Estava em mais uma coletiva de imprensa, andando com o Sílvio Hansen pela exposição, olhando e discutindo obra por obra, quando me deparei com uma série em homenagem ao ainda desconhecido John Cage, com partituras não horizontais, mas invertidas ou diagonais, cercadas por estranhas formas geométricas. As tablaturas, num claro diálogo com o princípio da composição indeterminada do americano, assumiam sua versão artes plásticas. Hansen comentou que no dia da abertura do evento, da vernissage, um amigo músico e dono de restaurante em Aldeia se arriscaria na leitura das notas musicais, tocando ao vivo para os presentes. Como qualquer jornalista babaca, perguntei o nome do amigo. Ele respondeu: Celso. Perguntei o sobrenome. Ele deu alguns passos para frente olhando para baixo, demorou alguns segundos pensando até me encarar com certeza nos olhos: eu não sei o sobrenome dele, não sou bom com sobrenomes. Por causa da Ditadura não consigo me lembrar dos sobrenomes dos meus amigos, porque na época o melhor a se fazer era não saber os sobrenomes. Assim, eu não corria o risco de dedurar alguém numa sessão de tortura. A maioria até hoje só sei pelos apelidos. Minha garganta deu aquele glup e continuamos andando.
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