quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Dissertando 2

Uma das qualidades mais notáveis do capitalismo, qualidade que se confunde com essência e crescimento, é sua capacidade de se reinventar rapidamente diante de qualquer tendência opositora, assumindo uma versatilidade sagaz e fluída que age em duas frentes. A primeira toma como ponto de partida a conjunção entre ascetismo no trabalho e consumo hedonista, no sentido de moldar seus indivíduos numa vivência baseada na renovável promessa de liberdade – o que, na busca nunca saciada por bens, reforça a sensação na qual passamos a nos distinguir como 'ser' a partir do que podemos 'ter' (CANCLINI: 1997, p. 15). Já a segunda segue na direção do se deixar moldar estrategicamente, confabulando uma espécie de pseudo-autocritica, que ameniza sua constituição enquanto sistema dominante até esboçar um simulacro de negação própria.

Apesar de supostamente antagônicas, ambas as frentes só se fazem funcionais se lançadas de maneira simbiótica, afinal, decifrando o “hieroglifo social” (MARX: 2006, p. 96), percebemos que a negação se firma como uma negação domesticada, que acolhe as insatisfações – e finge satisfazê-las – afim de neutralizá-las. Trata-se de um modus operandis tão complexo que consegue confundir estatutos aparentemente contrários: o da absorção enquanto recurso capital e o da mudança real no âmago sociocultural. É por meio desta máscara que se confunde com rosto que as diferenças são exibidas “livres de tudo aquilo que as impregna de conflitividade” (BARBERO, J. M. : P. 250), que a culpa burguesa esparrama assistencialismo ineficaz, que transgressões simples são permitidas fazendo com que a inépcia humana se passe por transformação.