Para os que nunca aprenderam a assobiar, todo assobio é um chamado que a primeira vista parece não poder ser respondido, tal qual os gritos de saudade que costumava dar sempre que voltava ao nosso quarto. Simulava um sussurro meu em ouvidos seus e devaneios mil. Lembrava gesto a gesto os malandros lábios disfarçados, aquele meu sentir de garoto inconformado, o velho desvencilho de olhos contra olhos que tanto nos marcou. Não lembro onde deixei a foto, mas continuo me encarando todos os dias no espelho. Vejo o suave balançar de seu vestido meio channel, as pernas bem encaixadas, a reclamação sobre o sereno; vejo o garçom tombar de bêbado com os nossos copos, nosso riso desengonçado e lembro da brisa que embalava o seu desejo eterno de inventar. O tango argentino numa boca rugosa com dentes brancos, os amigos de longe sambando como bons brasileiros que nunca sambaram e eu perdido no teu, com dois vinhos diferentes, um em cada mão, e com as palavras de Chico bem baixinhas. Você me culpa pelas flores que nunca mandei, devolvendo meu cartão de natal como um carro bomba pronto para matar quarenta e tantas pessoas numa boate chilena. Sempre gostei da forma como deixaste a canção seguir sem dor, mas nunca conseguimos lidar com o peso que empunhaste em cada um dos versos. Passaram os dias e ainda sinto vontade de sair andando devagar em busca do teu sorriso. Sou um garoto sem pressa num passo rápido, esqueço o chapéu e danço uma fina valsa sussurrando ao teu ouvido as palavras de uma música em português com um sotaque bem carregado. Pois é, meu bem, nunca gostei dessa sua mania de insistir no tango.
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