segunda-feira, 14 de março de 2005

Felizes Juntos

Farto de ver. A visão que se reencontra em toda parte.
Farto de ter. O ruído das cidades, à noite, e ao sol, e sempre.
Farto de saber. As paradas da vida – ó ruídos e visões!
Partir para afetos e rumores novos”.
Arthur Rimbaud, ‘Partida’

Parece ser tempo de recomeçar dentro da existência de um casal onde o recomeço parece recorrente, repetitivo. Até mesmo forçado. Onde o recomeço toma uma face sonsa, cínica e desanda para o mesmo fim da história anterior. E não estamos falando de um derradeiro segundo feliz. Estamos falando de alguns socos e pontapés, de algumas ironias e insultos, de alguns gritos ou da falta de palavras tão iminente. Estamos falando do contexto de uma relação conflituosa, do clima existente entre dois rapazes afundados num círculo vicioso de seus corpos para seus corpos, de suas vidas para suas vidas – estamos falando dos beijos e do nojo, dos orgasmos e do vômito – da lama, da lama. São dois rapazes que se consomem e se desgastam na mesma velocidade que tragam a fumaça do tabaco – carteiras e carteiras e carteiras de cigarro. Dois rapazes inseridos no nada e no tango argentino; de Caetano Veloso, de Frank Zappa a música americana tocada em Taiwan – onde o som (ou a falta de) embala o lado introspectivo, reflexivo, solitário das personagens. Embala os anônimos na multidão; os guetos, as tribos cosmopolitas e isoladas. Embala toda tristeza, toda melancolia – o extremo da distância, o último soluço de saudade. Trata-se de um amor sadomasoquista. Fazem-se mal, mas estão enfraquecidos sem a companhia mútua. Nada de felizes juntos, apenas piores separados. Até se amam e desfrutam de um sexo aparentemente prazeroso, até se necessitam e constroem sonhos similares. E isso não significa nada. A convivência os destrói, os tornam detestáveis – deixa claro o quão ligados e odiosos são entre si, o quão nocivos são seus beijos. Esse não é um filme que levanta questões ou polêmicas sobre a homossexualidade, é um filme que traz uma estética da decadência, da sujeira, da poesia incrustada no lixo e no silêncio. Um apartamento apertado, sufocante – da cozinha coletiva aos rebocos caídos. Uma cidade caótica, delirante – de muitas luzes, de muito barulho, de muitos lugares. De segredos e tormentas, de encontros e acolhidas. Não é um filme de personagens transparentes, decifráveis; é um filme que traz rapazes inseguros, escondidos – essencialmente metropolitanos e apaixonados pela urbe – rapazes que se completam e não se suportam, que seguem caminhos inusitados, destinos imprevisíveis – ora entrelaçados, ora independentes. São jovens de atitudes contraditórias, de sentimentos confusos deles com eles mesmos – de iras e fraquezas, de tempos e vontades. Não são cartesianos. São pensadores, andarilhos ou viajantes – subjetivos, marginalizados, desregulares. São tristes e soam como loucos em seus gestos desencontrados, em seus momentos mais solitários. O contexto apenas não entende. Podemos ouvir seus devaneios, suas pequenas poesias íntimas. Podemos saber suas verdades, deitar sobre seus colos. Somos, nós, os anjos desses seres; seus observadores tão singelos. Os dois rapazes estão à procura de uma sensação de conforto ou fugindo de seus problemas, estão encolhidos dentro de si mesmos – amparados na parede, por trás de uma cortina de fumaça. Falta coragem. Não conseguem dizer que sem amam e se engasgam, se sufocam por seus próprios sentimentos, por seus próprios medos. É a estética do não-dito. São as lágrimas seguradas até o último momento, são as cenas de construção delicada. É a obsessão pela razão, pelo preciso, pelo exato perdendo espaço para a sensibilidade, para a utopia, para o idealismo tão sutil e vago. E tão bem representado na imagem. São jovens e estão – quase sempre – prontos para recomeçar. Seja esse recomeço como for, onde for. E por um segundo não há nem resquícios de tempos passados, nem lembranças de vidas anteriores. Tudo, em seus olhos, se resume a um sonho ainda não iniciado. Os passaportes já estão carimbados.

E a película começa em preto e branco.

Dois jovens saem da Honk Kong, das escadas rolantes e dos prédios luminosos para a Argentina, dos velhos carros alugados e das boates de tango. Iriam até o outro lado do mundo em mais uma tentativa de recomeçarem sua relação, de redefinirem seus papéis. Uma espécie de férias distante de tudo que não dera certo anteriormente. Distante de todos os estigmas, de todos ressentimentos – de todos os erros. Pretendiam passar um tempo juntos para descobrirem o quanto se precisam. Descobrem o quanto se detestam, dentro de uma convivência permeada pela culpa. Não a velha culpa clichê de serem homossexuais, uma culpa sustentada na inversão constante de posições dentro da relação. Ora um vítima dos ciúmes do outro, ora o outro vítima do parasitismo de um. Outrora o contrário nas duas situações. [Cria-se o juízo contraditório de que eles se amam, mas que não podem ficar juntos de jeito nenhum. Que a relação nunca terminaria bem. Entretanto, isso não se deve pela presença de terceiros ou acasos dentro da história, como comumente é apresentado no cinema. Isso se deve graças à existência deles mesmos, de suas personalidades, seus medos e anseios. Os próprios personagens presos nesse dilema têm consciência dessa condição, ainda que tentem sempre quebrá-la inutilmente. Inutilmente no sentido de não expressarem, em palavras, suas vontades, seus desejos. O termo ‘amor’ carrega um peso que suas bocas não sabem suportar. Permanece um silencio incômodo, um olhar desconfiado. E o amor, o sofrimento e a distância soam como única solução plausível. E partir disso (ou talvez não), lançam-se em caminhos opostos, ora degradantes e ao consumo desenfreado de cigarros e fumaça. Não existem maiores fumantes compulsivo-obsessivos, não existe maior desgaste do que o de um para o outro. Por fim, resta apenas a fumaça negra se dispersando sob um fundo branco]. A ideia de visitarem as cataratas do Iguaçu não dá certo. Perdem-se no caminho físico e começam a se perder um do outro. Compram uma luminária simulacro das cataratas como metáfora da própria relação dos dois, como metáfora da vertigem, como esperança de um dia estarem juntos sob as águas e a luz. A situação já está definida. Os dias dentro do carro foram o bastante para eles. Já não se agüentam mais; não há outra saída. E mais uma vez terminam e tomam rumos diferentes.

Um lapso de cor: as cataratas são azuis.

Lai-Yiu-Fai volta para Buenos Aires e passa a trabalhar como porteiro numa boate de tango. Odeia sua função. Passa tempos e tempos encostado na parede, de acordo com apenas seu cigarro. Um dia qualquer Ho Po-Wing aparece acompanhado de alguns argentinos na boate, depois de meses sumido. Tornara-se garoto de programa e nem notara a presença quase descartável de Fai. As diferenças pareciam se acentuar. Ou talvez não. Po-Wing mantinha uma pose de indiferença dentro do carro, mas discretamente olhava para trás, olhava para Fai. As saudades já marcavam sua face – o jovem estava triste. Os dois estavam. [Cria-se o paradoxo dos rapazes se beijando, dentro de um tradicional clube de tango, freqüentado essencialmente por velhos e turistas. Ao invés da sensação de choque, há uma estranha aura de normalidade, de lugar comum. O rito habitual continua a ser habitual e essa realidade parece inexistente, soa como uma projeção utópica. Eles não se passariam por anônimos. Não ali. Não naquela ocasião. O contraste chega ao cume no cenário e na imagem. Ainda assim, a cena é construída de tal maneira a deixar claro que aquilo é ‘fake’, que aquela reação é ‘fake’. Sabemos que o que se vê não passa de um filme e que aquele momento é apenas figurativo. O diretor não se sente na obrigação de mostrar o real a todo o momento. Naquele instante, o que vale é o sentimento refletido pelos olhos das personagens. Por fim, resta apenas a fumaça branca se dispersando sob um fundo negro]. Todos os fantasmas continuavam vivos. Um por um. Estão a ecoar a falta de palavras; a falta de coragem. A falta. Simplesmente a falta. E o silêncio tornara-se mais presente, os lamentos mais profundos. Os dois rapazes voltam a se encontrar. Algumas brigas, embriaguez, falsas tentativas de reconciliação – encontros marcados por cobranças e mentiras. Mantêm uma distância ética entre seus corpos. E a ética logo se torna pó. O michê e sua vida instável na prostituição desmoronam. Não lentamente. Algo de um golpe. Havia sido espancado por algum cliente ou em um outro negócio qualquer que se envolvera – seus dedos foram friamente quebrados, seu rosto sangrava. Lai-Yiu-Fai o encontra caído na porta de seu apartamento e não consegue ignorar o fato a sua frente. Leva-o para o hospital como se carregasse o maior de seus fardos. Po-Wing diz que eles poderiam recomeçar.

Um lapso de cor: o céu está vermelho.

E dessa vez não fora apenas um lapso. A película se tornara colorida – e não apenas colorida. A iluminação mais estourada, os sentidos distorcidos. O apartamento de Lai-Yiu-Fai, acomoda Po-Wing. O primeiro passa a cuidar do segundo e sua existência vegetal, parasita, dependente. Entretanto, insiste na importância de continuarem a manter uma distância ética entre seus corpos, entre seus sexos. Mesmo dentro de um ambiente sufocante, de um clima quase erótico – de uma atração nata. Queria e não queria recomeçar. [Moram em um apartamento que não passa de um quarto, inserido num prédio velho, decadente. Um espaço que causa uma sensação de desconforto – de claustrofobia mesclada com sujeira. Um apartamento que poderia estar em qualquer periferia de qualquer lugar do mundo; habitado por imigrantes, marginalizados, excluídos. Uma torre de babel em plena Buenos Aires. Essa aura de compressão do espaço também é trabalhada pelo diretor em “Amor a Flor da Pele”. Com a câmera em suas mãos parada, a nossa visão parece presa, por trás de entulhos ou janelas, enquanto os personagens se movimentam sem mostrar as suas faces. Seus destinos. Trocam palavras, olhares, sensações e continuamos distantes, sem pudermos nos envolver por completo. Nesse mesmo filme, famílias inteiras moram dentro de um mesmo apartamento, condensam diversos mundos em um só – metáfora da própria época. A China estava passando por sua revolução cultural. E Hong Kong fora o destino para muitos]. Um no sofá e o outro na cama – separados, distantes. A menos de dois metros. Um observa o outro dormir. O outro observa o um antes de acordar. Estavam ligados mesmo que quisessem (ou tivessem de) se detestar. Po-Wing insiste em reatar as linhas perdidas e torna-se cada vez mais e mais dependente de Lai-Yiu-Fai. Não cozinha, não compra cigarros, apenas pede e pede e pede e pede. Cobra e cobra e cobra. Até mesmo quando Fai está doente de cama, resfriado pelos dois tentarem ir juntos as cataratas não visitadas. Desistiram no caminho. Estava frio demais para eles. A cidade parece agitada, tremulante, ainda mais distorcida. Talvez não esteja conformada com alguma situação.

Um tango em preto e branco. Apenas poucos beijos, por enquanto.

A dança profundamente triste viria para reconfortá-los dentro dos braços um do outro. A distância ética tornara-se pó e o sofrimento um pouco menor. Poderiam achar que aquele era o início da felicidade. Mas não, ali era a felicidade. Aquele momento. Naquele exato momento. Teriam os personagens se apercebido disso? [A cena dura minutos em silêncio, em poesia. O tempo não passa, se acumula. Os passos são sutis, o contato delicado, cuidadoso. Haviam caído de seus postos mantidos pelos pulsos. Haviam se entregue a seus desejos, à sinceridade momentânea. Ao contato de um com o outro. Trata-se de uma mistura de medo e conforto. Tudo era novo e velho, um quase conhecido. Tudo era presente, momento e logo se esvairia. Wong Kar-Wai “utiliza um grande número de formalismos visuais, no que diz respeito à velocidade da imagem, seja em slow-motion ou acelerada, procurando ilustrar momentos fugazes ou que se deseja prolongar o tempo” (Canau, Luís. 1998.), procurando mostrar as emoções das personagens sem ter que dizer exatamente o que ela estaria sentindo. É nesse espaço entre o que não é dito, mas sugerido pela imagem que reside um dos principais charmes do diretor]. Fai passa a trabalhar num restaurante. Po-Wing continua inerte, vegetal, parasita. O momento do tango já se fora e não demora muito para as brigas retornarem ao caminho. Passam a questionar o tempo em que estiveram separados – as pessoas com quem se envolveram, os mundos o qual visitaram. Tornam-se neuróticos e neuróticos – obsessivos, violentos um com o outro. Fai rouba e esconde o passaporte de Po-Wing, para mantê-lo, depois de curado, preso a seu apartamento, a sua vida. Sabia da índole ‘andarilha’ do amante. O medo de o outro sumir o invadia. O corroia a cada saída para comprar cigarros. E estava certo. As mãos estavam saudáveis, buscavam seu passaporte. Queriam ir embora, destruíam o apartamento em acessos de raiva cada vez mais constantes. Nem os cigarros escapavam. Brigas, socos, pontapés. Insultos, ironias, sangue. Sadomasoquismo em alta, posições invertidas – culpa. Fai estava finalmente pronto para recomeçar, justamente pronto quando Po-Wing saía pela porta.

Um terceiro personagem. Não os olhos, os ouvidos.

Lai-Yiu-Fai está triste e mesmo que não demonstre, sua voz o denuncia. Quem aparece para dizer isso é Chang, um turista de Taiwan que ficara sem dinheiro para manter seu nomadismo. Fugira dos problemas, de um passado em sua terra natal e terminara trabalhando ao lado de Fai – pretendia novas viagens a sua frente. Chang, era um rapaz que quando criança tinha problemas de visão e desenvolvera seus ouvidos – além da imagem, os sons. Fai e Chang tornam-se amigos, amigos sinceros – cúmplices contra a solidão mútua, de origens diversas. Passam a beber algumas cervejas, juntos. E Fai sempre vomita, sempre termina carregado até em casa. Claramente algo está errado dentro dele. Chang conta o dinheiro e já está de viagem novamente. Pretende ir a Ushuaia (a Terra do Fogo), o lugar conhecido como o fim do mundo. O lugar onde existe um farol que acolhe os problemas dos viajantes. Chang quer uma lembrança de Fai, mas não gosta de fotos. Entrega um gravador e pede que o amigo deixe um relato o mais sincero para que o liberte no farol. Enquanto o outro dança, Fai fica em silêncio, chora. Apenas chora. Termina a noite, vomitando novamente. Em casa, se despede do amigo num abraço tão poético e profundo, quanto o tango dançado com o amante. O silêncio, o tempo, a nossa inveja. Chang se vai como representação da liberdade triste, da sensibilidade reservada. Se vai como prova, das relações cada vez mais efêmeras. E ainda assim, muito profundas.

Beatniks de momento!

Fai fica sozinho dentro daquela imensa cidade em terra estrangeira. Sem nenhum apoio, sem nada para fazer. Acaba se entregando a uma vida parecida com a de Po-Wing. Freqüenta o submundo, as ruas escuras, os guetos, as tribos estereotipadas ou não, o sexo casual – fumaças e fumaças. Perambula pela cidade sem um rumo certo, sem um destino traçado. Ao menos, abandonara o fantasma de conviver com alguém que poderia sumir a qualquer momento, alguém que ia comprar cigarro e que poderia não mais voltar. Fai não desejava que Po-Wing se curasse, estava contente com os pequenos momentos de sorriso. [A influência de Godard se faz presente. Ora a câmera é subjetiva e nos dá os olhos de Fai aos locais, ora se perde do protagonista, o coloca como mais um dentro de uma multidão de anônimos. Câmera para um lado, personagem para o outro ou câmera para um lado e personagem em lado algum. Filma Buenos Aires, o consumo em cores cada vez mais estouradas. Wong Kar-Wai leva algumas lições de ‘Acossado’ ao extremo]. O personagem termina nos locais de prazer. Cinemas pornôs, banheiros públicos sem compromisso, finge ser um andarilho qualquer em busca de algo casual. Porém, sabe que não é. Transa até com Po-Wing dentro de um Box qualquer. Crise de existência na seqüência; não estava preparado para tamanha casualidade. Achava ser diferente do outro até ter certeza que as pessoas solitárias eram todas iguais. Po-Wing é o verdadeiro Flâneur Beatnik da película – excessos, perambulações, drogas, álcool, sexo por sexo, prostituição, sem rota, loucura, falta de dinheiro, sem trabalho, violência. E depois de tudo, saudades do conforto dos braços do amante, para novamente querer se entregar à vida decadente. Um eterno círculo vicioso até a quebra de um dos lados.

De volta ao outro lado do mundo

Antes de ir para Argentina, Fai roubara dinheiro do trabalho onde seu chefe era amigo de seu pai. Liga para Honk Kong, tenta falar com a voz paterna. Tenta se desculpar. É renegado. Manda um bilhete de natal, uma longa carta. Lembra que não conversavam muito e que agora tinha tanto a dizer; acha estranho. No final, afirma que eles poderiam recomeçar. E talvez não fosse tão diferente de seu ex-amante. Passa a trabalhar num frigorífico. Trabalha de noite, dorme de dia. Vive no mesmo horário de sua terra natal. Ainda que no outro lado do mundo. [Wong Kar-Wai não evita em filmar Hong Kong de cabeça para baixo por uns minutos. A sensação de enjôo e tontura parece certa. Inclusive o diretor costuma intercalar, em todos os seus filmes, cenas de sua terra natal vibrante. Com cores fortes. A urbe, a sua urbe em extremo ponto de excitação. Wong Kar-Wai desenvolve uma relação profunda com o cenário em seus filmes, desde elementos figurativos/metafóricos até o pano de fundo onde se passa a história (em especial, Hong Kong). A metrópole é mostrada através de suas veias abertas e suas luzes, do seu estilo retrô até o seu visual mais futurista. Da identidade (os bares de tango, os mercados populares, as escadas rolantes na rua) até a universalidade dos não-lugares, conceito de Marc Augé, que se refere a espaços independentes do contexto em que estão inseridos e sobre os quais se debruçam (Aeroportos, Mc Donald’s, estradas...). No próprio filme há uma sensação de suspensão do tempo e espaço, características básicas desse conceito]. Pó-Wing o liga, o procura. Quer o passaporte e Fai não importa em devolve-lo, só não quer reviver um encontro. Muda-se de apartamento, foge da tentação de um novo recomeço. Antes de voltar para Hong Kong, visita sozinho as cataratas. Sente-se triste, até gostaria da presença do outro. Talvez devessem estar unidos. E não é preciso muito tempo para notar o quão piores estão distantes. Ainda que não estivessem necessariamente felizes juntos. Por alguns momentos até que estiveram. Apenas momentos. Enquanto Fai volta para o Oriente, Po-Wing termina dançando tango nos braços de um velho argentino, revivendo os passos de um tango peculiar em preto e branco. Termina chorando, bêbado, caído no chão já sem forças. Não foram as cataratas do Iguaçu juntos. E a luminária simulacro fora apagada.

E afinal, o fim do mundo.

Chang chega a terra do fogo, liga o gravador para deixar, dentro do farol, todos os problemas de Fai. Talvez o gravador estivesse quebrado. Não ouvia nada. Tratava-se de apenas um longo silêncio intercalado por alguns pequenos barulhos. Poderiam ser soluços. Não pensara nas lágrimas. Apenas nós, os anjos, entendemos. Chang ainda volta a Buenos Aires para encontrar o amigo, antes de uma nova viagem. Concentrava-se para escutar sua voz. Não conseguira. A música estava alta demais. Provavelmente nunca mais iriam se ver – seguiam o ritmo do mundo não duradouro, seguiam em frente. Fai acordara de tarde. Já estava do outro lado do mundo. Tinha a sensação de acordar de um longo sonho. Não encontrara Chang no mercado, apenas sua família e entendera porque o amigo conseguia andar tão livre pelo mundo. Porque ele sempre tem para onde voltar. [O ano era de 1997. Hong Kong voltava ao controle da China, depois de dezenas de anos de controle britânico. Havia uma sensação estranha para o futuro – incertezas perante a reconciliação de dois mundos diferentes. Poderiam as duas nações recomeçar uma nova relação?]. Fai não havia ainda se encontrado com o pai. Havia uma estranha sensação para o futuro – incertezas perante a reconciliação de dois mundos diferentes. Poderiam recomeçar?

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