"Os Angels são bastante prestigiados no circuito sadomasoquista, e, embora os bandidos de motocicleta, enquanto grupo, sejam constantemente acusados de terem tendências a desvios sexuais, eu desconfio que a verdade sobre a questão tenha sido definitivamente revelada numa tarde por um Angel de Frisco, que disse: "Porra, é verdade, eu aceito um boquete a qualquer hora por dez pratas. Uma noite dessas, num bar do centro da cidade, um veado chegou para mim com uma nota de dez. Ela me deu a nota e perguntou o que eu queria beber. Eu disse: 'Um Jack Daniels duplo, Baby', e ele falou para o barman: 'Dois desses pra mim e pro meu amigo', depois sentou lá embaixo na barra de ferro e me fez um boquete incrível, cara, e tudo que eu tive que fazer foi sorrir para o barman e ficar na minha". Ele riu. "Porra, e eu com quatro crianças em casa e uma vadia lá na frente dançando e rebolando com um negão qualquer. Que merda, cara, o dia em que puderem me chamar de veado vai ser quando eu deixar uma dessas bichas me chuparem por menos de dez contos".
Até que ponto os Hell's Angels podem ou não serem sadomasoquistas enrustidos ou homossexuais reprimidos é, para mim - depois de um ano na companhia constante de motoqueiros fora-da-lei -, quase inteiramente irrelevante.
Qualquer pessoa que passa um tempo com os Angels sabe a diferença entre motoqueiros fora-da-lei e o culto homossexual ao couro. Em qualquer bar cheio de Hell's Angels, haverá uma fileira de motos reluzentes estacionadas em frente. Em um bar de fetichistas, existem imagens surrealistas de motocicletas na parede e, talvez, mas não sempre, uma ou duas Harleys repletas de acessórios de couro estacionadas do lado de fora - completas, com painéis de vidro, rádios e cestos de plásticos vermelhos. A diferença é tão básica quanto a diferença entre um jogador de futebol americano profissional e um torcedor fanático. Um está participando de uma dimensão singular e violenta da realidade, o outro está venerando algo, é um adorador passivo e às vezes um imitador ridículo de um estilo que o fascina porque é extremamente distante da realidade para a qual ele acorda todas as manhãs.
A ligação pública mais conhecida entre motoqueiros fora-da-lei e a homossexualidade é um filme intitulado Scorpio Rising. Trata-se de um clássico underground medíocre, criado no início dos anos 1960 por um jovem cineasta de San Francisco chamado Kenneth Anger. Ele nunca afirmou que Scorpio tivesse alguma coisa a ver com os Hell's Angels, e sua maior parte foi filmada no Brooklyn com a cooperação de um grupo de aficionados por motocicletas tão pouco organizado que sequer se preocupou em arranjar um nome.
Diferentemente de O Selvagem, a criação de Anger não possuía nenhuma intenção jornalística ou de documentário. Era um filme de arte com uma trilha sonora de rock'n'roll, uma estranha crítica aos Estados Unidos do século XX que usava motocicletas, suásticas e homossexualidade agressiva como uma nova trilogia cultural. Quando os Hell's Angels chegaram à cultura mainstream, Anger já havia feito vários outros filmes com forte apelo homossexual e pareceu não gostar da ideia de estar tão parado no tempo a ponto de seu trabalho parecer algo tão banal quanto documentários sobre temas atuais.
No entanto, Scorpio Rising entrou em cartaz em São Francisco em 1964 num cinema de North Beach chamado The Movie, no mesmo prédio em que Anger estava morando na época, e que anunciava o filme na calçada com uma montagem de recortes de jornal sobre os Hell's Angels. A insinuação era tão óbvia que até os Hell's Angels de São Francisco fizeram uma peregrinação para conferir.
Eles não gostaram nem um pouco. Não estavam putos, mas sinceramente ofendidos. Sentiram que seu nome havia sido apropriado para uso comercial fraudulento. "Ei, eu gostei do filme", disse Frenchy, um dos Angels. "Mas não tinha nada a ver com a gente. Todo mundo curtiu. Mas aí a gente saiu do cinema e viu todos aqueles recortes sobre a gente, colados como se fossem propagandas. Nossa, aquilo foi uma droga, não estava certo. Muita gente foi sacaneada, e agora a gente tem que ouvir toda essa merda sobre a gente ser veado. Porra, você viu o jeito que aqueles vadios estavam vestidos? E aquelas motos de merda? Cara, não me diga que aquilo tem alguma coisa a ver com a gente. Você sabe que não tem".
Anger parecia concordar, mas em silêncio. Não havia razão para estragar um novo boom do filme... E, além disso, um dos talentos mais aguçados do repertório dos homossexuais é a habilidade de reconhecer a homossexualidade dos outros, quase sem exceção. Então, o fenômeno surgiu: os Angels começaram a fornecer ao Scorpio o realismo que lhe faltava. O fato veadagem secreta deu à imprensa um elemento de extravagância para misturar com os relatórios de estupro, e os próprios fora-da-lei estavam relegados a níveis ainda mais baixos da fascinação sórdida. Mais do que nunca estavam envoltos numa aura de mistério erótico e violento: eram devassos brigões, prontos para uma relação sexual com qualquer coisa que respire e em qualquer tipo de orifício".
Hunter Thompson em Hell's Angels
Nenhum comentário:
Postar um comentário