quinta-feira, 12 de fevereiro de 2004

Nostalgia

Tenho saudades das entrelinhas, das linhas tortas e de todos os versos mal escritos. Tenho saudades de não saber qual é o próximo passo, de cair bêbado na sarjeta e de passar a madrugada inteira chorando por um filme. Tenho saudades dos meus sonhos infames, das minhas crenças desajeitadas e de me sentir um tanto inseguro. Tenho saudades de não ter responsabilidades de adulto e ao mesmo tempo não ser tratado como uma simples criança. Tenho saudades do colo da minha mãe.

Tenho saudades de quando eu não tinha saudades. Que eu ficava triste só de ter dúvidas e não feliz por ser um garoto curioso. Tenho saudades de correr nu pela praia, de me melar de merda de boi e de nadar no açude da fazenda do meu pai. Tenho saudades de fazer xixi na cama e ficar envergonhado, de ter pesadelos, de levar sustos infantis e de prender o choro da queda só para fingir ser forte. Tenho saudades do conforto dos braços do meu pai.

Tenho saudades de não ser maior de idade, de ser o símbolo da juventude rebelde e de me olhar no espelho, enquanto o mundo palpita. Tenho saudades de ir a escola, de ser expulso das aulas de inglês e ouvir as pessoas me chamarem de irresponsável. Tenho saudades de tomar banho na bica da igreja em dia de chuva, de olhar o rio estando sentado na ponte e de mandar um beijo para a lua. Tenho saudades dos passos, dos gritos e das histórias que não esquecerei. Tenho saudades das folhas secas do outono de Gravatá e dos carinhos do meu melhor amigo.

Tenho saudades dos meus lençóis coloridos, que me escondiam do que eu mesmo criava. Tenho saudades das brincadeiras ingênuas, do meu cachorro que foi levado e de meu primeiro beijo na boca. Tenho saudades de subir nas árvores e de cair delas também. Tenho saudades de chutar a bola na casa do vizinho, de correr dos cachorros ferozes e de entrar nas casas mal-assombradas. Saudades de estar namorando no dia dos namorados e de ter uma namoradinha no maternal. Tenho saudades da minha sempre presente infância.

Tenho saudades das minhas poesias de amor, dos meus contos que só tinham drogas e de todos os cadernos de matemática que eu não usava. Tenho saudades de chegar atrasado na aula todos os dias da semana, de perder meu sapato e de fazer aviãozinho de papel. Tenho saudades das guerras de coração de nego, dos uivos dos cachorros e das conversas sobre extraterrestres. Tenho saudades do sapo chamado Ambrósio mas que todos conheciam como Frederico.

E tenho saudades de chorar ouvindo Beatles, de abraçar o desconhecido e de fumar maconha na varanda do teu quarto. Tenho saudades de ficar doente e ver as pessoas preocupadas comigo. Tenho saudades dos meus primos que não vejo há mais de dez anos. Tenho saudades de riscar as paredes, de roer as unhas do pé e de cuspir para cima. Tenho saudades de cada palavra que já disse e de todas as outras que um dia esqueci. Tenho saudades de guardar o universo na minha caixinha de segredos.

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