Tenho a tendência de idealizar os meus dias como crônicas, descobrindo em alguma brecha das vinte e quatro horas, um lampejo transcendental que possa carregar comigo para o resto da semana, do ano, quiça da vida. É como se partisse do arbitrário princípio de que os dias futuros são, em parte, constituídos de milésimos de segundo colhidos no percorrer dos dias passados. Por isso, toda vez que me arrisco a planejar os próximos passos, que me lanço num plano de ação a médio prazo, logo me deixo invadir por um sentimento nostálgico: leio posts antigos, descubro blogs abandonados, vejo filmes de infância, relembro bons momentos, mando emails saudosos, volto aos lugares que não frequento mais. Parece um mero tique errante, mas só assim me dou conta como tudo isso me pertence, cada fagulha, fragmento e fratura; redescubro quem eu 'era' / 'sou' 'antes de' / 'sem' conhecer cicrano ou beltrano, mais ou menos o que fala o Henri Lefebvre, em um de seus ensaios sobre o cotidiano e tomando para o lado pessoal, ao afirmar que "a história de um dia engloba a do mundo e a da sociedade". Pensar na vida anterior englobada pelo dia presente e pensar os dias como crônicas a serem descobertas por um olho não dormente, me desperta para um aprendizado eficaz: o de recortar momentos insignificantes para torná-los parábolas existenciais. Vinte quatro horas, vinte quatro anos, vinte e quatro quadros e a experiência me parece dizer que sempre há de chegar o momento em que os milésimos de segundo mostrarão sua exatidão cirúrgica.
Um comentário:
Às vezes você escreve cada coisa que é tão minha...
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