(Publicado originalmente no Filmologia)
Vou me dar ao direito de desenvolver esse ensaio com uma longa digressão: não lembro exatamente quando começou minha curiosidade pelas guerras, talvez quando encontrei, ainda pequeno, cascavilhando na biblioteca do meu pai, um imenso livro de fotografias que se pretendia uma história ilustrada da Segunda Guerra Mundial. Hoje, folheando a publicação editada por Charles Herridge, notei como minha atração inusitada recaía sobre os líderes embriagados em sua própria compostura; paisagens assoladas, prédios incendiados, ruas ocupadas; armamentos, aeronaves, embarcações; uma mistura de austeridade, tecnologia e ruína. Sentia-me, também, enfaticamente seduzido pelas expressões humanas anônimas do conflito, soldados ora cabisbaixos, ora festivos, ora mutilados; prisioneiros famintos, refugiados arrasados; mulheres assustadas, grávidas, com crianças desnutridas no colo. Seguramente posso afirmar que esse conjunto documental ao registrar as demandas das inúmeras batalhas e do desastre humano, conseguiu materializar no meu imaginário a experiência, o clima, a atmosfera do que significava um evento histórico e imprimir em definitivo o semblante de seus personagens centrais. Nunca vou esquecer das terríveis supostas fotos da morte de Mussolini. A partir desse contato primeiro, o interesse pelo acontecimento guerra só cresceu, parte de minha reclusão na pré-adolescência foi dedicada ao estudo - na Barsa - da história da humanidade pela perspectiva de fatos similares – Guerra do Peloponeso, Guerras Púnicas, Guerra dos Cem Anos etc – mantendo uma atenção especial para o ponto de partida e mais devastador acontecimento militar do século XX. Aliás, ainda sinto uma imensa atração pelo tema, dia desses comprei uma enciclopédia com doze livros da evolução de veículos militares através dos conflitos e não consigo me desvencilhar da empáfia que me suga quando fico sabendo de algum confronto novo no quinto dos infernos. Confesso que até mesmo quando escolhi jornalismo, graduação que nos primeiros semestres cursei ao lado de relações internacionais, pretendia seguir carreira profissional como correspondente em áreas de conflito, estranhamente inspirado por outro corpo de imagens, vistas durante a infância pela televisão, em meados da década de 1990.
Se não tenho lembranças da Guerra do Golfo por uma questão de idade e depois o conflito me entediava porque as imagens lembravam os jogos mais básicos do Atari, tudo era muito distante e seguro; a Guerra da Bósnia perpetuou imagens na minha memória, pois havia uma imersão ampliada, as câmeras estavam no meio das batalhas, as balas zuniam captadas pelos microfones, pessoas eram baleadas dentro dos planos, jornalistas em passagens ao vivo precisavam lutar por suas vidas, prédios eram quase aleatoriamente atingidos por mísseis. Havia todo um agenciamento da morte transmitida para o planeta inteiro, situação já insinuada pelas fotografias da Segunda Guerra, especialmente numa fotomontagem propagadística de Hitler sorrindo num campo de milhares de russos mortos ou numa captação aérea em Hiroshima após a bomba, mas nada com tanto realismo e proximidade das imagens coloridas da TV. Por algum motivo que só a terapia um dia poderá responder, com oito ou nove anos, mal entendia aquela complexa correria, mas sentia um desejo de acompanhar tudo ainda mais de perto: só sabia vagamente que o desmembramento da antiga Iugoslávia tinha transformado em inimigos, da noite para o dia, antigos vizinhos, literalmente vizinhos de rua que haviam compartilhado a mesma vizinhança por décadas, mas que tinham sido inflados por suas origens étnicas e religiosas diferentes. Recentemente, lendo Uma História de Sarajevo e Gorazde, dois livros do jornalista em quadrinhos Joe Sacco, consegui formalizar o impacto da aproximação precoce diante de uma ansiedade compulsiva dos profissionais de comunicação pela tragédia, não os via como urubus em busca da carniça ou vítimas do forçado ímpeto investigativo empresarial, mas como agentes que, naquela situação, soltos num campo em chamas, não podiam se manter neutros para sempre, pois o flerte com o perigo os obrigava a escolher e lutar por um dos lados. Se as imagens do livro, por mais fortes que fossem, representavam para mim uma ideia de imagens históricas, portanto, grandes, imutáveis, definitivas e distantes da minha realidade na minha vila na minha Várzea; as imagens vindas dos Balcãs surgiam num regime ontológico distinto, como se fossem imagens privadas, não necessariamente históricas, despertando meu interesse não pela história da guerra, mas pelas histórias ocorridas durante a guerra.
Antes que o tédio arrebate com sua descortesia alguns leitores, atento que a longa digressão-introdução se justifica, pois essas lembranças nunca tinham me ocorrido com tanta intensidade assistindo um filme de guerra como diante de Mulheres no Front, mesmo já tendo intimidade com a maioria deles, inclusive escrito sobre inúmeros. Foi como um passado desobediente, inebriado de fugas, reerguido diante dos olhos. Não obstante, antes de prosseguir, há, ainda, uma terceira e última lembrança para finalizar esse panorama pessoal, para além das imagens históricas da Segunda Guerra Mundial e das imagens privadas televisivas da Guerra da Bósnia. No final da minha infância, minha mãe, aproveitando o ensejo de meu interesse primordial pelo tema, começou a contar histórias de filmes de guerra como histórias de guerra, depois de algum tempo viria a descobrir que se tratavam de produções americanas sobre o Vietnam e produções italianas, mais ou menos distorcidas em suas linhas gerais. Havia naqueles contos da noite a junção das duas dimensões apreendidas inicialmente de maneira distinta e metodicamente disjuntiva, a dimensão privada estava dentro da dimensão histórica e vice-versa, as lágrimas pelos amigos perdidos escorriam depois do Dia D, a insônia pelas bombas noturnas acometiam durante a destruição de Dresden. Quase em todos os casos, suas versões ressaltavam a situação das mulheres nos conflitos, sempre descritas como figuras cientes de que não podiam confiar em ninguém e passíveis dos mais terríveis abusos. Ela costumava dizer - evocando vietnamitas estupradas, italianas estupradas - que "na guerra, a mulher está em guerra contra todos os exércitos". Não posso afirmar se algum dia, minha mãe chegou a comentar exatamente o filme de Valerio Zurlini em questão, tenho a suspeita que sim, mas lembro bem dela rememorando Duas Mulheres (Itália, 1960), de Vittorio De Sica, película que ilustra bem o sentido da frase materna. Acredito que através dessas três experiências, descritas aqui de forma quase didática, apreendi a intenção destacada no depoimento de Zurlini: “lendo os clássicos entendi quanto é bela a fusão entre uma vida privada e os acontecimentos históricos. A minha profunda formação tolstoiana se revela igualmente nesta pequena equação: uma história privada é engrandecida, e se torna extraordinária, isto é, necessária, se tiver como fundo um grande acontecimento histórico”.
Ambientado durante a conquista da Grécia pela Itália com apoio da Alemanha nazista, uma nova intervenção militar que retoma vínculos coercitivos entre duas nações de ligação cultural milenar, Mulheres no Front começa com corpos estendidos no chão, numa época em que responder honestamente perguntas - como uma vez se referiu Dilma à Ditadura Militar - era perigoso. O filme distribui ao longo dos atos um amplo contexto para acompanhar a jornada de doze prostitutas, conduzidas por três tenentes de intenções paradoxais – um melancólico, um bobo violento e um fanfarrão materialista – no intuito de deixá-las em bordeis para satisfazer soldados italianos em batalha. A metáfora do calvário é até bastante óbvia, contudo, o filme consegue instaurar um complexo cenário do limite como situação cotidiana, não só pela paisagem física, dos espaços destruídos, inseguros, abandonados, mas pela paisagem violentada dos rostos: no cinema de Zurlini, a marca de um trauma pessoal se transforma na marca da história. Durante uma das primeiras cenas, na apresentação das figuras femininas, um dos momentos antológicos da filmografia do cineasta, um travelling atravessa um vasto salão, capturando as mulheres e seus olhares lascivos, sombrios, sonhadores, de maneira frontal em posturas e pontos distintos do quadro. O painel expressivo da sequência é desorientador. À primeira vista, podemos achar que se trata de mais um filme tardio neo-realista, a prostituta novamente como modelo de heroína, numa história passada durante a guerra. Todavia, se o movimento cinematográfico tinha nas suas origens, a vontade de mostrar que os italianos não cometerem tantas atrocidades, revelando as lutas de resistência contra Mussolini no interior do país ou os impactos póstumos do conflito na sociedade, Zurlini inverte a situação, revela os Camisas Negras, adentrando justamente no labirinto que fora deixada de lado, que fora apagada da memória cinematográfica de seus conterrâneos. Mais que isso: Mulheres no Front traça uma incursão pela desesperança das prostitutas e seus condutores, conta não a história da guerra, mas a história da intimidade na guerra, dos anos perdidos na guerra, das necessidades e sonhos na guerra, amplificando o microcosmo por meio da melancolia dos contatos mínimos e dos gestos aparentemente distraídos.
Acontece que num mundo dominado pelos homens, a guerra só pode ser pensada como o universo da estratégia, do domínio, estimulando o cineasta a se dedicar à figura das mulheres, presas ao universo da tática, que, para Michel de Certeau, significava a arte do fraco que utiliza, manipula e altera os mecanismos de dominação, subvertendo-os. A tática diferentemente da estratégia não é capaz de cavar trincheiras em todas as esferas de poder, não é capaz de lutar de igual para igual, afinal sua especificidade é a de exercer pequenas fraturas, muitas das quais desordenadas, funcionando quase como uma “arte dos golpes, dos lances, um prazer em alterar as regras do espaço opressor”. No filme, essa situação permeia toda narrativa como uma forma de sobrevivência: quando um grupo de homens bêbados ameaça invadir a força o lugar em que as mulheres estão passando a noite, uma delas, toma a frente da porta e avisa: “uma de nós tem sífilis, mas não vou dizer qual”. Todos terminam desistindo. Não se trata de um discurso machista sobre a fragilidade ou uma defesa feminista, Mulheres no Front trata mais da resistência sem atravessamentos ideológicos claros, vai costurando um embate entre os dramas pessoais, desses que jamais entrariam nos livros convencionais de história, focando na relação entre o tenente melancólico e a prostituta mais arisca. O filme funciona como os trens na guerra, como uma derradeira noite de amor, alimentado por elementos e ímpetos de despedida, conjurando um sentimento tenro que vai se degradando. A cena final, provavelmente a mais bela de todos os filmes de Zurlini, mostra os dois recém amantes em sua primeira e última noite de amor, ela então solta uma longa sequência de palavras, desconsiderando qualquer possibilidade de se verem novamente, de terminarem como nos finais felizes tão comuns: “mas nós dois, estamos aqui, temos a mesma idade, mas não a coragem de olharmos nos olhos. Fomos humilhados. Falamos como duas pessoas velhas e em poucas horas teremos de nos despedir. Quando tudo tiver acabado, quem nos restituirá todos estes anos? Poderá ser esquecido? Eu te amo, mas falando isso nessas condições é como se estivesse orando por um filho nosso que tenha sido morto”. Na sequência, seguem caminhos distintos. Ela não olha para trás.
Se não tenho lembranças da Guerra do Golfo por uma questão de idade e depois o conflito me entediava porque as imagens lembravam os jogos mais básicos do Atari, tudo era muito distante e seguro; a Guerra da Bósnia perpetuou imagens na minha memória, pois havia uma imersão ampliada, as câmeras estavam no meio das batalhas, as balas zuniam captadas pelos microfones, pessoas eram baleadas dentro dos planos, jornalistas em passagens ao vivo precisavam lutar por suas vidas, prédios eram quase aleatoriamente atingidos por mísseis. Havia todo um agenciamento da morte transmitida para o planeta inteiro, situação já insinuada pelas fotografias da Segunda Guerra, especialmente numa fotomontagem propagadística de Hitler sorrindo num campo de milhares de russos mortos ou numa captação aérea em Hiroshima após a bomba, mas nada com tanto realismo e proximidade das imagens coloridas da TV. Por algum motivo que só a terapia um dia poderá responder, com oito ou nove anos, mal entendia aquela complexa correria, mas sentia um desejo de acompanhar tudo ainda mais de perto: só sabia vagamente que o desmembramento da antiga Iugoslávia tinha transformado em inimigos, da noite para o dia, antigos vizinhos, literalmente vizinhos de rua que haviam compartilhado a mesma vizinhança por décadas, mas que tinham sido inflados por suas origens étnicas e religiosas diferentes. Recentemente, lendo Uma História de Sarajevo e Gorazde, dois livros do jornalista em quadrinhos Joe Sacco, consegui formalizar o impacto da aproximação precoce diante de uma ansiedade compulsiva dos profissionais de comunicação pela tragédia, não os via como urubus em busca da carniça ou vítimas do forçado ímpeto investigativo empresarial, mas como agentes que, naquela situação, soltos num campo em chamas, não podiam se manter neutros para sempre, pois o flerte com o perigo os obrigava a escolher e lutar por um dos lados. Se as imagens do livro, por mais fortes que fossem, representavam para mim uma ideia de imagens históricas, portanto, grandes, imutáveis, definitivas e distantes da minha realidade na minha vila na minha Várzea; as imagens vindas dos Balcãs surgiam num regime ontológico distinto, como se fossem imagens privadas, não necessariamente históricas, despertando meu interesse não pela história da guerra, mas pelas histórias ocorridas durante a guerra.
Antes que o tédio arrebate com sua descortesia alguns leitores, atento que a longa digressão-introdução se justifica, pois essas lembranças nunca tinham me ocorrido com tanta intensidade assistindo um filme de guerra como diante de Mulheres no Front, mesmo já tendo intimidade com a maioria deles, inclusive escrito sobre inúmeros. Foi como um passado desobediente, inebriado de fugas, reerguido diante dos olhos. Não obstante, antes de prosseguir, há, ainda, uma terceira e última lembrança para finalizar esse panorama pessoal, para além das imagens históricas da Segunda Guerra Mundial e das imagens privadas televisivas da Guerra da Bósnia. No final da minha infância, minha mãe, aproveitando o ensejo de meu interesse primordial pelo tema, começou a contar histórias de filmes de guerra como histórias de guerra, depois de algum tempo viria a descobrir que se tratavam de produções americanas sobre o Vietnam e produções italianas, mais ou menos distorcidas em suas linhas gerais. Havia naqueles contos da noite a junção das duas dimensões apreendidas inicialmente de maneira distinta e metodicamente disjuntiva, a dimensão privada estava dentro da dimensão histórica e vice-versa, as lágrimas pelos amigos perdidos escorriam depois do Dia D, a insônia pelas bombas noturnas acometiam durante a destruição de Dresden. Quase em todos os casos, suas versões ressaltavam a situação das mulheres nos conflitos, sempre descritas como figuras cientes de que não podiam confiar em ninguém e passíveis dos mais terríveis abusos. Ela costumava dizer - evocando vietnamitas estupradas, italianas estupradas - que "na guerra, a mulher está em guerra contra todos os exércitos". Não posso afirmar se algum dia, minha mãe chegou a comentar exatamente o filme de Valerio Zurlini em questão, tenho a suspeita que sim, mas lembro bem dela rememorando Duas Mulheres (Itália, 1960), de Vittorio De Sica, película que ilustra bem o sentido da frase materna. Acredito que através dessas três experiências, descritas aqui de forma quase didática, apreendi a intenção destacada no depoimento de Zurlini: “lendo os clássicos entendi quanto é bela a fusão entre uma vida privada e os acontecimentos históricos. A minha profunda formação tolstoiana se revela igualmente nesta pequena equação: uma história privada é engrandecida, e se torna extraordinária, isto é, necessária, se tiver como fundo um grande acontecimento histórico”.
Ambientado durante a conquista da Grécia pela Itália com apoio da Alemanha nazista, uma nova intervenção militar que retoma vínculos coercitivos entre duas nações de ligação cultural milenar, Mulheres no Front começa com corpos estendidos no chão, numa época em que responder honestamente perguntas - como uma vez se referiu Dilma à Ditadura Militar - era perigoso. O filme distribui ao longo dos atos um amplo contexto para acompanhar a jornada de doze prostitutas, conduzidas por três tenentes de intenções paradoxais – um melancólico, um bobo violento e um fanfarrão materialista – no intuito de deixá-las em bordeis para satisfazer soldados italianos em batalha. A metáfora do calvário é até bastante óbvia, contudo, o filme consegue instaurar um complexo cenário do limite como situação cotidiana, não só pela paisagem física, dos espaços destruídos, inseguros, abandonados, mas pela paisagem violentada dos rostos: no cinema de Zurlini, a marca de um trauma pessoal se transforma na marca da história. Durante uma das primeiras cenas, na apresentação das figuras femininas, um dos momentos antológicos da filmografia do cineasta, um travelling atravessa um vasto salão, capturando as mulheres e seus olhares lascivos, sombrios, sonhadores, de maneira frontal em posturas e pontos distintos do quadro. O painel expressivo da sequência é desorientador. À primeira vista, podemos achar que se trata de mais um filme tardio neo-realista, a prostituta novamente como modelo de heroína, numa história passada durante a guerra. Todavia, se o movimento cinematográfico tinha nas suas origens, a vontade de mostrar que os italianos não cometerem tantas atrocidades, revelando as lutas de resistência contra Mussolini no interior do país ou os impactos póstumos do conflito na sociedade, Zurlini inverte a situação, revela os Camisas Negras, adentrando justamente no labirinto que fora deixada de lado, que fora apagada da memória cinematográfica de seus conterrâneos. Mais que isso: Mulheres no Front traça uma incursão pela desesperança das prostitutas e seus condutores, conta não a história da guerra, mas a história da intimidade na guerra, dos anos perdidos na guerra, das necessidades e sonhos na guerra, amplificando o microcosmo por meio da melancolia dos contatos mínimos e dos gestos aparentemente distraídos.
Acontece que num mundo dominado pelos homens, a guerra só pode ser pensada como o universo da estratégia, do domínio, estimulando o cineasta a se dedicar à figura das mulheres, presas ao universo da tática, que, para Michel de Certeau, significava a arte do fraco que utiliza, manipula e altera os mecanismos de dominação, subvertendo-os. A tática diferentemente da estratégia não é capaz de cavar trincheiras em todas as esferas de poder, não é capaz de lutar de igual para igual, afinal sua especificidade é a de exercer pequenas fraturas, muitas das quais desordenadas, funcionando quase como uma “arte dos golpes, dos lances, um prazer em alterar as regras do espaço opressor”. No filme, essa situação permeia toda narrativa como uma forma de sobrevivência: quando um grupo de homens bêbados ameaça invadir a força o lugar em que as mulheres estão passando a noite, uma delas, toma a frente da porta e avisa: “uma de nós tem sífilis, mas não vou dizer qual”. Todos terminam desistindo. Não se trata de um discurso machista sobre a fragilidade ou uma defesa feminista, Mulheres no Front trata mais da resistência sem atravessamentos ideológicos claros, vai costurando um embate entre os dramas pessoais, desses que jamais entrariam nos livros convencionais de história, focando na relação entre o tenente melancólico e a prostituta mais arisca. O filme funciona como os trens na guerra, como uma derradeira noite de amor, alimentado por elementos e ímpetos de despedida, conjurando um sentimento tenro que vai se degradando. A cena final, provavelmente a mais bela de todos os filmes de Zurlini, mostra os dois recém amantes em sua primeira e última noite de amor, ela então solta uma longa sequência de palavras, desconsiderando qualquer possibilidade de se verem novamente, de terminarem como nos finais felizes tão comuns: “mas nós dois, estamos aqui, temos a mesma idade, mas não a coragem de olharmos nos olhos. Fomos humilhados. Falamos como duas pessoas velhas e em poucas horas teremos de nos despedir. Quando tudo tiver acabado, quem nos restituirá todos estes anos? Poderá ser esquecido? Eu te amo, mas falando isso nessas condições é como se estivesse orando por um filho nosso que tenha sido morto”. Na sequência, seguem caminhos distintos. Ela não olha para trás.
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