E lá fui olhar as buscas que terminam no meu blog - e essa tem sido uma das diversões garantidas de receber o e-mail semanal do sitemeter - daí descubro que o velhos hábitos é o último resultado da primeira página, dentro de 220 mil resultados, para a busca 'recorrência' e o primeiro resultado da segunda página para a palavra 'procrastinação'. Achei simbólico, aliás, melhor achar simbólicos esses termos de busca do que 'trilha sonora da matéria sobre transplante do Fantástico' ou 'profile para orkut'. Contudo, a melhor busca dos últimos tempos que deu nesse muquifo foi 'site de fofoca - cultura inútil'. Quase uma sinopse.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
não.
não.
não viver como o pombo que se alimenta de migalhas de pão, soltas diariamente por dedos rugosos que jamais irão acariciá-lo; dedos que continuam a mórbida jornada de alimentação para que a ave permaneça por perto, decorativa e passional, ao ponto de não sentir vontade de voar.
não.
não viver como o coelho que se sente na obrigação de ajudar o caçador ferido e que logo se culpa por não ser capaz de trazer um peixe, como fez o urso, ou de trazer um tatu, como fez a raposa, se lançando à fogueira como única forma possível de contribuir e superar sua condição.
não.
não viver como o pombo que se alimenta de migalhas de pão, soltas diariamente por dedos rugosos que jamais irão acariciá-lo; dedos que continuam a mórbida jornada de alimentação para que a ave permaneça por perto, decorativa e passional, ao ponto de não sentir vontade de voar.
não.
não viver como o coelho que se sente na obrigação de ajudar o caçador ferido e que logo se culpa por não ser capaz de trazer um peixe, como fez o urso, ou de trazer um tatu, como fez a raposa, se lançando à fogueira como única forma possível de contribuir e superar sua condição.
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Devaneios
Cafuçu
Um amigo me disse que conhecia um cara em Manaus que estava traduzindo o diário, escrito entre 1903 e 1914, de Roger Casement, um irlandês, que veio ao Brasil como diplomata do Reino Unido, e que entre as palavras aportugaysadas que usava, uma das mais recorrentes era 'cafuçu'. E usava para indicar os seus amantes prediletos: homens pobres, rústicos e de corpos torneados que apesar da pouca 'cultura' sabiam agir como ninguém na cama.
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Cotidiano
domingo, 27 de setembro de 2009
Filmes de Infância: A Fortaleza (Austrália, 1986), de Arch Nicholson
Nem lembro exatamente com quantos anos assisti a esse filme, menos de dez com certeza, mas foi por muito tempo uma das produções tela quente / sessão da tarde / cinema em casa que mais me causou medo durante a infância. A sinopse é bem simples, imaginem a novela Carrosel, só que ao invés do lenga lenga habitual, imaginem a professora Helena e a turma sendo sequestrada por quatro homens armados com escopetas, cada qual com uma máscara que supostamente deveria servir para animação de festinhas de criança: papai noel, gato, rato e pato. No caminho para o cativeiro os sequestradores sugerem que vão estuprar a professora, depois comentam que tem uma aluna já 'crescida' que daria uma boa diversão, ameaçam matar o menor deles se um outro que fugiu não voltar ao furgão. A violência é sugerida o tempo todo. Lembro muito da cena de atravessar o lago, quando uma menina se desespera, agarra no pescoço da professora e quase que as duas se afogam, e do momento em que os pirralhas, que tem idades bem diferentes, conseguem fugir, chegam numa casa e pedem ajuda, só que a casa havia sido invadida pelos mascarados. Termina que o papai noel mata o velhinho dono da residência na frente das crianças com um belo tiro que o atravessa e quebra o aquário atrás dele. É foda que quase não vemos o rosto dos sequestradores durante os 85 minutos, porque mesmo quando eles tiram as máscaras, a câmera começa a enquadrá-los cortando a cabeça. A segunda parte se passa praticamente dentro de uma caverna, as crianças meio que se rebelam, começam, guiados pela professora, a se comportarem como caçadores / guerreiros tribais. O final é bem chocante, porque faz uma espécie de apologia ao crime, a matar como solução única quando se encontra ameaçado, e isso é posto como se fosse a 'lição do dia' dos alunos. Quem se interessar, dublado tosco, acho as vozes dos sequestradores o terror, meio editado, mas faz parte do espírito televisão da coisa. Pros sem paciência, recomendo o início e o fim. rá
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Cinema
À Deriva (Brasil, 2009), de Heitor Dhália
Não tenho o hábito de sair do cinema e ir direto para o computador escrever sobre o filme que acabei de assistir. Geralmente dou uma respirada, fico um tempo sozinho, fumo um cigarro, olho a cidade, reclamo do trânsito, decido se consigo estabelecer uma relação de quem sou com a obra com a qual me deparei, ponho algumas palavras no rascunho e, por fim, desisto sem peso algum na consciência. Óbvio que o contrário também acontece dependendo do impulso: aconteceu em 2007, quando fui assistir O Cheiro do Ralo, e aconteceu recentemente quando saí da sessão de À Deriva, ambas produções do cineasta brasileiro Heitor Dhália. Terminei não publicando as palavras do último por pura falta de tempo, mestrado, curadoria, procrastinação, mas ainda assim resolvi voltar aqui, dar uma de oroboro e morder o próprio rabo, porque achei, de modo geral, que a crítica 'cabeça' da internet do meu Brasil foi muito cruel com o filme - e constatando que essa esfera já não é tão desprovida de consequências, que a cada dia tende a influenciar mais olhares, estabelecer os diretores-cabeças que sim e os diretores que não, e interferir justamente no percurso cinéfilo que supostamente deveria ser autônomo. De fato, os críticos nada têm a ver com isso. Seus leitores sim: passam a tomar a opinião dos outros como suas antes mesmo de traçarem o percurso básico: assistirem ao filme. Admito, me incomoda tanta pré-disposição e isso também não é a medida utópica de que sejamos verdes na era da informação.
A começar, fui assistir À Deriva partindo da curiosidade em continuar acompanhando uma trajetória obra a obra e, de fato, temendo encontrar um diretor absorvido pela lógica de filmes-mundo, ou seja, dos filmes que já não possuem referência geográfica alguma e que mantém uma relação de produção internacional ao ponto de serem consumidos quase sem ruídos idiossincráticos para além-mar. Heitor Dhália fez algo longe disso: e o fez apesar de ter o risco em mãos, de tomar o âmbito familiar como objeto, tema universal por excelência, e de já saber, como um garoto não ingênuo, da natural repercussão que o filme tomaria fora do país por conta do esquema de produção, financiado pela Universal Pictures, e dos atores Vincent Cassel e Camille Belle. Conseguiu materializar, talvez, o que Krzysztof Kieslowski disse uma vez quando questionado sobre ir para França e perder a vertente do cinema nacional de seu país, a Polônia: não faço filmes poloneses, faço filmes como dor de garganta e dor de garganta as pessoas têm no mundo inteiro. Só que o significado da dor e da garganta se modifica a cada canto.
Particularmente, vejo À Deriva e penso nos coqueiros tortos pela ação do vento, nos objetos da casa de praia, nas cadeiras confortáveis para abrigar o corpo molhado, nas redes e sofás, nas roupas, na pouca roupa e em colocar a mesa no jardim. Vejo tudo isso através de uma fotografia que coloca a luz do dia como uma luz etérea, que pende entre a coloração do nascer e do pôr do sol, despertando um caráter não urbano e nostálgico que nos remete ao 'ser criança' durante a década de oitenta. E o que falar das longas temporadas na praia, das amizades e brigas monçônicas que não duram mais que um verão, de passar o dia inteiro na piscina, comer churrasco, de todo esse universo que nos distancia da arquitetura do cotidiano. Ainda mais quando somos crianças e estamos apenas aprendendo a se portar dentro do cotidiano. Há um pressuposto de paraíso idealizado, mas que habitado por homens, nos conduz, em fraturas, de volta ao mundano.
Nesse cenário, acompanhamos, através dos sentimentos da filha mais velha, a adolescente Filipa, a putrefação do relacionamento de um casal, que além de Filipa, possui dois outros filhos. Antes de mais nada, li algumas críticas que colocaram a interpretação de Laura Neiva quase como se a garota fosse uma tábua lisa sem expressão. Discordo e acho até meio cruel, não fazendo apologia à condescendência, mas porque gosto muito do tom da personagem: somos obrigados a seguir o mundo por seus olhos, olhos truncados, mas para nós, espectadores, não parece ser uma tarefa tão fácil, afinal ela empreende uma estranheza em sua personagem, que não nos aproxima dela, pelo contrário, nos deixa confusos porque nem sempre entendemos suas motivações. A dubiedade de tal comportamento se encaixa perfeitamente no corpo de menina-mulher, na encruzilhada de ser vista como criança graças a cegueira do amor paterno e vista como mulher sensual pelos impulsos dos rapazolas da rua. Filipa não se decide em qual caminho seguir, brinca e sente desejo. A cena final é marcante, spoiler, com ela saindo do barco onde teve sua primeira experiência sexual, sob os olhos do homem que a possuiu, e encontrando o pai, que pega a filha nos braços e a lava na água do mar. É de um poder simbólico imenso. Há um confronto natural entre o conforto dos braços do pai e a curiosidade pela errância juvenil.
Dentro disto, só acho que a escolha de Cauã Reymond para o elenco estremeceu um pouco a seriedade do filme(ao contrário de Débora Bloch que só fortaleceu), porque, sinceramente, ficou parecendo uma viagem de princesa para Laura Neiva: ela, uma desconheida; ele, o galã do momento. Devia ter achado o garanhão no orkut, assim como fez com a garota. Por sinal, Laura Neiva me ganhou a priori por, algo já recorrente no cinema brasileiro contemporâneo, risco e força de usar não-atores como atores pela primeira vez, tirando de seus olhos a grandeza de quem nunca passou por aquilo, algo que não consigo desvencilhar historicamente de Robert Bresson, fazendo com que Pickpocket (França, 1959) bata forte na cabeça. De certa forma, estamos sempre vivendo pela primeira vez, fazendo com que esta escolha, de modo geral, estimule os espectadores a buscarem em suas lembranças uma vida que se faz de momentos: a respiração presa e o frio na barriga de ver/ouvir seus pais brigarem e o peso, fascínio e medo que uma arma nas mãos pode dar. Outro filme que me invadiu durante À Deriva, foi O Mensageiro do Diabo (EUA, 1955), de Charles Laughton, por sustentar o terror basicamente ao brincar com o medo, universal, de perder os pais, a família, medo que lhe acompanha até o dia que acontece, mas que quando criança pode vir a ser uma espécie de quintessência do temor. Durante a infância, escutamos histórias distantes que aconteceram com alguém que não conhecemos e tememos, em urgência, coração disparado, que elas aconteçam conosco no próximo passo.
O filme recria cenas que são fortes para o imaginário de qualquer pessoa, afinal todos vivemos a instância filho, e se por um lado existem situações-limite que nos prendem o ar pela sua dimensão megalomaníaca, vem na cabeça filmes-catástrofe, Heitor se usa de momentos intimistas em dimensão micro que geram a mesma reação. O que para uma criança pode ser mais assustador que ver a mãe chorando? O que pode ser mais terrível que acordar e encontrar a mãe bêbada desmaida no chão da sala? O que pode ser mais incômodo que descobrir que o pai trai a mãe? Dada a recorrência em novelas, e o filme é sim um belo dum melodrama, tais situações podem parecer repetitivas e esvaziadas de fulgor, mas acredito que o cineasta conseguiu o grande feito de desbanalizá-las graças a um tratamento de especial sensibilidade. Enquanto nas narrativas fáceis, tais situações são sensacionalizadas, em À Deriva são simplesmente mostradas, parecendo recolocá-las em seu devido lugar do cotidiano, rememorando a força que existe instrinsecamente. Há uma emersão de memória violenta, fazendo de uma suposta história banal de traição, um drama pesado graças ao olhar pessoal que é impresso na confusão e conduta da personagem principal. Tanto que, spoiler, a sua obsessão pela traição do pai, chegando a espiar várias vezes a transa dele com a amante, nos deixa alheio por um tempo para o fato de que a separação está se consumando não por isso, atitude já aceita pelo casal, mas porque a mãe também traiu e está decida abandonar o lar.
Por fim, só queria reconhecer que pensando na trajetória de Heitor Dhália, pensando em Nina, que não é uma surpresa, mas que reconheço como um bom primeiro filme, e O Cheiro do Ralo, que me mostra uma maturidade artística imensa, ao final de À Deriva fico com a sensação de que temos nele um cineasta pronto, não tateante no que quer e no que consegue realizar, que domina as escolhas, que sabe como serão os cenários a partir de uma rememoração afetiva. Esperarei pelo próximo e 'crítica-cabeça' dizer que "Dhalia queria ter feito um ensaio de Laura Neiva para a Capricho, e não um filme" ou que "Ele faz o mar parecer de água doce, pois só filma o que já foi filtrado" é um pouco demais, não?
A começar, fui assistir À Deriva partindo da curiosidade em continuar acompanhando uma trajetória obra a obra e, de fato, temendo encontrar um diretor absorvido pela lógica de filmes-mundo, ou seja, dos filmes que já não possuem referência geográfica alguma e que mantém uma relação de produção internacional ao ponto de serem consumidos quase sem ruídos idiossincráticos para além-mar. Heitor Dhália fez algo longe disso: e o fez apesar de ter o risco em mãos, de tomar o âmbito familiar como objeto, tema universal por excelência, e de já saber, como um garoto não ingênuo, da natural repercussão que o filme tomaria fora do país por conta do esquema de produção, financiado pela Universal Pictures, e dos atores Vincent Cassel e Camille Belle. Conseguiu materializar, talvez, o que Krzysztof Kieslowski disse uma vez quando questionado sobre ir para França e perder a vertente do cinema nacional de seu país, a Polônia: não faço filmes poloneses, faço filmes como dor de garganta e dor de garganta as pessoas têm no mundo inteiro. Só que o significado da dor e da garganta se modifica a cada canto.
Particularmente, vejo À Deriva e penso nos coqueiros tortos pela ação do vento, nos objetos da casa de praia, nas cadeiras confortáveis para abrigar o corpo molhado, nas redes e sofás, nas roupas, na pouca roupa e em colocar a mesa no jardim. Vejo tudo isso através de uma fotografia que coloca a luz do dia como uma luz etérea, que pende entre a coloração do nascer e do pôr do sol, despertando um caráter não urbano e nostálgico que nos remete ao 'ser criança' durante a década de oitenta. E o que falar das longas temporadas na praia, das amizades e brigas monçônicas que não duram mais que um verão, de passar o dia inteiro na piscina, comer churrasco, de todo esse universo que nos distancia da arquitetura do cotidiano. Ainda mais quando somos crianças e estamos apenas aprendendo a se portar dentro do cotidiano. Há um pressuposto de paraíso idealizado, mas que habitado por homens, nos conduz, em fraturas, de volta ao mundano.
Nesse cenário, acompanhamos, através dos sentimentos da filha mais velha, a adolescente Filipa, a putrefação do relacionamento de um casal, que além de Filipa, possui dois outros filhos. Antes de mais nada, li algumas críticas que colocaram a interpretação de Laura Neiva quase como se a garota fosse uma tábua lisa sem expressão. Discordo e acho até meio cruel, não fazendo apologia à condescendência, mas porque gosto muito do tom da personagem: somos obrigados a seguir o mundo por seus olhos, olhos truncados, mas para nós, espectadores, não parece ser uma tarefa tão fácil, afinal ela empreende uma estranheza em sua personagem, que não nos aproxima dela, pelo contrário, nos deixa confusos porque nem sempre entendemos suas motivações. A dubiedade de tal comportamento se encaixa perfeitamente no corpo de menina-mulher, na encruzilhada de ser vista como criança graças a cegueira do amor paterno e vista como mulher sensual pelos impulsos dos rapazolas da rua. Filipa não se decide em qual caminho seguir, brinca e sente desejo. A cena final é marcante, spoiler, com ela saindo do barco onde teve sua primeira experiência sexual, sob os olhos do homem que a possuiu, e encontrando o pai, que pega a filha nos braços e a lava na água do mar. É de um poder simbólico imenso. Há um confronto natural entre o conforto dos braços do pai e a curiosidade pela errância juvenil.
Dentro disto, só acho que a escolha de Cauã Reymond para o elenco estremeceu um pouco a seriedade do filme(ao contrário de Débora Bloch que só fortaleceu), porque, sinceramente, ficou parecendo uma viagem de princesa para Laura Neiva: ela, uma desconheida; ele, o galã do momento. Devia ter achado o garanhão no orkut, assim como fez com a garota. Por sinal, Laura Neiva me ganhou a priori por, algo já recorrente no cinema brasileiro contemporâneo, risco e força de usar não-atores como atores pela primeira vez, tirando de seus olhos a grandeza de quem nunca passou por aquilo, algo que não consigo desvencilhar historicamente de Robert Bresson, fazendo com que Pickpocket (França, 1959) bata forte na cabeça. De certa forma, estamos sempre vivendo pela primeira vez, fazendo com que esta escolha, de modo geral, estimule os espectadores a buscarem em suas lembranças uma vida que se faz de momentos: a respiração presa e o frio na barriga de ver/ouvir seus pais brigarem e o peso, fascínio e medo que uma arma nas mãos pode dar. Outro filme que me invadiu durante À Deriva, foi O Mensageiro do Diabo (EUA, 1955), de Charles Laughton, por sustentar o terror basicamente ao brincar com o medo, universal, de perder os pais, a família, medo que lhe acompanha até o dia que acontece, mas que quando criança pode vir a ser uma espécie de quintessência do temor. Durante a infância, escutamos histórias distantes que aconteceram com alguém que não conhecemos e tememos, em urgência, coração disparado, que elas aconteçam conosco no próximo passo.
O filme recria cenas que são fortes para o imaginário de qualquer pessoa, afinal todos vivemos a instância filho, e se por um lado existem situações-limite que nos prendem o ar pela sua dimensão megalomaníaca, vem na cabeça filmes-catástrofe, Heitor se usa de momentos intimistas em dimensão micro que geram a mesma reação. O que para uma criança pode ser mais assustador que ver a mãe chorando? O que pode ser mais terrível que acordar e encontrar a mãe bêbada desmaida no chão da sala? O que pode ser mais incômodo que descobrir que o pai trai a mãe? Dada a recorrência em novelas, e o filme é sim um belo dum melodrama, tais situações podem parecer repetitivas e esvaziadas de fulgor, mas acredito que o cineasta conseguiu o grande feito de desbanalizá-las graças a um tratamento de especial sensibilidade. Enquanto nas narrativas fáceis, tais situações são sensacionalizadas, em À Deriva são simplesmente mostradas, parecendo recolocá-las em seu devido lugar do cotidiano, rememorando a força que existe instrinsecamente. Há uma emersão de memória violenta, fazendo de uma suposta história banal de traição, um drama pesado graças ao olhar pessoal que é impresso na confusão e conduta da personagem principal. Tanto que, spoiler, a sua obsessão pela traição do pai, chegando a espiar várias vezes a transa dele com a amante, nos deixa alheio por um tempo para o fato de que a separação está se consumando não por isso, atitude já aceita pelo casal, mas porque a mãe também traiu e está decida abandonar o lar.
Por fim, só queria reconhecer que pensando na trajetória de Heitor Dhália, pensando em Nina, que não é uma surpresa, mas que reconheço como um bom primeiro filme, e O Cheiro do Ralo, que me mostra uma maturidade artística imensa, ao final de À Deriva fico com a sensação de que temos nele um cineasta pronto, não tateante no que quer e no que consegue realizar, que domina as escolhas, que sabe como serão os cenários a partir de uma rememoração afetiva. Esperarei pelo próximo e 'crítica-cabeça' dizer que "Dhalia queria ter feito um ensaio de Laura Neiva para a Capricho, e não um filme" ou que "Ele faz o mar parecer de água doce, pois só filma o que já foi filtrado" é um pouco demais, não?
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Cinema Nacional
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Dissertando 2
Uma das qualidades mais notáveis do capitalismo, qualidade que se confunde com essência e crescimento, é sua capacidade de se reinventar rapidamente diante de qualquer tendência opositora, assumindo uma versatilidade sagaz e fluída que age em duas frentes. A primeira toma como ponto de partida a conjunção entre ascetismo no trabalho e consumo hedonista, no sentido de moldar seus indivíduos numa vivência baseada na renovável promessa de liberdade – o que, na busca nunca saciada por bens, reforça a sensação na qual passamos a nos distinguir como 'ser' a partir do que podemos 'ter' (CANCLINI: 1997, p. 15). Já a segunda segue na direção do se deixar moldar estrategicamente, confabulando uma espécie de pseudo-autocritica, que ameniza sua constituição enquanto sistema dominante até esboçar um simulacro de negação própria.
Apesar de supostamente antagônicas, ambas as frentes só se fazem funcionais se lançadas de maneira simbiótica, afinal, decifrando o “hieroglifo social” (MARX: 2006, p. 96), percebemos que a negação se firma como uma negação domesticada, que acolhe as insatisfações – e finge satisfazê-las – afim de neutralizá-las. Trata-se de um modus operandis tão complexo que consegue confundir estatutos aparentemente contrários: o da absorção enquanto recurso capital e o da mudança real no âmago sociocultural. É por meio desta máscara que se confunde com rosto que as diferenças são exibidas “livres de tudo aquilo que as impregna de conflitividade” (BARBERO, J. M. : P. 250), que a culpa burguesa esparrama assistencialismo ineficaz, que transgressões simples são permitidas fazendo com que a inépcia humana se passe por transformação.
Apesar de supostamente antagônicas, ambas as frentes só se fazem funcionais se lançadas de maneira simbiótica, afinal, decifrando o “hieroglifo social” (MARX: 2006, p. 96), percebemos que a negação se firma como uma negação domesticada, que acolhe as insatisfações – e finge satisfazê-las – afim de neutralizá-las. Trata-se de um modus operandis tão complexo que consegue confundir estatutos aparentemente contrários: o da absorção enquanto recurso capital e o da mudança real no âmago sociocultural. É por meio desta máscara que se confunde com rosto que as diferenças são exibidas “livres de tudo aquilo que as impregna de conflitividade” (BARBERO, J. M. : P. 250), que a culpa burguesa esparrama assistencialismo ineficaz, que transgressões simples são permitidas fazendo com que a inépcia humana se passe por transformação.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
Dissertando
Os cineclubes se ergueram na história do cinema como símbolo emblemático do princípio, de fundo heurístico, que defende o simples ato de assistir filmes como o melhor caminho de apreender e vivenciar a experiência do audiovisual: o se entregar diante da tela deixa o seu lado banal para assumir uma dimensão ritual. Assim sendo, esta posição primeira envolve uma série de outras derivadas na composição política de um campo cinéfilo consistente. Temos num microcosmo específico sem fins lucrativos, a partilha e busca do conhecimento de todos os espectadores para com todos; uma socialização de imaginários e mistura de referências que se distancia da hierarquização comum à pedagogia clássica – algo que se concretiza através da gênese curatorial das sessões e do diálogo exercido no debate que as sucede. A participação sistemática leva-nos inevitavelmente a uma reconstrução do olhar, a um refinamento da oratória e a um alargamento da razão, num clima de consonância e dissonância, que nos coloca diante de distintos pontos de vistas para com projetos estéticos dos mais diversos.
Portanto, o motivo de se empenhar na construção de uma sessão autônoma e de refletir sobre os caminhos alternativos para distribuição de filmes pressupõe uma inquietação com a realidade – inquietação com a dominância de modelos em substituição da coexistência – o que termina por se exprimir na consciência de que as exibições cineclubistas exaltem um caráter excepcional. Seja porque as obras não foram lançadas comercialmente no país, seja porque justamente são nacionais e não encontraram praça para circular, seja porque a cidade onde a iniciativa ocorre não possui um cinema sequer . A difusão de singularidades como norte a ser perseguido nos desperta para a importância de re-entrelaçar (e/ou estabelecer) o longo trajeto de codificação e decodificação , no sentido proposto por Stuart Hall (2003), através de circuitos subalternos de bens culturais.
Portanto, o motivo de se empenhar na construção de uma sessão autônoma e de refletir sobre os caminhos alternativos para distribuição de filmes pressupõe uma inquietação com a realidade – inquietação com a dominância de modelos em substituição da coexistência – o que termina por se exprimir na consciência de que as exibições cineclubistas exaltem um caráter excepcional. Seja porque as obras não foram lançadas comercialmente no país, seja porque justamente são nacionais e não encontraram praça para circular, seja porque a cidade onde a iniciativa ocorre não possui um cinema sequer . A difusão de singularidades como norte a ser perseguido nos desperta para a importância de re-entrelaçar (e/ou estabelecer) o longo trajeto de codificação e decodificação , no sentido proposto por Stuart Hall (2003), através de circuitos subalternos de bens culturais.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Janela Internacional terá 80 curtas
Fonte: Caderno C / Jornal do Commercio
Fellipe Fernandes
ffernandes@jc.com.br
Fellipe Fernandes
ffernandes@jc.com.br
“Recife é uma cidade privilegiada na área de cinema e até 2008 não havia um festival que realmente abrisse espaço para filmes do mundo inteiro”, afirma um dos idealizadores do festival Janela Internacional de Cinema do Recife, Kleber Mendonça Filho (também crítico de deste JC). Com início antecipado para o dia 16 de outubro, o festival, que chega este ano à sua segunda edição e é realizado pela CinemaScopio Produções, teve a seleção de curtas anunciada na manhã de ontem. 72 filmes se dividem em duas mostras competitivas, a nacional e a internacional, além da Janela Pernambucana que exibe oito produções do Estado.
Segundo Kleber, “a safra nacional estava mais instigante que a estrangeira”. O crítico ainda completa: “Com certeza o melhor do cinema brasileiro continua sendo os curtas”. Ao lado dele, na curadoria da programação, estiveram a produtora Emilie Lesclaux (também organizadora do festival), o roteirista Luiz Otávio Pereira, o crítico de cinema Fernando Vasconcelos e o jornalista Rodrigo Almeida. “No ano anterior éramos apenas quatro para selecionar os filmes e vimos que precisávamos de mais uma pessoa”, explica Emilie. Ao todo, foram vistos cerca de 700 filmes para chegar à seleção final. Só foram aceitas produções feitas a partir de janeiro de 2008, mas que exploram os mais diversos formatos de captação, de celular a película.
Os curtas vão ser organizados por afinidades de temas e exibidos em blocos com duração aproximada de 60 minutos. “Ainda que os temas centrais tenham desdobramentos, o diálogo dos curtas entre si acabou se tornando um critério para a seleção”, esclarece Kleber. As sessões, que vão se dividir entre o Cinema Apolo e o Cinema da Fundação, são seguidas por debates com os realizadores. A programação do evento com os horários de exibição, os temas dos blocos e os filmes selecionados para a mostra de longas, além das sessões com focos especiais, devem ser divulgados nas próximas semanas. Mas os produtores adiantam que está sendo confirmada a participação de convidados internacionais.
OS TÍTULOS DA SAFRA
Entre os curtas selecionados figuram títulos que participaram de grandes festivais, como Cannes, Oberhausen e Veneza. “A maioria dos festivais exibe os mesmos filmes. Nós vamos exibir alguns desses, mas a maioria dos curtas não foi vista. Prezamos pela qualidade das obras mesmo”, argumenta Kleber. Obras estrangeiras como A letter to uncle Boonmee, do tailandês Apichatpong Weerasethakul, e Horn dog, do americano Bill Plympton, marcam presença na seleção. Da mostra competitiva nacional, Chapa, do paulista Thiago Ricarte, que participou do Festival de Cannes, e Teu Sorriso, do carioca Pedro Freire, que participou dos festivais de Veneza e Gramado e conta com Paulo José como protagonista, são alguns dos destaques.
Os curtas pernambucanos Superbarroco, de Renata Pinheiro, Nº 27, de Marcelo Lordello, e Sentinela, de Cristiano Lenhardt, participam da mostra competitiva nacional. Kleber, entretanto, lamenta: “Havia diversos filmes bons do Estado que gostaríamos de exibir, mas, por um motivo ou outro, não se encaixavam na mostra competitiva”. Dessa forma surgiu a Janela Pernambucana, que conta com a exibição de curtas como São, de Pedro Severien, Confessionário, de Leonardo Sette, e a estreia das obras Tchau e bênção, de Daniel Bandeira, e Sessão especial – o ébrio, de Hugo Carneiro Coutinho.
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segunda-feira, 14 de setembro de 2009
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
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