terça-feira, 13 de abril de 2010

A-va-tar


Tal qual vem se tornando comum entre as propagandas de bancos e empresas multinacionais, o nada inocente Avatar (EUA/Reino Unido, 2009) se apropria de forma capital de um discurso internacionalmente difundido por sua urgência, o discurso ambiental, para confirmar a resolução de que determinados dados inseridos num regime estético, reforçam uma realidade em que os significantes se fortalecem enquanto os significados são menosprezados. James Cameron com toda sua pompa e megalomania bem esquadrinhada passa a impressão de que está profundamente preocupado com o futuro do planeta,  visitou no mês passado a Amazônia para afirmar sua posição contra o desmatamento e a construção Belo Monte, enquanto que para além da tela, para além da causa ecológica ecoando como épico, vemos a preocupação de uma indústria consigo mesma, erguendo para Hollywood um monstruoso culto a nada menos que a técnica. Avatar é o representante do momento em que o cinema comercial do início do século XXI enfrenta mais um desfiladeiro da renovação tecnológica, desfiladeiro que o acompanha desde o início de sua história, aproximando esse salto ao que vem sendo chamado de (sic) capitalismo verdeNaturalmente, a guinada, que resultou nos efeitos mais suntuosos e produziu a mais rentável bilheteria até então, não se deve apenas às qualidades artísticas inegáveis, mas ao timing de usar a técnica assombrosa a serviço de uma narrativa convencional, onde cientistas são esboçados como ‘mocinhos, multiculturalistas e compreensíveis’ e os militares como ‘bandidos, etnocêntricos e cruéis’. Há aqui uma atualização de paradigma, um sistema que troca de pele diante dos nossos olhos e mistura sua identidade de colonizador com a mesma casca dos colonizados, aproximando tecnologia e religião ao tema de abrangência e publicidade mundial. Formata-se, então, um blockbuster cibernético-hindu-ecológico, produto redondo para vingar o cinema de entretenimento ao oferecer um espetáculo que não pode ser reproduzido domesticamente. Isso não podemos negar: Avatar venceu.

De todo modo, vale lembrar que Adorno e Horkheimer nos alertavam em todo seu pessimismo na Dialética do Esclarecimento (2006) para a “compulsão permanente da indústria em produzir novos efeitos, que, no entanto, permanecem ligados ao velho esquema” (p. 106). Assim, fascinados pela pirotecnia digital 3D, afetados pelo discurso ambiental e curiosos pelo exótico misticismo oriental, os espectadores não notaram que estavam diante de um velho roteiro, da releitura do mito de Pocahontas, do encontro tenso e amoroso entre colonizadores e colonizados, encontro que pacifica e torna superficial o verdadeiro embate de forças. A adaptação desenvolvida por Cameron se desenrola no ano de 2154, através de uma equipe humana (ou melhor, norte-americana), cuja missão é explorar as fontes energéticas do planeta-floresta Pandora (obviamente os recursos da Terra foram dizimados e o imperialismo precisou desvendar novos horizontes). O lugar é habitado por alienígenas-índios que vivem em conexão profunda com a natureza-ciberespaço, inclusive com uma metáfora que une a suposta rede à uma espécie de transcendência metafísica. O encontro entre as duas raças/culturas não é  pacífico, pois o maior reservatório energético está justamente embaixo de uma árvore gigante que funciona como moradia dos nativos (Na’vi), mas enquanto os cientistas querem estudá-los cuidadosamente, os militares buscam respostas pragmáticas. Com essa separação tão evidente, o filme parece defender um imperialismo menos bruto, mas ainda imperialismo, trocando a violência explícita por uma compreensão dominativa, tal qual o abraço de um polvo. Assim, o clímax da película ocorre no momento do conflito direto em que o lugar é atacado por dezenas de helicópteros, cena que toma uma dimensão épica, com desenho de som no último grave do dramático, transformando a queda de uma enorme falsa árvore em 3D num espetáculo emocionante em sua extravagância. Avatar é um desses filmes que colonizados, colonizadores e espectadores de todo o mundo dão as mãos e se emocionam juntos.

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