Caso decidisse brincar de matar todas as pessoas do mundo, olhando e fuzilando, olhando e fuzilando, olhando e fuzilando sem cansar, Clara, inundada de desfaçatez, perceberia que quando o campo de batalha estivesse finalmente inerte, quando os corpos mutilados não se distinguissem dos pedregulhos rugosos, um único homem permaneceria de pé... e ele sequer se daria conta de toda matança. Não demoraria muito até caminharem juntos, percorrendo dedicatórias e estorvos, entretidos com as histórias do tempo em que estiveram afastados. Os sorrisos seriam os mesmos e, como de costume, recordariam dos velhos, bons - e protocolados - momentos. Clara recordaria do dia, quando tinha dez anos, em que a avó lhe contou - recomendando com fervor pelo excesso de cálcio - que farinha de rosca era feita de ossos humanos infinitamente triturados após serem recolhidos no cemitério da cidade. Sua avó nunca usou de tapetes persas para ocultar as sujeiras da memória. Quando o primeiro homem voltou, o primeiro homem de Clara, ela não sabia como reagir, ele estava gordo, não disfarçava os primeiros fios brancos, mantinha o arroto matinal, e mesmo que todo seu otimismo lhe obrigasse a acreditar que ainda eram os mesmos, como se o tempo se costurasse sozinho para apagar distâncias galgadas com muita dor, não negou diante do circo místico seu próprio retorno ao campo de batalha. Temia ser obrigada a brincar de acreditar em todas as pessoas do mundo, fingindo e ressuscitando, fingindo e ressuscitando, fingindo e ressuscitando até cansar, mas não conseguia se desvencilhar do reencontro consigo mesma num universo de possibilidades. Clara odiava o seu segundo homem por ter se tornado uma mulher incapaz de amar o primeiro. Desde então, com os cabelos cacheados, sempre atravessa um beco finíssimo antes de se decidir.
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