domingo, 25 de janeiro de 2004
Jornalista
ou aquele que sempre chega já saindo.
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sábado, 17 de janeiro de 2004
17 de janeiro de 2004
O fato das cortinas não serem estáticas sempre foi ponto de discórdia, de modo que as rugas sob a luz de velas e as taças de vinho já vazias sempre pareciam distintas quando mudavam os castiçais da sala. Um deles chegou carregando uma bolsa sem forma e as desvantagens de uma palavra. Não fora o fim da poesia, estavam apenas no início e tinham todos, os anseios e as inseguranças. Não havia desespero em cartas de suicídio. No hay banda. There is no band. It is all an illusion. Mudaram o espelho de lugar e reencontraram os lápis e os papéis que tinham perdido. Não fora o fim dos abraços, nem das belas piadas ou destes últimos solares. Aprenderam a agradecer todos os dias pelos beijos que não deveriam ter dado se entorpecendo com uma bebida barata.
Agora sequer precisavam dos pseudônimos femininos e do medo de discar o telefone. Não fora um fim, mas outro recomeço. A chuva pela janela e os cantos orientais, a dança solitária e as cartas do baralho jogadas na cama. Havia um rastro de formiga num antigo móvel de madeira. Ouviram / contaram histórias de infância e desejaram ouvir as primeiras palavras de seus filhos. Estavam dando um tempo na falsa honestidade. Parece patético, mas havia um papo sobre ser e reacender o introspectivo e o eu. Não queriam guardar segredos, deixaram as desculpas pra lá, agarraram os cabelos e estenderam seus sorrisos no varal. Estavam ali pelos abraços mais fortes e por alguns beijos também. Um fusca azul. 17 de janeiro. Nada de águas de março ou semana santa ou época natalina. 17 dias depois do fim do ano, estou pronto.
Tenho que ser mais sereno.
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sábado, 10 de janeiro de 2004
21 Gramas (EUA, 2003), de Alejandro González Iñárritu
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quarta-feira, 7 de janeiro de 2004
A história de uma gotinha
No início era apenas uma típica gotinha d’água daquelas que chegam discretas pelo teto da sala e que em quatro ou cinco invernos se tornam uma artística infiltração. De fato, foi um début de baixo orçamento, apesar dela carregar aquela presença cínica de quem concentra toda sua umidez. Não demorou muito até fazer daquele canto um antro espiritual, receitando energias a torto e a direito, invocando karmas novos, fazendo e desfazendo mau olhado. Era antes de tudo uma gotinha esotérica. Lia todo santo dia seu horóscopo por intermédio das moscas e todo santo dia tirava tarô para alguém. Algumas baratas descontentes com seu destino morreram depois disso.
Era também uma gotinha ambiciosa e com consciência de classe. Conhecia a história das gotinhas, seus feitos mais homéricos, sua posição na sociedade, os teóricos mais relevantes e tinha sempre um astuto argumento para se defender do que não lhe ameaçava. Por ser única naquela sala de pouco movimento, tinha sempre um sorriso dúbio e um ego para apontar. Tornou-se também terapeuta e após algumas seções, vaga-lumes com problemas sexuais voltaram a acender suas companheiras. Não demorou muito até a gotinha se tornar cada vez mais popular e aprender a ser uma atriz tão boa que conseguia passar uma boa primeira impressão para quem fosse. Comercializava simpatia com as aranhas.
No círculo de falácias, cada um dizia uma coisa, mas todos inundados de uma convicção assustadora: uns a tomavam como pai de santo em exílio de algum país não laico, outros comentavam na fresta da janela que não passava de um psicóloga problemática sem referências, alguns evocavam sua candidatura nas próximas eleições e a grande maioria afundada em seus delírios maternos mal resolvidos, enxergavam-na como uma criança doce e traquina. Logo chegaram as chuvas de verão, a gotinha tinha contraído alguma mazela com os mosquitos transmissores, de forma que sentia a presença de milhares de gotinhas, mas, isolada de seu mundo, permanecia sozinha. A consciência histórica não lhe servira de nada.
Cada vez mais gotinha-inha-inha, terminou se dedicando aos mexericos do cotidiano das vidas alheias. As lesmas contavam as grandes novidades da semana passada (os fuxicos que todos já sabiam e que já estavam cansados de saber), as moscas os pequenos segredos (aquela coisa que você escuta e treme nas bases antes de acreditar). Era no fim de sua jornada uma gotinha fofoqueira. Odiava o complexo de perseguição das baratas, besouros e lagartixas e sempre falava mal das formigas perdidas e das formigas trabalhadoras. Repetia todos os dias que se tivesse antenas e patas, antes de tudo teria sido uma rebelde. Só que a gotinha era apenas uma gotinha.
A chuva parou. O teto foi reformado. Nenhuma gota iria cair. Pintaram as paredes. A gotinha secou.
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