domingo, 7 de dezembro de 2003

Vazio


É um vazio.

Sou o afeto no olhos refletidos pelo vidro da janela, as palavras de desprezo soltas no vento e o eco dos intermináveis passos num corredor sem fim. Sou a inofensiva bolinha de papel batendo no seu rosto, o cuspe escorrendo de seu queixo e o Judas enforcado pelo fio do telefone.

É um vazio. Um vazio tão imenso que vai além dos contornos de meus dedos. Um vazio que pinga, que apaga as luzes dos postes e que esquece de trazer o amor para o seu seio. É um vazio que dói, que desanda nos passos da dança, que nos chama de tolo e corre em passos de lebre. É um elefante no meio da sala, uma pressão que me estala. É o medo de viver.

É um vazio. Um vazio que fere a minha carne, que cospe no meu rosto e beija a minha boca no banheiro. É vazio que se faz culpa pelos livros, que faz da biblioteca desperdício, é a vontade de se vingar. É um vazio que passa invisível, que torce o nosso corpo e desliza sem sentido. É um elefante em cima da mesa, um choro de tristeza. É o ímpeto de fim desde o começar.

É um vazio. Um vazio na falta de ar, na ausência de palavras a se dizer, na lembrança das eternas quedas e no anseio por dormir no chão. É um vazio ao lado da cama, do telefone que nunca descansa e do abandono que não deveria existir. É um vazio nas ameixas pisadas, nas amizades deixadas. É um elefante na minha cabeça, um momento de total estranheza. É o futuro perdido em minhas mãos.

Sou a loucura da existência, o delírio do vazio dos anjos e um tiro em câmera lenta. Sou o esquecimento da lembrança, a última angústia de uma ânsia, o som de Beethoven mal tocado em meu piano.

É um vazio.

(Sensações pós-sessão de Elephant (EUA, 2003), de Gus Van Sant)

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