Durante a comemoração dos dez anos de Cinema da Fundação, mal terminara a concorrida sessão dupla de Muro (2008), premiado curta-metragem de Tião, quando ouvimos Cláudio Assis gritar, da última fileira, que finalmente sua geração havia sido superada. Perdi a boa oportunidade de ficar de pé e concordar, simplesmente porque nos segundos que se seguiram à projeção, um silêncio devastador tinha me tomado e, naquele exato momento, nem conseguia entender direito o motivo de alguém estar gritando tão alto. Ah sim, ok, era Cláudio Assis. O grito veio e foi como Amarelo Manga veio e foi, como Baixio das Bestas veio e foi e eu continuava educadamente imerso na obra de Tião. O silêncio me consumia. Na sequência, durante o debate, uma platéia impressionada lançou descontroladamente suas referências sobre os ombros do jovem realizador, na tentativa de, a partir de seus backgrounds particulares, apreenderem os significados de sua obra. Daí apontaram David Lynch aqui, um clima Almodóvar na primeira fase ali, uma edição Pasolini, o ritmo dos melhores Truffauts. Sem pestanejar, Tião com toda sua simplicidade e timidez assumiu desconhecer boa parte daquelas referências. Achei genial: a intensidade inerente ao filme – uma intensidade que resistiu firme na minha cabeça por semanas e que não consegui explicitar ao realizador nas diversas oportunidades que tive – desconsiderava resolver ou domesticar o enigma artístico a partir de enigmas anteriores. Na minha cabeça, eu tentava, sem sucesso, encontrar alternativas de organização cognitiva e, por enquanto, só vislumbrava por onde não seguir.
Para vocês terem uma idéia, eu sequer sabia constituir a diferença clara de até onde ia o efeito da obra sobre mim e até onde ia o meu efeito sobre ela. Por isso meu silêncio. Primeiro tudo foi sensório e nada racional, só depois teci minhas explicações, meus caminhos e tomei a alegoria da corrida como uma reflexão sobre a competitividade humana e a escolha e os custos do progresso positivista na civilização (ocidental?). Corrida dos engravatados, corrida das crianças sem ar, corrida dos homens. Meio megalomaníaco mesmo. E nesse processo de, num segundo momento, isolar Muro e descortiná-lo, me apeguei emocionalmente ao filme por ele me despertar para a idéia - que jamais me abandonou desde então - do tempo presente como uma convergência de distintos tempos em um só tempo, uma espécie de tempo disjuntivo, que revela a prepotência da humanidade ao se auto-registrar apenas pela ponta do desenvolvimento sem considerar a força histórica do atraso. Estamos na lua e ao mesmo tempo estamos em Conceição de Cima. Nem um, nem outro representam melhor nossos passos. Apenas ambos, unidos e sobrepostos, podem almejar isso. Sem dúvida, a maior beleza do filme – juntamente com o apuro técnico inquestionável – é a complexificação conceitual em detrimento da resolução do enigma que propõe – o que desnorteia as conversas meramente regionalistas ou deterministas, tira o chão de quem esperava o velho e besta cinema pernambucano, nos joga num vazio desolador, mas que logo se torna imensamente confortável. Não pela resposta fácil que se encerra após os créditos, não pelo grito que se esvazia em dois ou três dias, mas pelo contrário, pela ânsia de re-assistir que cria e que alimenta até conseguir saciar, pela difícil missão de em apenas dezoito minutos se erguer e se manter imponente como o completo oposto da indiferença. Penso muito nos ínumeros curtas que já não lembro mais e lembro de Muro, justamente o que não consigo esquecer. Alma no vazio, deserto em expansão.
Para vocês terem uma idéia, eu sequer sabia constituir a diferença clara de até onde ia o efeito da obra sobre mim e até onde ia o meu efeito sobre ela. Por isso meu silêncio. Primeiro tudo foi sensório e nada racional, só depois teci minhas explicações, meus caminhos e tomei a alegoria da corrida como uma reflexão sobre a competitividade humana e a escolha e os custos do progresso positivista na civilização (ocidental?). Corrida dos engravatados, corrida das crianças sem ar, corrida dos homens. Meio megalomaníaco mesmo. E nesse processo de, num segundo momento, isolar Muro e descortiná-lo, me apeguei emocionalmente ao filme por ele me despertar para a idéia - que jamais me abandonou desde então - do tempo presente como uma convergência de distintos tempos em um só tempo, uma espécie de tempo disjuntivo, que revela a prepotência da humanidade ao se auto-registrar apenas pela ponta do desenvolvimento sem considerar a força histórica do atraso. Estamos na lua e ao mesmo tempo estamos em Conceição de Cima. Nem um, nem outro representam melhor nossos passos. Apenas ambos, unidos e sobrepostos, podem almejar isso. Sem dúvida, a maior beleza do filme – juntamente com o apuro técnico inquestionável – é a complexificação conceitual em detrimento da resolução do enigma que propõe – o que desnorteia as conversas meramente regionalistas ou deterministas, tira o chão de quem esperava o velho e besta cinema pernambucano, nos joga num vazio desolador, mas que logo se torna imensamente confortável. Não pela resposta fácil que se encerra após os créditos, não pelo grito que se esvazia em dois ou três dias, mas pelo contrário, pela ânsia de re-assistir que cria e que alimenta até conseguir saciar, pela difícil missão de em apenas dezoito minutos se erguer e se manter imponente como o completo oposto da indiferença. Penso muito nos ínumeros curtas que já não lembro mais e lembro de Muro, justamente o que não consigo esquecer. Alma no vazio, deserto em expansão.
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