quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Um país em uma sala


Os filmes anteriores de Laurent Cantet, Recursos Humanos (1999) com seu delicado ensaio sobre alienação e resistência no contexto de uma fábrica, A Agenda (2001) que desembaraça os medos diante do desemprego, e Em Direção ao Sul (2005) com seu olhar perspicaz sobre o consumo sexual, já anunciavam a maneira sutil como o diretor francês condiciona uma esfera cinematográfica imantada de política, sem necessariamente cair no que se convencionou chamar de filme político. Seguindo essa mesma linhagem, aliás sua carreira é de uma extrema coerência, o diretor realizou Entre os Muros da Escola (2008), vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes e sua produção mais audaciosa, esboçando, por meio da complicada relação entre alunos, professores e instituição educacional, uma parábola sobre as tensões étnicas de seu país, a França. 

Inspirado no livro homônimo de François Bégaudeau, que recria sua própria experiência interpretando o recém contratado e dedicado professor de francês, o filme transporta a França para dentro de uma sala de aula, demonstrando como a nação não consegue lidar com a presença cultural das antigas colônias em seu próprio território e termina reforçando velados parâmetros colonialistas. A França teme se tornar menos francesa com a presença dos imigrantes. Naturalmente, a narrativa desenvolve-se por inteira dentro da escola e em cima de longos diálogos durante nove meses de um ano letivo, onde uma série de disputas culturais são travadas e aprofundadas, ampliando sua potência graças ao “efeito de realidade” presente no improviso dos atores. Abdicando de um roteiro nos moldes tradicionais, Cantet e Bégaudeau estimularam situações para que os jovens pudessem criar suas próprias falas e dessem, assim, autenticidade aos embates. 

Se o clássico conflito entre alunos e professores levanta o debate sobre autoridade, poder e liberdade, o diretor utiliza o microcosmo para deslocar espacialmente esses temas, colocando o macrocosmo em evidência indireta. Nas aulas, o idioma surge como uma fantasmagoria da nacionalidade, uma afirmação de "se querem vir para França precisam primeiro aprender a falar e se comportar como franceses". Aliás, durante as duas horas fica clara também a associação entre disciplina, processo civilizador e domesticação de comportamentos divergentes na película, apontando a maneira racista como o país - via Sarkozy - teme de maneira crescente o efeito da miscigenação sobre a sua cultura. Em uma cena, durante a reunião dos professores, um dos presentes comenta o comportamento dos alunos comparando-os a animais e desnudando em absoluto o discurso colonialista, cujas variadas vestes servem para camuflar uma intensa brigada.

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