Às vezes acredito que diversas pessoas com quem partilho meu convívio das idas ao cinema e das conversas de bar se acostumaram - mesmo que neguem duas ou três vezes - a um regime do pessimismo e do olhar agressivo gratuito, o que pode parecer para uma testemunha alheia um pouco de conformismo precipitado e frustração pessoal. Se por um lado, o sucesso de um projeto - e a legitimação coletiva - suplanta temporariamente esse 'pé atrás', pé gangrenado pelas mesmas piadas e preceitos; por outro, serve igualmente no adensamento da pressão negativa sobre projetos futuros. Antes que levantem as plaquetas de "otimista" ou "Polyana", desfaço logo o mal-entendido, primeiro porque me identifico com essa postura inquieta e vislumbro um valor criativo do estado de crise; segundo porque acredito que se tudo vai bem, se apenas os méritos são comentados, se todas as críticas de filmes são positivas e se a cordialidade, enfim, domou as ligações perigosas, é porque de fato há algo de muito errado e medíocre no sistema. Nenhuma realidade pode viver só de elogios. Bauman em seu Em Busca da Política (2000, p. 14) comenta - e eu concordo - que “nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar ou deixa que essa arte caia em desuso pode esperar encontrar repostas para os problemas que a afligem”. No entanto, quando qualquer falha vira motivo de chacota, quando se espera o pior simplesmente por escolha, quando o caráter ranzinza impossibilita os deslumbres, a realidade pode se erguer numa problemática similar a da cordialidade, negando a exatidão e perícia dos olhos de leopardo.
Trata-se afinal de uma preservação do discernimento e do reconhecimento para que se possa 'descer o sarrafo' como gesto de maturidade e sensibilidade e não como mero prazer confuso e inseguro. Os dilemas existenciais nem sempre são vingados por meio da autodefesa fundada na esperar pelo pior - noção teorizada por Freud a partir de entrevistas com veteranos da Primeira Guerra Mundial, cuja conclusão foi a de que quem esteve no conflito esperando pelo pior lidava melhor com os seus traumas, enquanto que quem tinha ido com a esperança de ser mais tranquilo, desenvolvia maiores sequelas. Assim, é caso de não temer as sequelas nem abandonar o espírito crítico. Na incapacidade de distinguir realidades - incapacidade ou conveniência - alguns costumam jogar fora a água suja com o bebê, uma espécie de expectativa negativa sem razão de ser diante do que ainda nem se realizou: seja para com o cineasta que está fazendo seu segundo filme depois do primeiro estrear em Cannes, seja para com o primeiro longa de um cineasta cuja carreira de curtas é bastante festejada ou, por fim, seja para com a perpetuação de festivais recém-nascidos. Comecei a pensar sobre isso hoje, porque senti o peso ao ouvir falarem negativamente da segunda edição do Janela Internacional de Cinema do Recife. Ok, sexta-feira foi um caos no Cinema da Fundação, a festa no sábado só ficou boa depois que superou o conceito festa-fila lá pras das 3 da manhã, o janela crítica está um tédio / fiasco, o janela indiscreta nem comento, mas, ufa, ainda restam os filmes e, esses sim, objetos mais importantes e motivo de toda cruzada, continuam carregando o paradoxo da singularidade e diversidade de maneira bastante sólida.
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