Antes de ser o primeiro longa de João Nicolau, A Espada e a Rosa foi uma telenovela colombiana de baixa audiência, uma versão pobre e ainda mais latina das aventuras do Zorro, não que isso seja uma informação muito relevante, mas é que durante a sessão na Mostra de São Paulo, duas senhoras tricotadeiras que talvez conhecessem a novela e não o cineasta português dos ótimos curtas Rapace (2006) e Canção de Amor e Saúde (2009), sentaram ao meu lado e soltaram regularmente a cada quinze minutos algum sábio comentário sobre o filme. Primeiro que já começaram se perguntando 'se tinham entrado na sala certa, se estavam na sala 1 ou 2... ou 6', depois inconformadas repetiram inúmeras vezes que 'não esperavam um filme tão esquisito, achavam que era histórico' e, por fim, diante da milésima oitava 'transgressão' aos ditames do realismo clássico e da linearidade do cinema convencional, exclamaram para todo cinema ouvir: 'surreal, surreal, surreal'. Se alguém me contasse essa anedota, despertaria em cheio a minha curiosidade, mas apesar da já prévia expectativa, o longa me soou um pouco sem medida na sua pretensão de manifesto: o fato é que não consegui me decidir se as brincadeiras de liberdade incrustadas na maneira de filmar do diretor português carregam a sinceridade dos braços soltos ou se concatenam um ritmo a partir de uma pré-condição esquemática - robótica, eu diria - de aparecerem em tantos e tantos minutos para impactar a platéia boba. As senhoras, sem dúvida, ficaram bem impactadas e não sei os outros, mas eu nem tanto. Todos os recursos abusados pelo João Nicolau terminam caindo na armadilha da repetição - não tanto fidedignamente plano a plano, mas pelo manejo do absurdo neles - o que esvanece o charme da sofisticação-ingenuidade: funciona até certo momento, nos faz rir até certo momento, nos deixa leve até certo momento, achamos fofurinha até certo momento, mas depois de uma hora e dois minutos cansa pra caralho. O filme tem duas horas e vinte. Não posso negar que me sinto emotivamente atraído por toda primeira parte, o silêncio da convivência do protagonista com Maradona, o gato, num apartamento pequeno, e para quem convive com gatos, impossível não reparar os ruídos, o barulho, o estrondo da relação, dos trejeitos do bichano, das distintas maneiras de expressar o humor, do inabitual companheirismo firmado pelo - e com o - felino. Segurei as lágrimas na cena em que o rapaz entrega o gato para um amigo cuidar, despedindo-se, pouco antes de embarcar na sua jornada a bordo de uma caravela pós-moderna de um século distante. Lembrei até do gato do filme do Manoel de Oliveira que, balançando o rabo num ritmo hipnótico, observa fixamente um pássaro que viria a aparecer morto na manhã seguinte. Antes que cause a impressão errada, tudo a seguir pode soar bem contraditório (e que seja), acontece que gostei do filme, mas um incômodo permaneceu zanzando a minha mente nos dias que se seguiram: a produção é tão recheada de pequenas inventividades que o uso excessivo faz o fofo e liberto se revestir de vazio, especialmente porque todos os requintes já estavam em seus curtas, mas não se colocavam como objeto central - às vezes até exclusivo - da mise-en-scène. É como se o filme gritasse a todo momento como os futuristas faziam em cima das mesas de bares com seus manifestos no início do século passado: "olha como sou livre, como meu cinema é inclassificável, como posso fazer do filme o que quiser, como posso desfazer todas as expectativas". Não sei, em teoria me causa um pouco a sensação que tive ao assistir os filmes da Avant Garde da década de 20, um berro de que cinema é experimentação, só que há uma diferença fundamental, lá de fato as brincadeiras narrativas e mecânicas eram os primeiros passos de liberdade com a câmera, aqui me soa estranho um jovem diretor chegar e gritar que é livre no meio da praça quando todos já o sabem. Você olha, percebe uma tomada de posição dentro do momento do cinema português, uma garra de utopia revigorada e depois vira a cabeça, deixa pra lá, afinal é no mínimo redundante diante de uma prospecção histórica. A Espada e a Rosa levanta tão alto o estandarte de sua própria libertação, que parece não mais sair da reafirmação desse círculo vicioso, deixando em segundo plano a intenção sincera em atualizar uma busca intelectual que aproxima alta cultura e piadas rasteiras, percorre séculos pulando gênero a gênero, se assumindo old school, pirata, anarquista e tecnológico ao ponto de abraçar o conhecimento pelo conhecimento, a sensibilidade pela sensibilidade, a falta de pragmatismo na ânsia das vontades, tomando nota uma por uma todas as minúcias do nosso mundo. A empregada brasileira seduzida com palavras fáceis, o alemão mais magro que a francesa magra e a mulher que quando foi presa por ter matado a mãe, estava comendo melancia com pão. Temo - e prefiro negar o meu próprio temor pelo voto de confiança no gesto - que o João Nicolau se deslumbrou tanto com a sua câmera - e o potencial de liberdade - que terminou enclausurando o seu próprio cinema.
terça-feira, 30 de novembro de 2010
A Espada e a Rosa (Portugal, 2010), de João Nicolau
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sexta-feira, 26 de novembro de 2010
olhar o mundo, olhar para si
"É mais bonito rodar um filme fora da sua cidade, porque a cotidianidade provoca uma cegueira. O melhor de uma viagem é que você se surpreende em cada esquina, em cada rua, o olhar é mais sensível. E muitas vezes uma viagem serve para reinterpretar sua própria rua. Por outro lado, gosto que o trabalho no cinema não seja como ir ao escritório e voltar para casa. Gosto de levar um grupo de pessoas para outro lugar, para viver uma experiência diferente, e viver ali, na locação. Acho que isso dá uma intensidade adicional. Seguramente o cinema, para mim, é uma forma de conhecimento, de me colocar em relação com o mundo e com outros lugares".
José Luis Guérin, em entrevista publicada na revista Contracampo em outubro de 2007 e conduzida por Rodrigo de Oliveira e Filipe Furtado.
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Paul
Decidi não escrever sobre o show de Paul, primeiro porque não sinto necessidade de registrar toda experiência como ato de vaidade, sou egoísta e minha vaidade é outra, gosto de guardar algumas preciosas lembranças só para mim; segundo porque sou preguiçoso e perfeccionista demais e se tratando de Paul, do grande Paul, isso só poderia engendrar um problema danado, e, terceiro, porque, assumo, sucumbi à estúpida fraqueza de fazer da racionalização em linhas, uma estranha e compulsória produção de lágrimas. Portanto, só tenho a dizer que aprendi a equilibrar a dualidade do amor besta com a existência do ouriço maldito escutando algumas canções, muitas do Paul, e, um tanto histérico durante o show, senti como se cada uma delas fosse capaz de abrir um buraco negro pela memória: segundo a segundo no presente, verso a verso na minha frente, eu fui escavando cada cantinho sujo e florido por onde passei. Desde que conheci os Beatles, apesar do ouriço aparente e até reluzente, aprendi a andar sempre com três ou quatro cartas de amor bem escondidas na meia.
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domingo, 21 de novembro de 2010
10 dias
Saí de São Paulo, escala em Maceió, cheguei em Aracaju; saí de Aracaju, escala em Salvador, cheguei em Recife; saí de Recife, escala em Petrolina, escala em Brasília - escala de 7 horas e meia - cheguei em Rio Branco; saí de Rio Branco, escala em Porto Velho, escala em Cuiabá, voltei pra São Paulo. Entre a primeira saída e a última chegada, dez dias. Vou para o Rio de Janeiro na terça. Pela atenção, obrigado.
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quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Adaptação
Não sei se consigo me adaptar no mundo em que meninas ganham aplicação de silicone como presente de dezoito anos e mulheres fazem sua primeira lipoaspiração antes dos trinta.
terça-feira, 2 de novembro de 2010
Filmes da Minha Vida: João Moreira Salles
Parte 1
Filmes da Minha Vida: João Moreira Salles (Parte 1) from Rodrigo Almeida on Vimeo.
Parte 2
Parte 3
Filmes da Minha Vida: João Moreira Salles (Parte 3) from Rodrigo Almeida on Vimeo.
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