sexta-feira, 6 de outubro de 2006

A Banda Tropicalista do Duprat, 1968


(Publicado originalmente no Overmundo)

"Não é de uma hora para outra que vai surgir um movimento como a Tropicália, que jogou merda no ventilador. Aquilo era tão ousado que não durou muito – mandaram Caetano e Gil embora do país".

Rogério Duprat em entrevista recente.

Sobre o Álbum

Duprat sempre foi um integrante do movimento tropicalista que me chamou bastante a atenção por algum motivo que aparentemente desconheço. Eu mantinha certo respeito perante ele, provavelmente por não saber bulhufas sobre seu trabalho com maestro e arranjador até então. Ou talvez, fosse pelo simples fato dele ser o mais velho dentre as crias do tropicalismo. Por sinal, eu só fui descobrir que ele tinha um disco próprio, tropicalista, há uns três ou quatro meses atrás, pouco antes de pensar em fazer a resenha sobre o disco de Caetano. Até então, Duprat só era o rapaz intelectual que segurava o penico, simulando uma xícara bem chá das cinco, na capa de “Tropicália ou Panis et Circenses”. E mal passado algum tempo, já estou eu aqui, escrevendo uma pseudo-resenha sobre. Quanta pretensão, meu Deus. De qualquer forma, procurei fincar uma base teórica e histórica quase sólida, através de uma rápida pesquisa, que me ocupou por alguns dias. Vale ressaltar o quão pouco se escreve sobre certas figuras da música brasileira. E não digo só o Duprat, mas até conjuntos que eu considerava um tanto “conhecidos” (e até reverenciados) como o “Ave Sangria” ou Walter Franco. Minha mãe, por exemplo, nunca tinha escutado falar neles, mesmo que estivesse iniciando a sua vida adulta quando a banda lançou seu disco em 1974. Vai saber o que ela estava fazendo naquele ano. Espero que isso não tenha nada a ver com o fato de minha irmã ter nascido em 75. Enfim, após peneirar informações e informações me tornei pseudo-apto a falar sobre Duprat, podendo dar uma opinião crítica sem soar tão hipócrita, podendo eventualmente falar mal e me satisfazer sem grandes pesos na consciência. E vale (vale?) ainda ressaltar que estudar o passado é, invariavelmente, estudar a história a partir do ponto de vista de alguém. É perigoso e infelizmente pessoas como eu não têm opção. Não demorou muito até eu descobrir algumas coisas bem importantes (e não sei se tão interessantes).

Resumindo: Duprat possui uma formação erudita, que a partir da segunda metade da década de 60, se aproximou da música popular, criando um produto híbrido. O maestro estava cansado de compor obras que terminavam destinadas a uma pequena elite e passou a praticar a fundo todo seu conhecimento musical, o que resultou na fusão de diversos estilos, muitas vezes, em um só arranjo. É o que dizem por aí, pelo menos. Duprat foi o arranjador de diversas canções tropicalistas, de discos inteiros, inclusive assina os carros-chefes do movimento: “Domingo no Parque” e “Alegria, Alegria” de Gilberto Gil e Caetano Veloso respectivamente. Além disso, o arranjador trabalhou em muitos dos discos dos Mutantes e foi decisivo nas experimentações usadas pela banda. Ficou conhecido como o George Martin da Tropicália (só não sei se durante a própria Tropicália, já que essas definições-comparações só aparecem depois). Na década de 70 gravou com Walter Franco e Chico Buarque, mas com a perda gradativa de sua audição, se afastou do meio musical. É de uma tristeza imensa, mas a imagem de um maestro e arranjador perdendo a audição, gradativamente, também pode ser extremamente poética. Melancólica, mas poética. Na década de 90, abriu uma exceção para fazer alguns arranjos para Rita Lee e Lulu Santos. E realmente podia ter morrido sem essa (não, ele ainda não morreu; essa só foi mais uma das minhas piadas sarcásticas e sem graça). Segundo Tom Zé, que conviveu de perto com o maestro, um arranjo de Duprat era algo como escutar "Jackson do Pandeiro manejando uma orquestra de Beethoven". No mínimo sugestivo, mas um tanto exagerado. Entretanto, talvez nada disso importe e o tal do resumindo tenha se estendido por demais.

Para falar a verdade, eu tenho uma opinião engraçada sobre “A Banda Tropicalista do Duprat”. Antes de tudo, é bom deixar claro que eu não consigo desvincular essa produção fonográfica do “Yellow Submarine”, dos Beatles lançado no mesmo ano de 1968. Parece nonsense, não há como negar. A obra quase que totalmente experimentalista do quarteto de Liverpool (e chamá-los de quarteto de Liverpool é o super clichê eu sei), possui no Lado B apenas músicas instrumentais compostas e arranjadas por George Martin. Grande merda o resultado final. Mas a questão aqui é outra: George Martin arranjou diversas músicas dos Beatles e as tornou geniais, desde as mais clássicas dos yeh yeh yeh (nem tão geniais, bora combinar) até os arranjos experimentais a partir do disco “Revolver”, mas em um trabalho próprio terminou por produzir uma obra bem abaixo do esperado. Para mim, o mesmo acontece com Duprat. Afinal o maestro brasileiro é responsável pelo arranjo de diversas músicas geniais, de diversos artistas envolvidos no tropicalismo. E outros além disso. Mas no seu próprio disco não há nada de muito genial, há muito clichê para falar a verdade, ainda que tenha seus momentos de qualidade inegável. Imagino que esse disco não tenha sido recebido com bons olhos na época em que foi lançado, pelo tom (pseudo?) experimental / instrumental dele e por estar vinculado a um processo contracultural. Com certeza foi um fracasso comercial. Até na contracultura (ha-ha-ha). "A Banda Tropicalista do Duprat" é um daqueles discos bastante comentado no meio pseudo-cult-musical, mas pouco ouvido de verdade e, na verdade, o pseudo-cult é justamente o comentário feito por outros comentários sem relação direta com a obra. E voltando à minha opinião engraçada, os Mutantes participam de quatro músicas e mesmo que produzam alguns bons momentos, não conseguem torná-los geniais. Duprat depois viria afirmar que não gosta muito desse disco, que o processo de formatação gráfica da capa foi cretino (ainda que eu ache essa capa muito bem composta) e que ele sofreu pressões na hora de compor o repertório. Sabe-se lá o quão isso é verdade. Simplesmente ele pode estar se ausentando da culpa. Não importa. Para mim o disco saiu próximo do que ele disse. É uma obra que grita na capa “EU SOU TROPICALISTA” e que no final nem é tanto assim. Não é um disco ruim, apenas tem um claro problema de repertório que distancia um pouco o resultado da proposta do movimento. Sem querer Duprat terminou soando meio careta, terminou sem se despir e jogar merda no ventilador.

Sobre as Músicas

1. Judy in Disguise (Bernard, John Fred, Wessle)

2. Honey (Bob Russel) / Summer Rain (J. Hendricks)

3. Canção para Inglês Ver (Lamartine Babo) / Chiquita Bacana (Alberto ribeiro, João de Barro).

4. Flying (Lennon, McCartney)

5. The Rain, The Park And Other Things (Duboff, Kornfeld)

6. Canto Chorado (Billy Blanco) / Bom Tempo (Chico Buarque) / Lapinha (Baden Powell, Paulo Cesar Pinheiro).

7. Chega de Saudade (Tom Jobim, Vinícius de Moraes).

8. Baby (Caetano Veloso)

9. Cinderella-Rockfella (M. Williams)

10. Ele Falava Nisso Todo Dia (Gilberto Gil) / Bat Macumba (Caetano Veloso, Gilberto Gil) / Frevo Rasgado (Bruno Ferreira, Gilberto Gil).

11. Lady Madonna (Lennon, McCartney).

12. Quem Será (Evaldo Gouveia, Jair Amorim).


Numa rápida olhada no repertório, notamos logo o primeiro equívoco do disco. Claramente essas músicas não representam como conjunto, a proposta do tropicalismo. De jeito algum. E porque chamar então de “A banda tropicalista do Duprat”????? Eu não entendo. E nesse sentido, é que eu passo a gostar mais do disco de Caetano antes resenhado, pois ainda que tenha alguns escorregões, o disco é o que se propõe a ser. A obra de Duprat não. E mesmo com um pé atrás, imagino que as releituras dele podiam transformar minha opinião. Nem se enganem, não transformou. Ainda assim (e isso pode soar contraditório com o que eu disse até então), o disco começa muito, muito bem mesmo e por acaso, com uma música ‘gringa’. “Judy in Disguise” só me remete a algum musical bem escandaloso ou alguém andando na Broadway com um guarda-chuva. Aquela coisa com muito néon, pessoas na rua, dançando em passos sincronizados, com direito a toda parafernália Hollywoodiana. O detalhe é que, na minha cabeça, toda essa seqüência de imagens passa numa televisão, posta por acaso no meio de uma rodinha de samba. Não, eu não tomei ácido antes de começar a escrever, mas é que por mais internacional que seja, há um enorme clima tropical no compasso. É Interessante e instrumentalmente magnífica. Continuando na trilha da gringolândia, temos “Honey” e “Summer Rain”. E definitivamente, se isso for tropicalismo, eu sou Alain Delon. Parece simplesmente uma trilha sonora de algum filme, mas nada Cinema Novo e sim “E o Vento Levou...” para baixo. Nessa linha. Se algumas músicas foram realmente forçadas no repertório, essas são as ‘mais mais’ de todas. Tem aquela suavidade que muitos devem gostar, mas que inserida nesse contexto só pode me causar náuseas (em outra situação eu até gostaria de parte delas). Ainda nesse parágrafo queria fazer uma ressalva sobre os dois covers dos Beatles, presentes nesse disco. Os dois completamente desnecessários ao meu ver. A instrumental “Flying” ficou muito parecida, na verdade. Apenas não está tão agradável de escutar e acredito que não tem o mesmo rebuscamento da original por mais que, a versão de Duprat pareça, numa primeira audição, mais complexa. Não se enganem. "Lady Madonna" é uma música que já não gosto com os Beatles. Cover então, não funciona mesmo. E não tem Mutantes que salve.

Sim, mas prosseguindo encontramos “Canto Chorado / Bom Tempo / Lapinha” um meddley que lembra arranjos de Chico Buarque (até porque Bom Tempo é uma canção dele) e não tem nada de vanguardista, mas é uma coisa boa de escutar. Rende vários momentos ótimos, para ser justo, mas não é tropicalista e não recebe uma roupagem diferenciada. É aquele lugar comum que também atinge “Chega de Saudade”, composta por Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Uma Bossa Nova meio recauchutada, mas ainda assim Bossa Nova. Tropicalismo que é bom, nada. Outra música que segue quase os mesmos caminhos das duas anteriores é a última do disco: “Quem Será”. A única diferença é que essa nem agradável consegue ser. É apenas sem graça e as poucas intervenções dão um ar que o tropicalismo pode ser raso e pseudo como qualquer outro movimento. Achar que alguns sons de pessoas conversando, carros buzinando e afins vão tornar uma música vanguardista é subestimar demais quem está ouvindo, desculpa. Parece-me mais falta de respeito com toda concepção do movimento.

Ok, para não ser tão chato e Lellye não brigar comigo, vamos falar de Mutantes. Mas antes, preciso deixar claro que já comentei a infelicidade em "Lady Madonna", então nem vou mais abrir o bico em relação a essa. A participação começa em “Canção para Inglês Ver / Chiquita Bacana”. É aquela coisa bem parodia, bem mutantes. Mas parodia de qualidade e tropical ao modo que eles sempre fizeram. Tem a marca bem clara, tanto numa como na outra. Mas enquanto que, na primeira, parece uma parodia mais moldada, a segunda é o escracho total. E elas se complementam de um modo incrível, inclusive “Canção para Inglês Ver”, parece pegar a deixa de “Judy in Disguise”, deixa interrompida por “Honey / Summer Rain”. Enfim, em seguida, surge o que, para mim, é um dos melhores momentos do disco: “The Rain, The Park & Other”. Li em algum lugar sem importância que era uma daquelas músicas ‘one hit’ de uma banda “the” alguma coisa desconhecida (The Cowsills). Ela tem um estilo sessentista que me remete a algumas bandas meio desconhecidas da década em questão, tipo Love e Jefferson Airplane, em seus discos de 1967, “Forever changes” e “Surrealistic Pillow” respectivamente. Muito bom. Assumo que alguns me chamariam de paradoxal, por todo discurso “mas não é tropicalista e tal, tal, tal”. Mas nem adianta dizer, a contradição me persegue. “Cinderella Rockfella”, outra canção com participação dos Mutantes, só me remete a Pica-Pau e afins. Depois disso, essa resenha perde todo o respeito, eu sei. Mas em vários desenhos antigos, vez ou outra, tocava umas músicas legais, tipo uns jazz com vozes estranhíssimas. Essa música podia ser incluída num desses desenhos sem problemas. Adoro.

Enfim, depois de rodar e rodar e rodar, chegamos na parte realmente tropicalista do disco que surge em algumas músicas conhecidas, arranjadas sem os vocais. Se por um lado parece que está faltando uma parte da canção, por outro é possível se sensibilizar mais facilmente com o arranjo montado, afinal todos os holofotes ficam virados para esse ponto. E provavelmente essa era a intenção de Duprat. Na verdade, eu ainda não me decidi se isso é uma coisa que me incomoda ou não. Pois devia, né? Sinto a falta da voz de Gal em “Baby”, mas não sinto falta da de Gilberto Gil em “Ele falava sempre nisso / Batmacumba / Frevo rasgado”. É complicado. Talvez não seja bom generalizar, afinal um dos pontos positivos do disco é a capacidade dele de se transformar, de possuir um conceito (ou quase isso) fincado sobre diferentes facetas. E infelizmente, algumas das quais nada tropicalistas e nem por isso: nada interessantes. Acontece com todos arranjadores até com velhos que seguram penicos em capas de discos emblemáticos por aí.

Nenhum comentário: