(Publicado originalmente no Filmologia)
Não são poucos os artistas que em determinado momento de suas carreiras terminam meditando sobre os caminhos percorridos através de uma ou outra obra específica, se não assumindo ou parodiando seus clichês, se não escolhendo enterrar a si mesmos num inventário de conquistas, naturalmente usando esse referencial de recorrências para instaurar o início de uma guinada. Il Dialogo de Roma (França, 1983), parece esquadrinhar Marguerite Duras nesses termos, explicitando seus ritmos de criação não como um paradigma fechado, encerrado enquanto processo criativo; também não necessariamente como uma lógica produtiva que não sabe onde vai desembocar, cujo pensamento nasce junto com a escolha dos elementos cinematográficos; mas como um filme em que os quadros parecem desabrochar apenas quando chegam aos olhos do espectador, de modo que a narração só passa a ter sentido – ainda que um sentido aberto e embaraçoso – quando finalmente se transforma em uma terceira experiência. A primeira seria a vivência da história e a segunda, o registro da transmissão dessa história. Duras filma Roma contemplando com especial interesse sua arquitetura e suas sombras, mas o material bruto encarna sua potência enquanto filme, quando diante das imagens capturadas, talvez incerta do filme que fez, está fazendo ou irá fazer, senta ao lado de um rapaz e comenta suas impressões sobre a tessitura narrativa.
Não são poucos os artistas que em determinado momento de suas carreiras terminam meditando sobre os caminhos percorridos através de uma ou outra obra específica, se não assumindo ou parodiando seus clichês, se não escolhendo enterrar a si mesmos num inventário de conquistas, naturalmente usando esse referencial de recorrências para instaurar o início de uma guinada. Il Dialogo de Roma (França, 1983), parece esquadrinhar Marguerite Duras nesses termos, explicitando seus ritmos de criação não como um paradigma fechado, encerrado enquanto processo criativo; também não necessariamente como uma lógica produtiva que não sabe onde vai desembocar, cujo pensamento nasce junto com a escolha dos elementos cinematográficos; mas como um filme em que os quadros parecem desabrochar apenas quando chegam aos olhos do espectador, de modo que a narração só passa a ter sentido – ainda que um sentido aberto e embaraçoso – quando finalmente se transforma em uma terceira experiência. A primeira seria a vivência da história e a segunda, o registro da transmissão dessa história. Duras filma Roma contemplando com especial interesse sua arquitetura e suas sombras, mas o material bruto encarna sua potência enquanto filme, quando diante das imagens capturadas, talvez incerta do filme que fez, está fazendo ou irá fazer, senta ao lado de um rapaz e comenta suas impressões sobre a tessitura narrativa.
Os longos planos-sequências com silhuetas de uma cidade escura, onde tudo se funde e se mistura, ganham contornos individuais nas falas de um e do outro, no diálogo socrático que arrasta a incerteza da penumbra para formas coletivas. A cidade aparece como uma representação da eternidade, dos vestígios enfileirados de diferentes épocas como um tabuleiro preparado para o anacronismo, tabuleiro que também enquadra as temporalidades da própria ação criativa da diretora, cujos instantes passam por cruzamentos dialéticos. Roma é uma cidade de combinações e contaminações. Novamente somos inundados de corredores, praças, fontes, becos e estátuas que não necessariamente correspondem ao interminável diálogo dos amigos ou amantes; daquelas histórias contadas e não bem localizadas numa precisão mnemônica. Ainda assim, são narradas sem cansaço, pois dentro da prática cotidiana dos romanos, as construções se empilham e se atrapalham, as ruínas assumem distintos marcos históricos, como se cada coluna, cada pedaço de pedra reafirmasse uma presença passada, dessas que não podem apelar à ausência para alcançar o esquecido. No meio de um proto-romance esvaziado, da crise de um casal que observa e comenta a cidade que nos obriga a uma memória; Marguerite Duras, consumida pelo diálogo que lhe transforma, descobre então que apenas no inferno de silêncio, pode, enfim, sintetizar os seus desejos definitivos.
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