Seu sexo havia sido renegado desde que desistira viver fora dos muros do seminário católico, desde que decorara cada um dos salmos, provérbios, que acumulara a oratória hipócrita dos sermões, de tomar vinho e comer o sagrado pão abençoado por Deus. Sua sexualidade, entretanto, se mantinha mais ativa do que nunca: sonhava com bacanais envolvendo freiras, anjos e diabos que escorriam pelas bordas dos desenhos sacros; se masturbava para santas e relicários; assistia filmes religiosos com o tesão de um espectador pornô, honrava abstinência se inundando de culpa. Todos da sua família alertaram-no da precocidade pela sacristia, sequer tinha chegado aos trinta, as experiências reais, pêlo a pêlo, podiam ser contadas nos dedos. Enlouquecia em sua perversão dia a dia, tanto que depois de tomar todo vinho da eucaristia, se encontrava nuns dos motéis mais chinfrins da cidade - de outra cidade que não a sua. Estava disfarçado, calça jeans, camisa de botão, um colar de prata. Tinha vergonha das palavras idiotas que lia e apoiava, vergonha de ficar excitado durante a missa imaginando toda as mulheres da platéia sem calcinha - inclusive as mais velhas beatas. Despiu-se em poucos movimentos e abriu uma das malas jogadas em cima da cama, vestiu a batina, deitou-se sobre ela e se encarou profundamente pelo espelho do teto. Queria viver o outro lado que sempre esteve lá. Seu sexo havia sido renegado desde que desistira de viver fora dos muros do seminário católico que ingressara ainda jovem, sua sexualidade, no entanto, lutava permanentemente para superar tamanha abdicação. Bateram na porta uma, duas, três vezes. O padre-ex-padre fingiu não escutar.
segunda-feira, 29 de setembro de 2003
sábado, 20 de setembro de 2003
Geração
Os hippies estão mortos. Os punks não passam de piada. A contestação parece apenas habitar as lembranças dos que viveram intensamente numa nostálgica década de sessenta ou setenta. Agora tanto faz. Ninguém está mais interessado em mudar o mundo, querem apenas trocar as roupas, retocar a maquiagem, mudar o próprio visual. Somos os filhos dos que viveram a ditadura; dos que foram torturados ou dos que fugiram para o exílio. E da forma como nos contam, parecem cheios de orgulho apesar do tom de lamento. Não vivemos nenhuma grande guerra, nenhuma grande depressão, nenhuma grande coisa. Parecemos contentes com o que há de pequeno em nossas vidas.
Fazemos parte da geração do depois, do não acontece. Somos o barco perdido num mar sem ondas, a folha seca se deteriorando sem nunca ser levada pelo vento. Vivemos reféns da impossibilidade, como se estivéssemos presos entre os fatos da história e o nosso espírito do tempo fosse justamente o de se entregar ao hiato. Fazemos parte de uma geração que sente ter nascido tarde demais e que se embriaga da sensação de que morreremos antes da hora. Talvez, para sobreviver, devamos pensar que a nossa revolução, a revolução do depois, seja a pequena revolução em nós mesmos ou nos contentar, com sorrisos colgate, que não há mais revolução alguma a ser feita.
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Devaneios
segunda-feira, 8 de setembro de 2003
electroburros
Na parada de ônibus,
a vida passa e ele não passa.
Depois da terceira ponte,
ninguém lembra do último banho de rio.
a vida passa e ele não passa.
Depois da terceira ponte,
ninguém lembra do último banho de rio.
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Devaneios
sábado, 6 de setembro de 2003
FIRUFPE
Das últimas 48 horas, só dormi 3 e nos últimos meses tenho reclamado mais que o normal sobre cansaço, mas é que é difícil manter um resto de humor quando se passa quase oito horas dentro de uma sala de aula todos os dias escutando mais baboseiras que coisas legais. Imagino que em termos de acúmulo de atribulações, a tendência seja só piorar com a idade, estamos sempre nos enchendo com mais responsabilidades do que somos capazes, fazendo questão de acelerar a boa hora em que o corpo se cansa de vez. Costumamos chamar isso de vida com realização profissional. Bullshit. Pois é, só queria dizer que não sei como estou conseguindo levar as duas faculdades, entrei oficialmente na fase de precisar admitir isso para mim mesmo, só que se desistir agora, a indecisão ainda neblina minha cabeça, me conheço, vou me sentir culpado e ficar pensando em todas as pessoas que conseguem terminar dois cursos universitários simultaneamente sem problemas. Queria só saber onde esse perfeccionismo vai me levar. De qualquer forma, tem um lado positivo nessa rotina transbordante, afinal fico até chocado com a determinação que desenvolvi, se é que esse impulso suicida pode ser chamado de determinação.
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Cotidiano
sexta-feira, 5 de setembro de 2003
Duelo
Aos olhos verdes, e dependendo da incidência do sol, verde-escuro, verde-claro, verde-musgo, parecia tão improvável e tão lentamente os olhos expressavam o medo, o receio, até formarem as lágrimas que ele nunca teve coragem de mostrar. Logo veio o mal estar, a vontade de se ausentar, o peso mórbido diante de um maldito amigo que conhecia antes mesmo de nascer. Tão sem movimentos veio a tona a conversa de dois dias atrás, o esforço danado para se esconder, a queda-de-braço, a bituca de cigarro, a insegurança que fingiam não existir. Viram-se fugindo, se evitando e não resistindo. Como nas outras vezes, uma espécie de ira plácida dominou os seus olhos, contaminou com raiva todos os seus freios, esculpindo uma vontade de lançar o outro na parede cento e vinte vezes. Comportavam-se às vezes como dois cães raivosos se estranhando sobre a grama. Orgulhosos, negavam a manipulação para identicamente negarem o perdão, ambos usavam de seus comentários inocentes como gatilhos de armas equipadas com silenciadores, de forma que na maioria dos casos eram precisas poucas palavras. Poucas semanas foram o suficiente para que tudo estivesse montado para a famigerada separação, sem despedidas ou panos, caminhavam como cowboys em sentidos contrários e então, deixavam o queijo de lado e se abraçavam sem chorar.
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Correspondências
terça-feira, 2 de setembro de 2003
Refúgio
Estamos dentro.
Dentro da noite escura,
dentro da selva profunda.
Dentro do medo,
dentro da dor de dentro pra fora.
Dos grandes tombos
que nasceu a vontade pela dança.
Das grandes mágoas
que surgiu a temperança.
Do sempre certo, do sempre tédio.
Do sempre sempre é que veio o suicídio.
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