segunda-feira, 9 de julho de 2012

Top Five: Alien

 5 - Space Jockey (Alien, 1979) 

Desde pirralho, tenho um puta fascínio pela forma como os astronautas caminham em suas missões fora da Terra, tanto pela lentidão dos passos como pelo volume relativo dos corpos, dados que apontam a leveza e o horror do momento em que privado de suas funções motoras básicas de rapidez e força, o ser humano confronta, enfim, o desconhecido. Há uma gravidade dupla em jogo, um embate do instinto de sobrevivência com uma vulnerabilidade latente, fazendo com que a cena do Space Jockey sirva bem para estabelecer a distinção essencial entre Alien e Prometheus. Enquanto no primeiro, a figura surge sem qualquer referência, rendendo uma das circunstâncias mais enigmáticas de toda franquia, permanecendo por décadas apenas no campo da especulação; no segundo uma figura similar é encaixada dentro de uma narrativa pedagogicamente conduzida, empobrecendo um enigma por sua utilização instrumental e negando a opulência dramática das informações que escapam de nosso campo de compreensão. Há uma ambiguidade em quadro no filme original: a câmera se afasta suficientemente para dar uma visão panorâmica da cripta de 26 metros de altura, de tal modo que o espectador pode ver tudo, os astronautas pequeninos se movem em slowmotion, mas como um desbravador sem seus relatórios, continua não entendendo coisa alguma. Trata-se do primeiro contato entre tripulação da Nostromo e resquícios de vida extraterrestre, um sinal por meio de uma criatura fossilizada claramente não humana, cuja única indicação de causa do falecimento é o ventre explodido por dentro. A cena não dura nem dois minutos, costumava ser chamada de 'Cecil B. DeMille shot' pelos produtores e justamente por isso quase foi cortada, sendo incluída na versão final do roteiro para passar a impressão de que Alien não era um filme B. Para além da trilha sonora que pragueja uma atmosfera de insegurança, Ridley Scott exibe um adormecido encontro de civilizações, encerrado sensatamente com os desbravadores descendo em um buraco escuro, após mexerem nas costelas do enorme Space Jockey. Enquanto isso, na nave mãe, Ripley avisa ao robô, Ash, que o sinal recebido e responsável pela ida deles até aquele lugar não era um S.O.S pedido de ajuda, mas um alerta de mantenha distância.

4 - Nascimento do Alien / Cremação dos Tripulantes (Alien 3, 1992)

Quase todo mundo sabe que David Fincher enfrentou todos os problemas possíveis e imagináveis durante a produção de Alien 3, sabe que o cineasta deu piti e abandonou o projeto antes do início da montagem, sabe que o norte-americano chegou a solicitar a retirada do nome dele dos créditos, mas alguns se esquecem que o estúdio, pouco antes das filmagens, transformou um detalhe da história: numa clara tentativa de colocar em evidência a abstinência sexual e suas consequências em detrimento do fundo teológico da versão inicial, diálogos foram adaptados de última hora e o mesmo cenário distópico concebido como monastério se transformou numa prisão. Ok, Alien 3 é o pior da quadrilogia de longe, mas ao menos é a primeira vez que a criatura sai da escuridão, os criadores parecem mais seguros dos efeitos especiais, possibilitando, assim, o encontro incisivo, cara a cara, entre o alien e Ripley de cabelo raspado, uma aproximação tamanha que somos obrigados a ver a baba escorrendo como nunca tínhamos visto antes. Aliás, tenho minhas dúvidas se deveria escolher essa cena. Contudo, sei que no universo dos fãs, inúmeros defendem o último suspiro do filme, com a tenente se suicidando enquanto nasce um alien de seu peito, alguns falam do nascimento como um instinto de sobrevivência da criatura, fazem um escarcéu, mas, sinceramente, acho muito cafona e a pior maneira de encerrar com coragem uma série. Ainda assim, essa oposição nascimento / morte que marca toda franquia também está presente no momento que resolvi destacar: durante o nascimento do alien, tendo dessa vez um cachorro como hospedeiro e toda gosma sendo elevada ao cubo, os tripulantes que tinham sobrevivido no filme anterior, uma criança que despertou em Ripley o instinto materno e o capitão por quem se sentia claramente atraída, são cremados. A liturgia da cena desfigura o complexo ciclo reprodutivo, um dos trunfos da saga, instaurando uma nova regra: as criaturas podem nascer de qualquer ser vivo, assumindo características particulares dos hospedeiros (como a cena deletada do alien nascendo do boi ou o proto-alien nascido do engenheiro em Prometheus). Assim, as condições ideais e possíveis do facehugger produzir aliens, que pareciam restritas, super restritas, atingem níveis assombrosamente incalculáveis.


3 - Nascimento do 1º Alien (Alien, 1979)


Como comentei na cena anterior, um dos elementos mais soberbos da franquia Alien é o ciclo reprodutivo que culmina no nascimento das criaturas, ciclo que nos é apresentado no primeiro filme, quando em teoria ainda não sabemos como as coisas funcionam. Ridley Scott se aproveita bem disso: vemos os ovos, não sabemos como foram concebidos, aliás, ficamos sem saber até a continuação, vemos então o facehugger - parasita-aranha com boca de vagina - atacando Kane, mas não sabemos o que vai acontecer, qual o mal que será depositado por meio do "pênis" enfiado garganta adentro. Nesse filme, o cineasta usa a seu favor o desconhecimento das regras, enquanto que em Prometheus parece se tornar refém dessas mesmas regras. Depois do ataque, a narrativa entra num rápido anti-clímax para enfatizar o nascimento do alien em relação à morte do capitão (mais uma vez, a clássica oposição): o rapaz estava em coma, mas finalmente acorda como se nada tivesse acontecido, o parasita-aranha com boca de vagina aparece morto, todos os tripulantes vão fazer um desjejum e enquanto comentam amenidades sobre o gosto da comida, Kane passa mal, começa a tremer bastante até que um espicho de sangue explode de seu peito. Há algo de parto com ataque epiléptico que deixa a cena ainda mais perturbadora, todos em volta simplesmente não sabem como reagir, o espectador também não entende direito o que está acontecendo e se tem uma coisa que funciona bem em termos dramáticos num filme de horror e ficção científica é sangue de uma pessoa no rosto de outra (vide Isabelle Huppert no início de O Tempo do Lobo, de Michael Haneke). O mais inusitado é que a cena é finalizada com um humor estranho, o pequeno alien absolutamente fálico, quase um pau mutante com vida própria, encara todos os presentes, suas futuras vítimas e sai correndo - de uma maneira digamos analógica demais - por entre pratos e talheres. Nenhum dos presentes sabe que aquele bichinho de uns 30cm, bichinho que será inicialmente caçado na nave claustrofóbica, crescerá rápido, crescerá muito rápido, transformando-se em pouco tempo na criatura com o melhor design da história do cinema e um dos caçadores mais temidos do universo.

2 - Ellen Ripley x Rainha Alien (Aliens, 1986)


O segundo filme da franquia finca seu pressuposto numa vontade de retorno, a tenente Ripley pisa novamente na superfície da lua do primeiro filme, um lugar que passa pela colonização humana, para mostrar a galinha dos ovos de ouro. Dirigida por James Cameron, a sequência não fica devendo em nada à megalomania presente em outros de seus filmes, seguindo a risca a tradição de continuar uma franquia aumentando o número de mortos, o número de monstros, o número de tudo. Cameron é famoso por não economizar,  se o roteiro do primeiro vinha enxuto, com uma única criatura em um ambiente apertado, o segundo chega inflado, com intermináveis embates e fugas, além do protagonismo da rainha alien (que tem um design bem menos interessante que o alien clássico, mas obviamente carrega toda pompa do tamanho triplicado, com garras, rabo e cabeça hiperbólicos). Daí, mesmo que soe contraditório dentro desse contexto ampliado, perto do final da película há uma cena, daquelas que os espectadores costumam vibrar no sofá, que não é refém do exagero, mas um insight de simplicidade que contorna todo acúmulo de efeitos superlativos: mais uma vez - essa cena se repete em todos os filmes, menos em Alien 3 - Ripley percebe que a criatura - no caso, a rainha - está dentro de sua nave de fuga e, portanto, as duas criaturas femininas precisam se enfrentar. A tenente dentro de uma máquina de carregar peso e a rainha dentro do exagero que é a sua própria forma corpórea. Diferente do que seria feito hoje, com um monte de estripulias e pulos em CGI, a luta é basicamente desenvolvida a base de movimentos lentos, analógicos, uma lentidão que lembra os passos dos astronautas que tanto gosto, de tal maneira que podemos sentir o peso da máquina, para levantar um braço é um sacrifício, as pernas mal se mexem. O embate chega a remeter as lutas de pessoas muito pesadas, sem agilidade excessiva e isso concebe um efeito de tempo diluído dentro de um universo absolutamente artificial. Aliás, um amigo costumava dizer que por causa dessa cena, a tenente Ripley tinha se transformado em seu referencial de masculinidade para a vida. Entendo: numa franquia tida como feminista, envolvendo a luta de uma mulher para sobreviver num universo dominado por figuras fálicas, a capa metálica seguramente representa a incorporação de elementos do universo masculino como defesa para uma materialidade machista.

1 - Clones de Ripley (Alien, A Ressurreição, 1997) 

De vez em quando é bom questionar o lugar de alguns filmes do passado entre um critério racional e o afeto deslavado. Se eu fizesse isso com Alien, A ressurreição certamente o afeto sairia ganhando: considerado pelos fãs como o pior filme da franquia, como já disse, para mim o pior é Alien 3 (desconsiderando Prometheus, claro), confesso meu amor incondicional mesmo não gargalhando uma única vez com os diálogos que fazem piadinhas com a própria franquia. Um dos traficantes de corpos pergunta: "Ripley, é verdade que você já lutou contra essas criaturas? O que você fez?. A tenente responde: "Eu morri". A intenção de humor do filme é péssima, pior até que as piadas de Mulder nos episódios-comédia de Arquivo X, mas independentemente de todas as críticas, tenho uma relação que já ultrapassou o prazer culpado, afinal foi o primeiro Alien que assisti e bem na mesma época de Tropas Estelares, PânicoHalloween H20 e Advogado do Diabo, filminhos de amor da minha pré-adolescência. Daí é aquela coisa, podem falar mal que eu sempre vou arrumar uma desculpa para falar bem, talvez seja até perda de tempo, mas enquanto acusam, defendo primeiro porque os aliens nunca estiveram tão bonitos e tão detalhados, defendo segundo porque mesmo sendo dirigido pelo diretor de Amelie Poulain (Jean-Pierre Jeunet, pois é), esse também é provavelmente o filme mais sangrento da franquia; defendo ainda terceiro porque nunca o tema envolvendo a maternidade e o monstruoso esteve tão em evidência. Além do mais, gosto muito da tripulação - especialmente de Winona Ryder antes de roubar roupas nas lojas -, e acho o roteiro maravilhoso com toda uma lógica de videogame, com direito a labirinto, pausas entre as fases e chefões cada vez mais difíceis de serem superados. Há ainda o momento mais dramalhão da década: andando em um corredor, mais um corredor com aspecto de esgoto, Ripley em sua versão clone observa uma porta com a inscrição 1-7, relacionando naturalmente com o número 8 que ostenta tatuado no braço. Ela, então, entra na sala e atravessa tentativa/falha por tentativa/falha de recriá-la em laboratório, formas meio humanas, meio criatura, o que desemboca num encontro violento quando Ripley chega ao número 7: a heroína da série, agora um ser híbrido, fica diante de sua prévia direta, uma mulher com a face idêntica a dela, mas com membros do alien. Ela está viva, pede num suspiro de desespero que seja morta, Ripley hesita enquanto encara os olhos. Por fim, coloca fogo em tudo com direito aos gritos meio grunhidos, comuns em cenas que autenticam em toda sua cafonice a hora da desforra. Amo.

Um comentário:

Amanda Raulik disse...

Olá!
Gostaria de saber se tens algum convite para o site Making Off??
Quero participar do fórum!
Meu email é agraulik@gmail.com
Obrigada desde já.