quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Janela

Sempre que entramos na casa dos outros, seja um antiquário ou aquele apartamento recém montado, no episódio em que damos de presente panos de prato ou um conjunto de copos e ganhamos cervejas e feijoada, não deixamos de reparar na disposição dos objetos, o forro do sofá, o tamanho da cozinha, a ventilação, a televisão resgatada do abandono na casa de alguma tia, sem perder de vista o desenrolar dos donos nos ambientes que, com tanto carinho, montaram. Notem as expressões desesperadas quando a primeira bebida cai sobre o tapete. Tenho uma sensação semelhante com alguns filmes e com O Estranho Caso de Angélica - prometo não me prolongar - vemos se alastrar nos aposentos da casa da falecida do título e na pensão, uma cuidadosa ordem da posição dos quadros, do estilo da luminária, da mesa e das cadeiras, o tipo de torneira, o pé da escrivaninha e, sobretudo, o ponto da câmera para que tudo esteja numa ruidosa harmonia. E, tratando-se de Manoel de Oliveira, nada me parece mais simbólico que o cuidado demonstrado na última cena: a dona da pensão vagarosamente fecha a janela antes dos créditos. Não me surpreende que as crianças e jovens sempre esqueçam aberta.

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