Como não consegui encaixar esse parágrafo no texto seguinte, decidi publicá-lo como uma espécie de prólogo diletante, afinal durante os minutos de decomposição da dúvida, do quase não gostar de O Estranho Caso de Angélica (Portugal / Espanha / França / Brasil, 2010), de Manoel de Oliveira, lembrei como numa tempestade de ideias de três filmes com estratégias narrativas bem distintas na contemplação da ausência. Todos, entretanto, sem qualquer resquício da suavidade e leveza proeminentes na obra do diretor português. O primeiro foi A Aventura (Itália, 1960), de Antonioni. Revisto antes de ontem, vaiado pelos espectadores de Cannes e usado repetidas vezes para exaltar características do cinema moderno, o filme começa acompanhando um mulher angustiada - discordante do pai e insatisfeita com o namorado - até seu desaparecimento, ainda nos trinta minutos iniciais, durante um passeio em uma pequena ilha do mediterrâneo. A partir desse acontecimento misterioso se desenvolve uma aproximação amorosa entre seu namorado e sua melhor amiga, a aproximação, no entanto, vai se entrelaçando à medida que procuram pela protagonista, ambos cada vez mais diminutos na vastidão das paisagens, onde a maioria dos diálogos recupera a ausência da amiga/amante e transborda um imenso sentimento de culpa. Continuam a procura mesmo inundados pelo desejo - e vergonha - do não retorno, temendo o encontro primevo e no último plano, naqueles três segundos em que você imagina todas as formas como poderia terminar e escolhe sua preferida, tive quebradas minhas expectativas - e minhas pernas - com o gesto sutil de uma mão feminina alisando a cabeça do rapaz. O segundo foi o recente Odete (Portugal, 2005), do também diretor português (não tão longevo e não tão inventivo, desculpem) João Pedro Rodrigues, em que um garoto morre num acidente de carro e desperta o cruzamento de obsessões entre o seu namorado e uma vizinha com quem não tinha contato, mas que, ao saber do acontecido, embarca num relacionamento prévio inexistente que desemboca numa gravidez psicológica. A ausência e carência fazem do luto, não um silêncio guardado, mas um culto radical ao falecido, uma dança de corpos cada qual com um desespero ardil. Se de fato toda estranheza do argumento está mal servida num encadeamento convencional, se os atores são sofríveis, a superestima não passa de uma árvore de natal, ainda assim temos um resultado belíssimo na última cena: depois da gravidez ser desmascarada, a garota passa a se identificar de maneira corpórea com o morto, veste suas roupas, tenta se transmutar nele ao ponto de simular uma transa - ela sendo ativa - com o namorado sob o cândido olhar do fantasma. Por fim, o último filme lembrado é provavelmente a obra-prima dessa linhagem: Rebecca (1940), primeiro trabalho norte-americano de Alfred Hitchcock e referência maior a todos os casais que precisam lidar com a esfera da lembrança, da impossibilidade do esquecimento - e das comparações - de ex-parceiros de seus atuais amantes. Depois de Rebecca, dessa ausência tenebrosa que paira do lado de fora do quarto, pura fantasmagoria que se confunde com materialidade, aprendemos a guardar carinhosamente todas as comparações positivas com o passado, certos de estarmos preparados para o dia em que encontraremos embaixo do tapete, escondida num porão, a coleção das negativas acumuladas por anos.
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