terça-feira, 9 de abril de 2013

Jatobá

Passeando sem rumo entre os jazigos da internet, deparei-me com uma história, digamos, ~curiosa~: no exato ano em que nasci, 1985, acho que não no exato mês, parece que foi um mês depois, maio, a ilha do bairro do Recife quase desapareceu do mapa da região metropolitana, por conta de uma iminente explosão que destruiria aproximadamente o perímetro de 5km² a partir da costa. A situação era a seguinte: três navios estavam atracados bem próximos, juntos carregavam cerca de 5 mil toneladas de gás butano, o gás de cozinha comum - sempre pirei nas pesagens dessas coisas invisíveis - mas o que interessa é que um deles, o navio-petroleiro Jatobá, começou a pegar fogo. Bastante próximo, havia ainda o Parque de Trancagem do Brum, com nada menos que 150m³ de materiais inflamáveis, fazendo com que os bairros de São José e Santo Antônio também entrassem na lista de espaços parcialmente ameaçados. Era madrugada, o então governador Roberto Magalhães estava no décimo oitavo sono, foi acordado, não costumava abrir os olhos de bom humor, mas ao entender a gravidade da situação mandou evacuar a ilha inteira e foi tomar um café reforçado para curar o whisky da noite anterior. "Era puta e marinheiro fugindo enquanto os bombeiros chegavam", relataram as testemunhas ocultas aos radialistas. Todo o contigente da cidade fora deslocado para o local. Contudo, como já passavam das duas horas da manhã, a evacuação se mostrou um ingrato ofício, exceto pelos profissionais e amantes da noite, a população em peso estava dormindo ou desmaiada no limbo pré-ressaca, de modo que a única saída possível era uma operação aparentemente suicida, que rebocasse o navio-petroleiro Jatobá em chamas para uma distância segura em alto-mar. Obviamente não surgiram muitos candidatos, mas um não tão jovem rapaz, aliás, também não tão atlético, não com tantos cabelos e já um velho lobo do mar, Nelcy da Silva Campos, se ofereceu como voluntário para liderar a missão. Enquanto alguns bêbados sem medo da morte se amontoavam no Marco Zero para ver os fogos de artifício, ele seguiu em direção ao incêndio num pequeno barco de reboque, precisou serrar as cordas que prendiam o navio-bomba-relógio sob uma temperatura insuportável e, então, presos os ferros, arrastou o Jatobá para quatro mil milhas náuticas da costa. Ciente da importância histórica do momento e da carência do povo brasileiro por heróis contemporâneos, Nelcy retornou ao porto na proa do navio, peito estufado, barriga seca, falta de ar, pernas e braços sincronizados numa posição cuidadosamente galante. Registrado por todos os jornais, a cidade acordava com mais um nome que se transformaria em busto, enquanto a aeronáutica havia sido acionada para bombardear o navio em chamas e terminar todo o evento em grande estilo. Não foi necessário, porém: como quase toda história recifense, essa também terminou com um sentimento de heroísmo frustrado, pois lá no alto-mar, o incêndio extinguiu-se sozinho. Bêbados, putas, marinheiros, maconheiros e donas de casa acordadas no meio da noite, pegas com suas calçolas na mão, foram os primeiros a reclamar. Fico só imaginando como os donos da Moura Dubeux não gostariam de ter uma máquina do tempo, enviarem seus capangas para esse dia específico, na tentativa de impedirem, tal qual nos filmes, a ação de Nelcy. Com tudo destruído, sem um vislumbre nas ruínas, porque o abandono atual ainda cabe um vislumbre, certamente seria mais fácil e rápido aprovar projetos disparatados. Ou, quem sabe, o incêndio poderia apenas se extinguir.

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