Ron Howard é um daqueles cineastas que, como acontece diante de algumas pessoas, gostaríamos de passar longe e de olhos vendados, ou melhor, gostaríamos até de conhecer a título de curiosidade, mas depois de conhecido, gostaríamos também de ser agraciados com a condição de desconhecer. Só que também como acontece com as pessoas, essa situação habita apenas a imaginação sem saída, e especialmente no caso do diretor, nos sentimos cercados, afinal, nem é preciso abrir a porta de casa para nos darmos conta que Apollo 13 (1995), Uma Mente Brilhante (2001) e o hors concurs O Código da Vinci (2006) já estão fazendo a festa na sala de estar. Bons tempos infantis onde só conhecíamos Cocoon (1985). Também não quero sair explicando a péssima conexão entre exagero dramático e ação de quinta que só o cineasta americano consegue montar, mas sim, assumir uma puta contradição: assisti recentemente Frost / Nixon (2008), que milagrosamente apareceu no meu computador, e levei um baita susto. Primeiro por não dormir. Segundo por terminar o filme tendo certeza que aquelas não foram as duas horas mais entediantes da minha semana. Ok, estou sendo chato, mas é Ron Howard. Ele merece. Mas, de fato, tenho de admitir que fiquei bastante intrigado com a escolha - ou acaso - de estereotipar ao extremo os personagens secundários, que formam uma espécie de esquadrão do entrevistador e esquadrão do entrevistado, colocando em lados distintos o ex-combatente do Vietnã devotado pelo Nixon e o acadêmico nerd-quase-google a serviço de Frost. Bem caricato, simples e Ron Howard mesmo. Só que aí vem a surpresa, pois ao invés de fazer o mesmo com os personagens principais - algo que seria o esperado -, o diretor ou roteirista terminou por inseri-los num complexo espiral ambivalente: Nixon é um reaça filho da puta e contraditoriamente um gentleman educado e inteligente; Frost é um gentleman inteligente e midiático e um alienado por escolha própria. Isso apenas como panorama primeiro, pois os personagens vão mostrando diferentes faces no decorrer da narrativa, fazendo das peças secundárias, extremos metafóricos de quem eles próprios, em situações-limite, são e não são. Parece-me uma solução esperta na construção das personagens, apesar de que os depoimentos diretos para a câmera sejam patéticos. Melhor esquecer. Sim, obviamente me identifiquei bastante com o Frost, não pela cara de pau na hora da paquera ou pelo riso cínico ou pelo desleixo com o trabalho, mas por se interessar em fazer uma entrevista com o político mais importante do momento, quando ele, enquanto jornalista, não passava de um apresentador de auditório cercado de amenidades. Acho que há uma alfinetada na posição política rígida que muitas vezes vem associada ao velho pragmatismo de separar baixa e alta cultura e que se auto distingue como A posição política possível. Aos mais interessados, recomendo assistir a entrevista original: não só pelo conteúdo que nos leva numa relação entre registro histórico e discurso audiovisual, mas para especialmente confirmar como as atuações do Frank Langella e do Michael Sheen estão monstruosamente similares. Não que isso seja, a priori, bom ou ruim, mas querendo ou não, chama-nos a atenção. Pensando melhor, talvez tenha mesmo que dar uma chance as supostas pessoas que eu desejaria desconhecer, afinal se, enquanto cineasta desconhecível, o Ron Howard consegui me entreter e levantar questionamentos, talvez as pessoas também consigam ultrapassar a imagem que congelei sobre elas. Se bem que o maldito americano vai lançar Anjos e Demônios. Pois é, esqueçam o que eu disse.
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