior ousadia e os de maior contenção. O pior é que estou me acostumando a isso e quando os professores não deixam claro se a gente pode brincar com as palavras ou não, tiro pela impressão que tenho dele. Um dia ainda me ferro. Será que em Paulo Cunha vou me ferrar?


A linguagem do jornalismo é pobre?

Sem querer generalizar novamente, mas na maioria dos casos é pobre e a desculpa falseia o fato de ser um meio popular para encobrir o mito da imparcialidade. Essa é uma hora que eu me acho super elitista, super nem aí para o social, porque se tem algo que me irrita é quando alguém pede para tornar o meu texto mais claro através da substituição de palavras por sinônimos populares. O problema é que sou doido: quando mudo uma palavra por um sinônimo, simplesmente não vejo o texto da mesma maneira. Nunca fui muito bom em seguir as regras dos outros, sou da turma que gosta de fazer as suas próprias regras. James Dean chora.


Há prazer na leitura do jornal diário?

Poxa, eu adorava ler jornal, sabia? Eu era realmente viciado. Sendo que com o tempo perdi o interesse, por diminuir dentro de mim a importância do presente enquanto tempo histórico. Isso tem muito a ver com a expansão da minha cultura para outros lados, principalmente através da universidade. Hoje quase não leio periódico, só folheio, gasto poucos minutos. É mais uma ironia, levando em conta que faço jornalismo. Sem dúvida, determinados cadernos dentro do jornal aceitam uma linguagem mais livre, contudo, me pergunto se há abertura para o aumento desse espaço. Não há. Você deveria perguntar isso a uma pessoa que trabalhe em jornal e não a mim. Na minha própria sala de aprendizes sou um dos mais distantes do jornalismo diário, por mais que tire notas boas em Marconi.


Uma escrita gostosa de ler é advinda de talento ou de técnica?
Não vou responder essa e... como assim gostosa? Tu só podes ser lésbica.


Na faculdade há uma reflexão sobre o texto ou há apenas uma reprodução das técnicas já estabelecidas?

Há espaço para as duas coisas, em medida diferentes, as técnicas são ensinadas em muitos períodos. Acho que o sistema acadêmico acredita que uma escrita literária provém de talento mesmo ou eles exercitariam melhor essa potencialidade. Gosto de acreditar que uma escrita boa vem de uma inspiração boa mesmo que seja uma inspiração falsa. Acontece. Eu acho que não sei de onde vem as coisas. Nunca fui bom em criogênesis.