Certa vez, perto dos trinta, Verinha se deu conta que sempre se apaixonava nos últimos meses do ano, outubro, novembro, meses que escancaravam os errantes finais de ciclos, ansiedade, universidade, mudanças de visual, arrependimentos, consumismo, listas dos piores, despedidas, desespero, projetos, nostalgia. Tinha a impressão dúbia de que a partir de setembro rolava o alinhamento cósmico em que as pessoas atraentes saíam de suas tocas, enquanto que ela se desfazia de suas paredes, muros e armaduras, provavelmente por, justamente nessa época, perceber a melancolia restrita aos domingos se alastrar aos outros dias. Era preciso amenizar o clima pesado, esquecer os protocolos do horóscopo e havia certo desespero-carmem-maura nisso. Na falta de outra escolha, aproveitava o fervor o quanto podia, vivia toda a vida em quatro ou cinco dias, mas bem confessava que de fato não durava muito. Antes do Natal já tinha certeza do fracasso, se lançava na farra familiar, virava a noite bebendo, comendo, reclamando e fugindo das perguntas anuais das tias velhas. Eventualmente amanhecia o dia embriagada assistindo Procurando Nemo e chorava horas após erguer e derrubar uma montanha de latinhas de cerveja. Abria o olho esquerdo, pois o direito estava grudado de remela, e pedia a Deus para não estar caída nua dentro do banheiro.
Desde os vinte e cinco, Verinha decidira trocar a auto ajuda que ganhava como brinde da paquera com o dono da banca de revista pelas composições barra-pesada do Paulo Vanzolini. Sentia desde então uma vertigem terrível, um medo por antecedência, como se o corpo rígido, de forma autônoma, antevisse e se protegesse para o ano que estava por vir. Todavia, quando pensava na contagem regressiva puxada pelo Faustão, quando tinha pesadelos onde ficava trancada num aposento com todos os artistas do show da virada, se tornava permissiva só pelo medo de ficar sozinha. Se pudesse fazer um testemunho de sua condição, escreveria em alguma pedra fina que enxergava a si como se estivesse presa a um labirinto de corredores novos, que apesar de levarem naturalmente a caminhos desconhecidos, eram feitos de azulejos e dores antigas, labirinto que se projetava a partir do vício de quem se encontra entre o amor platônico que doa a um e o amor hedonista que espera receber de outros mil. A própria vive pensando em desistir, mas na hora do gatinho, Verinha, mesmo tendo vivido todas decepções amorosas, mesmo se envergonhando da vontade de escrever melodramas cinquentões, sente o peso das olheiras e termina admitindo que espera ansiosa a chegada do reveillon em que terá a oportunidade de, vestida de vermelho, abdicar dos mil para encaixar seu corpo no abraço quente de apenas um.
2 comentários:
Ai caramba, quantos de nós estaremos imersos em alguma comédia (sem graça) de baixo orçamento até o Show da Virada? Meeeedo do final de ano, estava lendo e quase me sentindo a Verinha, ha, ha... :D
Parabéns pelo blog. Vim parar aqui digitando 'morbidez' no Google... (esses "jornalistas" que se inspiram na Sonia Caixão, afe...)
Bons escritos, devo acompanhar a partir de agora!
Verinha, gata. Aposta na calcinha nova que é tudo de bom pra afastar mazela velha. no teu caso, vá com a verde que é cor curativa. Daí, se joga, amiga.
Postar um comentário