sexta-feira, 26 de abril de 2013
sábado, 20 de abril de 2013
Pudor
"Em meio às nossas frágeis emoções, nada se assemelha tanto ao amor como a jovem paixão de um artista dando início ao delicioso suplício do seu destino de glória e infortúnio, paixão repleta de audácia e timidez, de crenças vagas e desânimos inevitáveis. Àquele que, com pouco dinheiro, adolescente talentoso, não palpitou vivamente ao apresentar-se perante um mestre, sempre irá faltar uma corda no coração, não sei que toque de pincel, um sentimento na obra, uma certa expressão de poesia. Se alguns fanfarrões cheios de si acreditam demasiado cedo no futuro, só para os tolos passam por gente de espírito. Nesse sentido, o jovem desconhecido parecia ter um mérito genuíno, se é que talento deve ser medido por essa timidez primeira, por esse pudor indefinível que as pessoas fadadas à glória sabem ir perdendo no exercício de sua arte, assim como as belas mulheres perdem o seu no jogo da sedução. O hábito do sucesso enfraquece a dúvida, e o pudor é, quem sabe, uma dúvida".
Balzac em A obra-prima ignorada
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terça-feira, 9 de abril de 2013
Jatobá
Passeando sem rumo entre os jazigos da internet, deparei-me com uma história, digamos, ~curiosa~: no exato ano em que nasci, 1985, acho que não no exato mês, parece que foi um mês depois, maio, a ilha do bairro do Recife quase desapareceu do mapa da região metropolitana, por conta de uma iminente explosão que destruiria aproximadamente o perímetro de 5km² a partir da costa. A situação era a seguinte: três navios estavam atracados bem próximos, juntos carregavam cerca de 5 mil toneladas de gás butano, o gás de cozinha comum - sempre pirei nas pesagens dessas coisas invisíveis - mas o que interessa é que um deles, o navio-petroleiro Jatobá, começou a pegar fogo. Bastante próximo, havia ainda o Parque de Trancagem do Brum, com nada menos que 150m³ de materiais inflamáveis, fazendo com que os bairros de São José e Santo Antônio também entrassem na lista de espaços parcialmente ameaçados. Era madrugada, o então governador Roberto Magalhães estava no décimo oitavo sono, foi acordado, não costumava abrir os olhos de bom humor, mas ao entender a gravidade da situação mandou evacuar a ilha inteira e foi tomar um café reforçado para curar o whisky da noite anterior. "Era puta e marinheiro fugindo enquanto os bombeiros chegavam", relataram as testemunhas ocultas aos radialistas. Todo o contigente da cidade fora deslocado para o local. Contudo, como já passavam das duas horas da manhã, a evacuação se mostrou um ingrato ofício, exceto pelos profissionais e amantes da noite, a população em peso estava dormindo ou desmaiada no limbo pré-ressaca, de modo que a única saída possível era uma operação aparentemente suicida, que rebocasse o navio-petroleiro Jatobá em chamas para uma distância segura em alto-mar. Obviamente não surgiram muitos candidatos, mas um não tão jovem rapaz, aliás, também não tão atlético, não com tantos cabelos e já um velho lobo do mar, Nelcy da Silva Campos, se ofereceu como voluntário para liderar a missão. Enquanto alguns bêbados sem medo da morte se amontoavam no Marco Zero para ver os fogos de artifício, ele seguiu em direção ao incêndio num pequeno barco de reboque, precisou serrar as cordas que prendiam o navio-bomba-relógio sob uma temperatura insuportável e, então, presos os ferros, arrastou o Jatobá para quatro mil milhas náuticas da costa. Ciente da importância histórica do momento e da carência do povo brasileiro por heróis contemporâneos, Nelcy retornou ao porto na proa do navio, peito estufado, barriga seca, falta de ar, pernas e braços sincronizados numa posição cuidadosamente galante. Registrado por todos os jornais, a cidade acordava com mais um nome que se transformaria em busto, enquanto a aeronáutica havia sido acionada para bombardear o navio em chamas e terminar todo o evento em grande estilo. Não foi necessário, porém: como quase toda história recifense, essa também terminou com um sentimento de heroísmo frustrado, pois lá no alto-mar, o incêndio extinguiu-se sozinho. Bêbados, putas, marinheiros, maconheiros e donas de casa acordadas no meio da noite, pegas com suas calçolas na mão, foram os primeiros a reclamar. Fico só imaginando como os donos da Moura Dubeux não gostariam de ter uma máquina do tempo, enviarem seus capangas para esse dia específico, na tentativa de impedirem, tal qual nos filmes, a ação de Nelcy. Com tudo destruído, sem um vislumbre nas ruínas, porque o abandono atual ainda cabe um vislumbre, certamente seria mais fácil e rápido aprovar projetos disparatados. Ou, quem sabe, o incêndio poderia apenas se extinguir.
quarta-feira, 3 de abril de 2013
#cortedecabelo
Buscando um cabeleireiro barato e que me despertasse alguma simpatia, segui para a algazarra central de Casa Amarela disposto a não pagar mais que R$ 20 cravados, enquanto concluía que viver uma pindaíba financeira pesada, de tudo estar bem contadinho, de abandonar os luxo menos superficiais, era uma situação que alterava em definitivo a minha disposição, percepção e atenção diante dos bens e serviços oferecidos pelo mundo. Na impossibilidade de simplesmente optar pelo mais fácil, pelo mais perto, pelo mais confortável, incluí a bicicleta no meu cotidiano para economizar o ônibus e por outros motivos, resolvi problemas caseiros com as próprias mãos para economizar os profissionais, fiz feiras baseadas no essencial e nos supermercados mais em conta, de modo que em menos de duas semanas, tinha transformado meus hábitos mais básicos, assumindo uma posição muito mais criativa no sentido de propor alternativas para gastos, em parte percebidos como desnecessários. Para vocês verem, troquei até a cerveja pela cachaça e, confesso, a economia bateu forte no miaeiro. Foi, então, que hoje tive que encontrar um corte de cabelo barato: não que cortasse cabelo em lugares caros, longe disso, costumava pagar entre R$10 e R$25 - hoje paguei R$15 -, mas sempre, desde tempos imemoriais, pagava esse valor, porque cortava nos mesmos lugares, com os mesmos cabeleireiros, seguindo a lógica dos mesmos cortes. Nunca me dei ao trabalho de experimentar uma coisinha diferente, exceto quando fiz um estrago feio na minha cabeça e tive que raspá-la. Um amigo de longa data chamava meu corte de cabelo de panetone ou brócolis. Eu achava parecido com o corte de xorxinho. Foi então que encontrei um salão bem chamativo, salão não, alguma coisa hair design, expressão que me deixou receoso, já entrei nervoso perguntando o preço, o rapaz respondeu calmamente o valor, recomendou que eu sentasse para decidir o corte através de uns recortes de revista, depois que terminou o serviço, disse que o corte combinava com meus óculos, gostei disso e saí de lá com meu primeiro cabelo fashion da periferia. O melhor é que ao final ainda recebi um cartão fidelidade: "traga toda vez que voltar - e com certeza vou - e na sexta visita, o corte sai de graça". Yes. Também gostei de escutar histórias diferentes dos salões anteriores, enquanto o rapaz estava cortando o meu cabelo - aliás, ele lembrava muito o personagem Karasu de Yu Yu Hakusho - soltava alguns comentários para o seu secretário sobre um ex-namorado que estava para ser demitido do trabalho no supermercado ali perto. Sem dúvida, o melhor foi: "menino, tu acredita que ele colocou no currículo que sabe falar italiano? A bicha assistiu duas ou três novelas, Terra Nostra, Passione e outra aí, aprendeu meia dúzia de palavras, babbo, puzzona e capisce e já colocou no currículo que sabe falar italiano? Só tenho uma coisa para dizer quando encontrar com ele, viu? PER FAVORE".
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