sexta-feira, 21 de junho de 2013

Protestos?

Estou meio afastado de qualquer comentário nas ~redes sociais~, porque não consigo entender direito o que está acontecendo no país, imagino que muitos estejam atrapalhados em suas próprias dúvidas, mas  seguramente desgosto da vibe coxinha nacionalista dos protestos (aliás, nem sei se a palavra certa é ~protesto~ no caso de Recife!) da mesma maneira que toda minha timeline desgosta em suas vertentes muy próximas, quase iguais, com diferenças irrisórias entre os argumentos dos amiguinhos x, y e z. Não sei se cancelei a assinatura de recebimento de posts das reacionárias e conservadoras (super possível!), mas o discurso está tão afinado na minha tela (o que é contraditório nas ruas!), que a ausência de um painel um pouco mais diverso me deixa com aquela pulga atrás da orelha; afinal cresci acostumado a escutar o que nem sempre gostaria e, principalmente, a falar o que nem sempre os outros desejariam. Tenho a impressão que a redundância da amizade e da bolha que montamos para que a diferença virtual se aproxime ficou evidente e tomou o limite quando descemos dos nossos prédios e fomos para a rua. Então, como todo mundo está falando mal do primeiro protesto daqui (talvez a expressão ~ato cívico~ resuma melhor o evento) e concordo com muito do que já foi dito, bateu a vontade de ser do contra e falar um pouco sobre o que gostei na tarde e noite de ontem. Ok, como um bom baderneiro de carteirinha, já saí de casa super receoso com vários posts cagando regras de protesto, dizendo tudo que podia e o que não podia, como agir, a cor da roupa para usar, sem violência, sem vandalismo, beba água, um discurso tão ~por demais patético~, que fiquei imaginando que a porra toda terminaria virando o resultado de uma cartilha ~se você estiver sem abadá de protesto, não entra no cordão de isolamento~. A questão é que foi ainda pior, porque, para minha tristeza, mesmo com 100 mil pessoas na rua (reforço: tinha mais de 100 mil ou o Galo da Madrugada não tem um milhão!), depois me dei conta que instalamos centenas de cordões de isolamento em nossas vidas; eles (os cordões) nos separam uns dos outros pela invisibilidade refinada; um contexto que não conseguia imaginar num primeiro instante. Somos desses indivíduos que cresceram em suas ilhas, taxaram o mar com divisórias e não querem visitar as ilhas dos outros.

De qualquer maneira, vamos adiante na pretensão do texto. 1. Primeira coisa, a pauta seja sobre qual for a insatisfação (ou mesmo que sequer exista insatisfação clara!) está na mesa de jantar e na mesa do bar (e o melhor, as pessoas estão metendo o bedelho nas mesas dos outros e criando espaços de debate / conflito cara a cara, de tal modo que ônibus, metrôs, paradas e praças voltaram a abrigar ativamente alguma coletividade). É muito importante transformar o gesto, falar na cara, escutar na cara, jogar bolinha de papel na cara, não importa o tom, importa a convicção de que alguns absurdos e belezas afloram desse encontro. Sinto que nos criamos argumentando na tangente até quando um próximo pede uma opinião besta sobre o filme que fez ou precisamos reclamar de algum serviço mal realizado. Que me desculpem os enrustidos e tímidos, mas sinceridade e explosão são fundamentais. 2. Pela reclamação dos meus colegas, percebi o quão é difícil pra carai, pra carai, pra carai ter de compartilhar o mesmo espaço com tanta diferença na rua, com tanta coisa que você não concorda, acompanhei ~perfis de esquerda~ confessando o amor pelo sectarismo, confessando como se sentiam mal de estarem juntos naquele espaço que deveria ser só deles. A luta era também pela legitimidade do próprio movimento. Daí notei que é muito mais fácil viver numa cidade-cordão-de-isolamento em que as pessoas estão compartimentadas em seus apartamentos, carros, bolhas etc; o povo faz mil falas, filmes, festas e similares sobre essa cidade verticalizada, desumanizada, sem espaço público, alguns com um mega-hiper-ultra ressentimento idílico de um tempo que não volta mais (batendo nos mesmos acordes saudosos das marchinhas de carnaval!), mas é aquela coisa básica: mais fácil falar do som cafona da festa do vizinho, estando na sua sala de estar vendo seu filme cabeça ou série obscura do que estar ao lado desse mesmo vizinho na rua. Fico encucado me perguntando se na real, se na real mesmo, as pessoas querem essa cidade menos segmentada, porque desconfio que ontem, elas perceberam o quão difícil é escutar as merdas do vizinho no seu pé do ouvido e no repeat. E a quantidade de vizinhos é imensa, é quase como se os comentários de youtube estivessem ocupando as ruas e escolhendo a banda sonora. Remoendo o que sobrou de meus princípios, no entanto, desconfio que devemos aprender a conviver, a combater frontalmente e, pior, de repente, a deixar rolar tesão pelos reaças, quando for o caso.

3. Brincando de ranking, se fosse eleger o momento mais bonito, elegeria os cartazes reunidos nas grades da Praça da República e no Palácio da Justiça: já na volta para casa, todos foram encaixando nos ferros suas cartolinas, como amigos de um ente falecido deixam flores num cemitério, havia um silêncio estranho, puta melancólico, e dava para visualizar um ruído difuso, como um grande painel de vontades, alguns beirando ~toda irreverência do ativista pernambucano~. O meu Facebook não engloba / representa um centésimo das frases espontaneamente ali reunidas, afinal no meio da transformação coletiva do gesto, dos papéis enfiados em ferros pontudos, resplandecia uma centelha de revolução estética (rá!) influenciada pelo nosso ímpeto de Carnaval. Naturalmente, valeu mais que os km andados ouvindo as pessoas gritando ~hino nacional, hino de pernambuco, hino nacional, hino nacional, sou brasileiro, ah é pernambuco, hino nacional, hino nacional...~. Só fiquei pensando que o protesto sem-hino-nacional-como-grito-de-guerra estava mais legal, porque no meio da Conde da Boa Vista me peguei várias vezes procurando o controle remoto para colocar o mundo em mute. Assumo: simplesmente não aguentava mais ~aquele povo uó~. 4. A polícia passava tranks no meio da galera (aliás, a PM está precisando de um nutricionista urgente!), a polícia civil estava participando com cartazes (o que eu achei massa); depois teve a polícia cercando a Assembléia Legislativa, mas nem era tanto caminho dos presentes; a câmara dos vereadores super desprestigiada sem um policial sequer defendendo e ninguém se prestando a atacar; o choque com seu ~jeitinho~ fazendo pressão ~já passou da hora do protesto, podem voltar pra casa~ ao passar quase atropelando e buzinando para a galera perto da Praça 13 de maio, depois com uma caminhonete na contramão e, #momentosmemórias como usam por aí, geral abrindo com medo quando um grupo de malas rochedo passaram na Av. Guararapes com aquele tipão braço aberto, pés descalços, tatuagens verdes e cara de quem tira o couro de tudinho sem um pingo de dó. Desculpa, mas eu sinto um prazer irresistível com o medo estampado na cara da classe-média-sou-de-pernambuco-sou-de-casa-forte e foi foda ver os buracos se abrindo, os olhos arregalados e o pavor que resultava em correria fulminante. Quando já estava longe, vendo uma projeção "Passe Livre" dos meninos da Jacaré Produções num dos prédios da Av. Dantas Barreto, rolou uma vaia lá trás: desconfiei que era uma pura resposta ao contato direto entre diferenças e, para além de confirmar a idiotice, achei legítimo que uma classe usasse da vaia para ensurdecer o seu próprio medo.

5. Durante incontáveis situações de bom-mocismo-vou-vomitar-aqui-agora, bateu aquela sensação de que estava fazendo massa para um metaprotesto, que as pessoas estavam ali porque acordaram meio putas, ok, só que o ímpeto era mais levado por conta desse ~clima de protesto que atravessa o país~, então ~vamos fazer o maior protesto e o mais pacífico e encher de beleza a nossa cidade~. Ouvi gritos e quase me ofereci como vítima voluntária para o cara que estava com um cartaz solicitando guilhotinas: ~puta que pariu, Recife fez o maior protesto do Brasil~ ou ~puta que pariu, Recife mostrando a paz para o resto do Brasil~. Aliás, nem vou perder tempo defendendo minha postura,  sou totalmente da ala radical, só digo que esse papo do pacifismo inerte é um saco, nunca perdoei a pessoa que inventou a premissa de que ~partiu pra briga física perdeu a razão~, sinto que precisamos entender outros conceitos e nuances da palavra violência nas relações de poder. Talvez assim consigamos quebrar um pouco o conformismo, despedaçar a obrigatoriedade de um ~protesto ordeiro~ (afirmo: oscar de expressão mais cretina do ano!) e notar que em situações minimamente mais subversivas, a resposta governamental costuma ser outra. Ainda assim, curti quando alguém subiu no teto da parada de ônibus peba e geral gritou "sem vandalismo", porque vozes dispersas em pontos aleatórios, juntas à minha voz histérica, foram ganhando corpo com o grito "sem moralismo". Novamente, a cara de choque da família pernambucana, a mesma que aprendeu a protestar assistindo o Jornal Nacional, valeu o grito. Nunca perceberão que aquela parada é o próprio vandalismo. 6. Outro ponto melancólico que adorei foi a chegada no Marco Zero e a pergunta compartilhada "E agora?", senti uma grande sombra de Dudu sobrevoando toda cidade rindo pela bela orquestração, afinal, a cidade estava toda prontinha para aquele protesto meia-boca e para que ele fosse quase uma marcha pela paz de visibilidade internacional. Material de campanha, check. A ficha caiu na cabeça das pessoas ali (fico imaginando aqueles playtimes com defeito!) e foi bonito ver uns olhando para os outros sem entender, sem saber o que fazer e depois, quando grupos dispersos saíram caminhando para ruas transversais, quase que aleatoriamente, não sei se as próprias pessoas perceberam, mas estavam sentindo-se mais seguras que o normal em pontos no centro da cidade. Meio burguesa essa afirmação, mas um estava fazendo a segurança do outro sem precisar fazer coisa alguma, apenas estando à paisana atravessando os becos sujos e escuros.

7. Cheguei em casa, entrei no Facebook e me entupi de paranóias fast food: primeiro horrorizado com a perseguição dos coxinhas aos militantes com bandeiras e camisas de partidos em Recife, até vi uma sequência de fotografias com coxinhas dando voadoras Bruce Lee num pessoal do PC do B (entendo que partidos podem cooptar movimentos sociais instrumentalmente, mas, sejamos sensatos, no caso dessa resposta antipartidária da ~revolta dos coxinhas~, o caso era BEM diferente!); segundo, li vários relatos do Bope tocando o terror no Rio de Janeiro, caveirão na rua, bairros fechados, vários militantes presos e escorraçados; terceiro veio com amigos anunciando o golpe, contabilizando pessoas desaparecidas, uma atmosfera cada vez mais confusa e, por fim, terminei um bocado obcecado com a tal rebelião ameaçada por Feliciano caso o projeto de Cura Gay recebesse interferência do legislativo ou fosse barrado nas próximas instâncias. Quando dei por mim estava entrando na esquizofrenia de um levante evangélico-militar que obrigaria o fim dos partidos políticos, tanques seguindo para a rua atirando em alvos estratégicos (boates, igrejas católicas, terreiros e saunas!), bichas, babalorixás e beatas sendo encaminhadas para tratamento psicológico compulsivo (xangô christian gays party!) e, aí sim, tive certeza do meu papel como guerrilheiro (the raspberry reich!), pensei na minha viagem para o Chile como exílio político, sei lá, assumi de forma distorcida a história dos meus pais, enquanto permanecia deitado com o balão sobre a cabeça: ~se essa porra não entrar numa guerra civil depois disso, (sim, por motivos religiosos!), puta que pariu~. Acordei tranquilo, com um tico de vergonha, tomei café rindo de mim mesmo, refletindo toda a validez de experimentar uma apreensão daquela natureza, uma coisa de amplitude nacional que jamais passou pelos meus infâmes receios. Talvez nunca aconteça novamente. Tá bom, ~cansei!~ de listar tantas coisinhas, dei início a esse texto ontem à noite, meio bêbado, meio morrendo de dor cabeça, meio de esquerda, porque terminei bebendo num bar simpático no final das contas, cheio de encontros com pessoas que não existem nos cordões de isolamento que costumo frequentar, com direito a cerveja litrão por R$5,50 (yeah!), uma mesa do MST com homens fortes numa conversa super politizada, bichas comportadas e bichas travestys histéricas dançando gaydrilha e sequestrando os homens que passavam pela rua para o ~balancê~, e uma junção sonora do Pink Floyd que tocava dentro com um brega que tocava fora. Sei que a maioria dos presentes na passeata (fico receoso de usar manifestantes e protesto, confesso!) e muitos dos meus amigos, jamais botariam o pé por lá. Azar o deles. O caldinho estava ótimo.

Um comentário:

Tainá Barbosa disse...

Tava buscando no google uma animação, aí encontrei-a num link pro teu blog, aí encontrei esse texto...e achei muito foda. Tudo que você falou tem muito sentido, traduziu muito do que eu penso. Fiquei muito feliz em o ler. E sou pernambucana também, mas hoje hoje moro na Paraíba. Um abraço! :)