Fiquei impressionado com a falta de tato da cobertura ao vivo - tanto da globo como da band - do fim do sequestro em Santo André hoje no final da tarde. Sendo em tempo real - com o delay de segurança de meio minuto para evitar a transmissão de assassinatos ao vivo - acho que um pouco de sensibilidade e bom senso - se é que podemos definir ambos - é o mínimo que se pede para qualquer profissional num caso desses. Talvez a palavra mais adequada seja cautela. E é justamente o que mais falta. Além de Datena não ter informação alguma e ficar jogando um mar de suposições a todo momento, a quantidade de expressões como 'parece que', 'aparentemente' ou 'poderia ser' foi exagerada pra não dizer canalha, fazendo do jornalismo 'sério' - e entenda sério aqui como o contrário de sério - pareça uma mera sequência de achismos à distância produzidos pela cultura da tragédia como alimentador de notícias. Datena não disfarça a sede mórbida pelo pior: explode uma bomba e ele já fala que está rolando troca de tiros dentro do prédio, daí sai uma menina na maca e ele fala que era o sequestrador provavelmente morto, aí aparece o sequestrador e ele coloca o suposto pai da Nayara falando, à distância, que a filha estava bem e que não tinha acontecido absolutamente nada com ela. Logo depois surge a informação que a garota levou um tiro, Datena quase vibra, grita e o suposto pai já estava fora do ar. Provavelmente o pai ou o não-pai nunca vai se confirmar / negar, mas lembrei imediatamente de um caso semelhante que aconteceu na época do buraco do metrô em São Paulo, quando um anônimo deu várias entrevistas se passando por engenheiro. Várias emissoras caíram.
Mas sério mesmo, fiquei impressionado como Datena criou uma narrativa louca em cima das imagens sem ter informação de campo e soltando comentários aleatórios para não perder o clímax do Ao Vivo. Até reviravoltas de dez em dez segundos ele criou só para prolongar o suspense e isso mesmo quando as imagens já estavam no repeat. É como se eu, daqui de casa, ficasse diante da televisão ligada, narrando em off o significado da sequência imagética em rede nacional, a partir de interpretações minhas, seguindo a bel prazer minhas intenções ficcionais, comerciais e sensacionalistas. Ficcionais, ok. As comerciais, no meu caso, nem existem, as sensacionalistas, eu tento disfarçar. Datena não se dá esse luxo. Só digo uma coisa: Lindemberg, meu filho, você sequestrou a pessoa errada. Daí mudei pra globo esperando algum suporte factual e, de novo, veio a sequência de expressões típicas do boato que por vezes se confunde com a prática jornalista, mas o mais impressionante foi o fato de um dos cinegrafistas - que estava no hospital onde as meninas foram levadas - ter colocado a câmera na janela da ambulância enquanto uma das garotas, que levou um tiro na cabeça, estava entubada e era atendida pelos médicos. Videodrome, videodrome. Depois quando chegou a segunda ambulância, deu pra perceber que quatro câmeras se aglomeravam na porta do veículo, como urubus e hienas na savana africana, só a espera dos enfermeiros abrirem com um corpo nos braços. Nem queria falar em ética, nem nada, porque ética hoje em dia se confunde vulgarmente com um conservadorismo que abomino, mas esse tipo de conduta, esse culto mórbido que une tragédia e intenções de consumo, que faz do jornalismo um caçador de cadáveres, sinceramente me enoja como pouca coisa no mundo.
Povo do meu Brasil, por favor, isso não é um filme do Cronenberg.