sexta-feira, 9 de março de 2012

Dentro da matéria


"Nos devaneios cósmicos primitivos, o mundo tem corpo humano"
Gaston Bachelard. A Poética do Devaneio. São Paulo: Martin Fontes, 1998.

Muitos pintores produzem suas telas sem uma inspiração específica e sem a pretensão de antever o resultado do processo criativo, entram no baile de imprevistos, partindo de uma espécie de caos de sentido ou de vazio insustentável, no intuito de abrirem caminho através de seus próprios inconscientes. Seguindo esse caminho, a artista francesa Solange Magalhães, que contabiliza 60 anos desde sua primeira visita ao País, apresenta a exposição Pinturas Recentes no Museu do Estado de Pernambuco, procurando isolar o caminho da arte, das curvas apreendendo formas, até fundi-lo com as texturas do surgimento do univer­so. "Enquanto vou pintando, costumo colocar a tela de cabeça para baixo, de cabeça para cima até o momento em que ela define sua posição e afirma sua coerência. Tenho me interessado ultimamente por coisas que vêm de muito longe, uma pintura do invisível, despertando o lado cósmico e voltando às origens”, ressalta a artista. Apropriando o discurso de pensadores como Merleau Ponty e Gaston Bachelard, Solange evitou curadores enquanto desanuviava os elementos primevos das formações rochosas do planeta, com ênfase na terra, no vento e no fogo, raramente também dedicando suas pinceladas abstratas ao reino das águas.

A discussão presente na exposição coloca em perspec­tiva o nascimento do univer­so, a evolução dos corpos celestes e o desenvolvimento do corpo humano, co­mo numa tela em que os a­néis de um suposto planeta se assemelham aos círculos que formam o nosso olho. Para a artista, que estudou física teórica na juventude, “se pensarmos que o universo veio de um átomo é como se naquele momento inicial, todas as relações atuais estivessem condensadas, prontas para desabrocharem. Meu trabalho obriga os espectadores a mergulharem dentro de si mesmos, exigindo que entrem em áreas que geralmente evitam e sentem pavor”. O cruzamento entre universo orgânico e corpo celeste certamente nos remete às imagens gelatinosas de 2001 - Uma Odisséia no Espaço (EUA, 1968), de Stanley Kubrick, de A Árvore da Vida (EUA, 2011), de Terence Malick e dos documentários variados produzidos pela BBC. Solange ao produzir suas séries costuma pintar várias telas simultaneamente e nunca escolhe títulos, aliás ela própria monta todo material bruto prévio no melhor estilo francês, para então sobrepor camadas e camadas que sugerem as nuances da expansão descontínua pós big bang. Seus quadros instigam uma viagem dentro da matéria, escavando fundo o não paradoxo de "sermos um todo e pertencermos simultaneamente a outro todo".

2 comentários:

Anônimo disse...

menos palavras e mais conteúdo por favor.

Rodrigo Almeida disse...

mais palavras: http://www.4shared.com/get/ai25--WT/BACHELARD_Gaston_A_potica_do_d.html