terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Espada e a Rosa (Portugal, 2010), de João Nicolau


Antes de ser o primeiro longa de João Nicolau, A Espada e a Rosa foi uma telenovela colombiana de baixa audiência, uma versão pobre e ainda mais latina das aventuras do Zorro, não que isso seja uma informação muito relevante, mas é que durante a sessão na Mostra de São Paulo, duas senhoras tricotadeiras que talvez conhecessem a novela e não o cineasta português dos ótimos curtas Rapace (2006) e Canção de Amor e Saúde (2009), sentaram ao meu lado e soltaram regularmente a cada quinze minutos algum sábio comentário sobre o filme. Primeiro que já começaram se perguntando 'se tinham entrado na sala certa, se estavam na sala 1 ou 2... ou 6', depois inconformadas repetiram inúmeras vezes que 'não esperavam um filme tão esquisito, achavam que era histórico' e, por fim, diante da milésima oitava 'transgressão' aos ditames do realismo clássico e da linearidade do cinema convencional, exclamaram para todo cinema ouvir: 'surreal, surreal, surreal'. Se alguém me contasse essa anedota, despertaria em cheio a minha curiosidade, mas apesar da já prévia expectativa, o longa me soou um pouco sem medida na sua pretensão de manifesto: o fato é que não consegui me decidir se as brincadeiras de liberdade incrustadas na maneira de filmar do diretor português carregam a sinceridade dos braços soltos ou se concatenam um ritmo a partir de uma pré-condição esquemática - robótica, eu diria - de aparecerem em tantos e tantos minutos para impactar a platéia boba. As senhoras, sem dúvida, ficaram bem impactadas e não sei os outros, mas eu nem tanto. Todos os recursos abusados pelo João Nicolau terminam caindo na armadilha da repetição - não tanto fidedignamente plano a plano, mas pelo manejo do absurdo neles - o que esvanece o charme da sofisticação-ingenuidade: funciona até certo momento, nos faz rir até certo momento, nos deixa leve até certo momento, achamos fofurinha até certo momento, mas depois de uma hora e dois minutos cansa pra caralho. O filme tem duas horas e vinte. Não posso negar que me sinto emotivamente atraído por toda primeira parte, o silêncio da convivência do protagonista com Maradona, o gato, num apartamento pequeno, e para quem convive com gatos, impossível não reparar os ruídos, o barulho, o estrondo da relação, dos trejeitos do bichano, das distintas maneiras de expressar o humor, do inabitual companheirismo firmado pelo - e com o - felino. Segurei as lágrimas na cena em que o rapaz entrega o gato para um amigo cuidar, despedindo-se, pouco antes de embarcar na sua jornada a bordo de uma caravela pós-moderna de um século distante. Lembrei até do gato do filme do Manoel de Oliveira que, balançando o rabo num ritmo hipnótico, observa fixamente um pássaro que viria a aparecer morto na manhã seguinte. Antes que cause a impressão errada, tudo a seguir pode soar bem contraditório (e que seja), acontece que gostei do filme, mas um incômodo permaneceu zanzando a minha mente nos dias que se seguiram: a produção é tão recheada de pequenas inventividades que o uso excessivo faz o fofo e liberto se revestir de vazio, especialmente porque todos os requintes já estavam em seus curtas, mas não se colocavam como objeto central - às vezes até exclusivo - da mise-en-scène. É como se o filme gritasse a todo momento como os futuristas faziam em cima das mesas de bares com seus manifestos no início do século passado: "olha como sou livre, como meu cinema é inclassificável, como posso fazer do filme o que quiser, como posso desfazer todas as expectativas". Não sei, em teoria me causa um pouco a sensação que tive ao assistir os filmes da Avant Garde da década de 20, um berro de que cinema é experimentação, só que há uma diferença fundamental, lá de fato as brincadeiras narrativas e mecânicas eram os primeiros passos de liberdade com a câmera, aqui me soa estranho um jovem diretor chegar e gritar que é livre no meio da praça quando todos já o sabem. Você olha, percebe uma tomada de posição dentro do momento do cinema português, uma garra de utopia revigorada e depois vira a cabeça, deixa pra lá, afinal é no mínimo redundante diante de uma prospecção histórica. A Espada e a Rosa levanta tão alto o estandarte de sua própria libertação, que parece não mais sair da reafirmação desse círculo vicioso, deixando em segundo plano a intenção sincera em atualizar uma busca intelectual que aproxima alta cultura e piadas rasteiras, percorre séculos pulando gênero a gênero, se assumindo old school, pirata, anarquista e tecnológico ao ponto de abraçar o conhecimento pelo conhecimento, a sensibilidade pela sensibilidade, a falta de pragmatismo na ânsia das vontades, tomando nota uma por uma todas as minúcias do nosso mundo. A empregada brasileira seduzida com palavras fáceis, o alemão mais magro que a francesa magra e a mulher que quando foi presa por ter matado a mãe, estava comendo melancia com pão. Temo - e prefiro negar o meu próprio temor pelo voto de confiança no gesto - que o João Nicolau se deslumbrou tanto com a sua câmera - e o potencial de liberdade - que terminou enclausurando o seu próprio cinema.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

olhar o mundo, olhar para si

"É mais bonito rodar um filme fora da sua cidade, porque a cotidianidade provoca uma cegueira. O melhor de uma viagem é que você se surpreende em cada esquina, em cada rua, o olhar é mais sensível. E muitas vezes uma viagem serve para reinterpretar sua própria rua. Por outro lado, gosto que o trabalho no cinema não seja como ir ao escritório e voltar para casa. Gosto de levar um grupo de pessoas para outro lugar, para viver uma experiência diferente, e viver ali, na locação. Acho que isso dá uma intensidade adicional. Seguramente o cinema, para mim, é uma forma de conhecimento, de me colocar em relação com o mundo e com outros lugares".

José Luis Guérin, em entrevista publicada na revista Contracampo em outubro de 2007 e conduzida por Rodrigo de Oliveira e Filipe Furtado.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Paul

Decidi não escrever sobre o show de Paul, primeiro porque não sinto necessidade de registrar toda experiência como ato de vaidade, sou egoísta e minha vaidade é outra, gosto de guardar algumas preciosas lembranças só para mim; segundo porque sou preguiçoso e perfeccionista demais e se tratando de Paul, do grande Paul, isso só poderia engendrar um problema danado, e, terceiro, porque, assumo, sucumbi à estúpida fraqueza de fazer da racionalização em linhas, uma estranha e compulsória produção de lágrimas. Portanto, só tenho a dizer que aprendi a equilibrar a dualidade do amor besta com a existência do ouriço maldito escutando algumas canções, muitas do Paul, e, um tanto histérico durante o show, senti como se cada uma delas fosse capaz de abrir um buraco negro pela memória: segundo a segundo no presente, verso a verso na minha frente, eu fui escavando cada cantinho sujo e florido por onde passei. Desde que conheci os Beatles, apesar do ouriço aparente e até reluzente, aprendi a andar sempre com três ou quatro cartas de amor bem escondidas na meia.

domingo, 21 de novembro de 2010

10 dias

Saí de São Paulo, escala em Maceió, cheguei em Aracaju; saí de Aracaju, escala em Salvador, cheguei em Recife; saí de Recife, escala em Petrolina, escala em Brasília - escala de 7 horas e meia - cheguei em Rio Branco; saí de Rio Branco, escala em Porto Velho, escala em Cuiabá, voltei pra São Paulo. Entre a primeira saída e a última chegada, dez dias. Vou para o Rio de Janeiro na terça. Pela atenção, obrigado.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Adaptação

Não sei se consigo me adaptar no mundo em que meninas ganham aplicação de silicone como presente de dezoito anos e mulheres fazem sua primeira lipoaspiração antes dos trinta.