Uma semana longe de casa e, pela primeira vez, não sinto saudades dos meus lenga-lengas de sempre, da cidade que me brota e do ritmo que satisfaz, das pessoas mais próximas, dos tons de pele, do calor infernal e até do fedor de merda do rio. Não estou me inundando de nostalgia, mapeando os afetos, resgatando palavra por palavra até silenciosamente reafirmar os vínculos, os laços, reviver as histórias boas e compartilhadas. Nada disso. Estou muito com a cabeça num mundo distante, com os olhos virados para outra direção, imaginando que posso prosseguir em ares também fedorentos sem receio de desfazer o nó que liga morbidamente certeza e insegurança, nó que nos aprisiona, se faz de seda enquanto nos mortifica num casulo. Ainda que nos alimente e nos aqueça, que nos deixe mimados e cheios de vícios, chega uma hora que não há nada a se fazer a não ser arrancar o fio umbilical com os próprios dentes. No entanto, permaneço atento para não soltar e perder as pontas.
De fato, tudo isso não é por Salvador, pelo axé e pelo pelô, nem se enganem, não é o tipo de gatilho que vem de fora, é quase como uma respiração que se torna mais intensa a cada fluxo, não bem o fim da nostalgia que me persegue, mas a inquietação, vinte cinco anos, de que no mundo das permutas, meu mundo das maravilhas, a vantagem de estar longe das pessoas que lhe conhecem de ponta a ponta, as desvantagens são inúmeras, é escapar um pouco do olhar viciado, às vezes preguiçoso, que seus amantes lançam sobre você. Tenho a impressão de que a intimidade, como todo ninho afetuoso, pode ser tão conformista que se torna espectral, fantasmagoria do cotidiano, amor maior do mundo de quem arma o estúdio com mil câmeras na sua direção, firma a bela visão oficial e parte com os olhos fechados para longe. Nada pode ser tão castrador quanto acordar todos os dias com o cheiro de café e encontrar um sorriso matinal delineado de ternura.
Não se trata de uma crítica ao colo, à boca cuja voz nos envolve em poucas frases ou ao cheiro que nos acostumamos, mas que continua a nos atrair: o problema é que para não nos levantarmos do sofá da sala ou não mudarmos o nosso sanduíche predileto no McDonald's, terminamos aceitando todos os clichês, os que impomos a nós mesmos e os que provêm de olhares estrangeiros, perspicazes em boa parte dos casos. Enquanto isso, a banha parece se acumular. Seja como for, acordei hoje sem vontade de seguir como um personagem de um script/relação repetitiva, meio como se fosse a décima oitava temporada de um seriado em que tudo permanece no mesmo marasmo, tudo é previsível demais de forma que os olhares dos espectadores impedem muitas vezes de seguirmos na maravilhosa opção de sermos sem pudor, também, aquele que não somos, de entrarmos num estado dentro fora de si. O que mais gosto em Salvador é a revolta do mar e a tranqüilidade das pedras.